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segunda-feira, 25 de setembro de 2006

O Aborto, sob a Visão Liberal


Por Klauber Cristofen Pires

Um tema polêmico que tem sido requentado de tempos em tempos é o relativo à questão do aborto, o qual, a propósito, anda rondando as tribunas da Câmara e do Senado. Da parte dos adeptos das teorias coletivistas, estão os defensores da legalização indiscriminada; na contraparte, estão as pessoas que se amparam na religião cristã, a defender a proibição.

Um dos argumentos que mais tem sido utilizados, com grande sucesso, é o de que a mulher merece ter o direito de decidir sobre seu próprio corpo. Uma nota de destaque com relação a esta afirmativa é que esta tem ganhado a adesão de pessoas que pensam estar agindo com espírito liberal! Enquanto marxistas, coletivistas e liberais desatentos, ou falsos liberais, vão engrossando o coro a favor da liberação do aborto, vão ao mesmo tempo vergando a rigidez dos conservadores, sob a alegação de que a vivemos em um país laico, em uma explícita manobra para desqualificar-lhes o discurso religioso e assim colocá-los fora do páreo.

O objetivo deste artigo é, em primeiro lugar, colocar o verdadeiro ponto de vista da doutrina liberal, que, por completo desconhecimento, tem sido solenemente ignorada do debate, e isto será feito por meio de esclarecer algumas confusões que tem sido difundidas amplamente, quase sempre de forma propositada.

A começar, vamos voltar sobre a questão de a mulher ter o direito de decidir sobre o próprio corpo. O que é de estranhar, primeiramente, é que este “direito” tenha sido defendido tão exaustivamente por partidos e ONG’s de esquerda: parecem estar pregando contra si mesmos, não é mesmo? Todavia, cuidado com as aparências! Ainda comentaremos sobre este tipo recorrente de discurso, mas o principal é que se saiba: o que os partidos de esquerda na verdade desejam, é ter o controle da sociedade nas mãos do Estado!

Esta gente acredita piamente que problemas tais como de pobreza, desemprego e de criminalidade, podem ser resolvidos por meio do controle de natalidade, e isto inclui, sem dúvida, a institucionalização do aborto. Na cabeça desta gente, se há nove chapéus e dez cabeças, o certo a fazer é cortar uma cabeça! (ou diremos, um feto?).

Portanto, mulheres, não se enganem, pensando que, sob um governo socialista, vocês terão direito ao próprio ventre! Ora, do que se pode mais, se pode menos: vencida a barreira mais problemática, qual seja, a de derrubar os fundamentos filosóficos, morais e mesmo religiosos e partindo-se para a eliminação institucionalizada do ser humano em formação, decidir quem poderá fazê-lo não passará de um detalhe operacional. Aliás, a bem da verdade, quase sempre o Estado fará com que as próprias mulheres assumam por si mesmas o ônus e a culpa por abortarem, seja por meio de benefícios, seja estabelecendo sanções restritivas de direitos, enquanto ele posará de isento e benfeitor da humanidade.

Agora sim, vislumbrando o problema sob a ótica da doutrina liberal: é certo que a mulher tem direito a dispor de seu próprio corpo. Oportunamente, este é um dos fundamentos do liberalismo: o corpo é a primeira propriedade de um indivíduo! Entretanto, precisamente por esta razão, é que a tese da liberação do aborto não pode ser acolhida. Explica-se: a vida começa com a nidação, isto é, com a fertilização do óvulo pelo espermatozóide, cujo resultado será o ovo, ou zigoto.

O zigoto, por sua vez, não é o corpo da mãe, nem lhe faz parte, assim como também não é seu pai, nem dele faz parte. O zigoto possui um DNA diferente do pai e da mãe, denunciando a formação de um novo indivíduo, ou melhor, de um novo ser humano. Do ponto de vista da doutrina liberal, portanto, não será exagero dizer, conquanto possa ser hilário, que o zigoto é a pessoa mais pobre da sociedade, pois todo seu patrimônio consiste em uma única célula! Felizmente, a prosperidade vem célere, pois bastam alguns minutos para contemplarmos centenas de novas células, em um flagrante do triunfo da vida: ele não quer morrer – pelo contrário, seu ânimo é de crescer e de se desenvolver!

Por outro lado, não é suficiente que esteja no corpo de sua mãe, e dela fazendo uso, para que ela reclame o direito de expulsá-lo. Se uma pessoa vê outra se afogando em um lago, pode considerar suas possibilidades de ir salvá-la – considerações que se situam no campo da moral (se deve salvá-la) e da conveniência (se pode salvá-la, sem incorrer em perigo ela própria). No entanto, se alguém empurra esta pessoa, jogando-a na água, é seu dever salvá-la, mesmo sob risco de perigo, ou de outra forma será acusado de assassinato.

Com a gravidez, da mesma forma, o feto (e depois, a criança), depende do corpo da mãe e dos cuidados maternos, assim como uma pessoa que se afoga necessita de intervenção externa que a socorra, e, não tendo concorrido ele mesmo para a sua situação, é dever da mãe prover as suas necessidades, assim como é dever daquele que empurrou salvar a vítima, porque ambos são os responsáveis pelo que deram surgimento, com seus próprios atos.

Resolvida esta questão – que desqualifica, por absoluta irrelevância, argumentos marginais, tais como o que pregam que o embrião ou o feto não sente dor (não é por que alguém não sente dor que podemos matá-lo), ou o momentum de receber a alma (quem pode ao certo determinar quando isto acontece?) ou o mais terrível, que diz que embrião ou feto não é gente (será “pedra”, “alface”, ou “lombriga”?), a única solução possível para a doutrina liberal é defender veementemente o direito do novo ser humano à vida, ressalvados os casos de estupro (como já comentado) e de risco de vida para a mãe (obviamente), aliás, plenamente de acordo com a sabedoria da lei vigente.

Querer especular que uma gravidez possa ser interrompida, diga-se, aos dois ou aos três meses, ou aos seis ou nove, é absolutamente desnecessário, e pior do que isto, é a porta aberta do relativismo que pode autorizar o assassínio de um “serzinho” indefeso minutos antes de vir a respirar, ou mesmo depois, porque, ora, como diz aquela piadinha maldosa, depois que entrou a cabecinha...

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Podem os Gays ter o Direito de Adotar Crianças?

Por Klauber Cristofen Pires*

Este artigo pode ser o que poderíamos chamar do divisor de águas entre o pensamento liberal e o conservador. Com efeito, as pessoas adeptas de um conservadorismo moral muitas vezes têm em conta que os que defendem a doutrina liberal pautam-se pelos excessos que podem conduzir a sociedade a um estado de libertinagem desenfreada.
Segundo o pensamento conservador, é a família tradicional, composta de um pai (homem), uma mãe (mulher) e a prole, sangüínea e/ou adotada, quem melhor pode prover às crianças um ambiente sadio, moral e espritualmente; então, sustentam que o Estado deve abrigar a proteção dos valores considerados “sensíveis”, ou “fundamentais” para o bem-estar da sociedade, entre os quais os da preservação da família, e isto inclui proibir iniciativas de outros cidadãos que não se alinhem a esta fórmula de arranjo social.
Apenas para se evitar confusões, aqui não será tratada a questão sobre se os gays podem ter ou não direito ao casamento. Deixemos este debate para uma próxima oportunidade. Para todos os efeitos, trataremos apenas da hipótese sobre se gays podem ou não adotar crianças, seja na condição de solteiros, seja coabitando com seus parceiros.
Diz a lenda que Rômulo e Rêmulo, os fundadores de Roma, foram amamentados por uma loba, após terem se salvado das águas do rio Tibre, onde foram atirados pelo seu tio Amúlio. Poderíamos, portanto, ter em conta esta lenda para marcar a fronteira entre a pior forma possível de um ser humano ser criado, qual seja, por uma loba (ou por chipanzés, como Tarzan) e ser deixado morrer, à própria sorte. Na outra ponta, qual seria, de forma extrema, o melhor para uma criança? Possivelmente, uma família de pai e mãe heterosexuais, fiéis entre si, bem-educados, milionários e amorosos.
Entre estas duas fronteiras do caso em questão, é possível perceber uma infinidade de situações em que uma criança pode ser criada, segundo uma variedade e combinação extensa de oportunidades e percalços: os pais podem ser saudáveis ou doentes, jovens ou idosos, amorosos ou rudes, bem-educados ou ignorantes; podem ser viúvos ou oriundos de outro casamento; podem viver em um país desenvolvido ou extramamente atrasado, e muito mais.
Contudo, em todas estas formas de convívio social, seja qual for a situação, intermediárias entre a pior possível e a melhor possível, sempre a criança terá um destino melhor do que entregue à própria sorte. Logicamente, o ideal seria, como já salientado, que todas as crianças do mundo vivessem no seio de uma família rica, saudável, bem-educada e amorosa. Mas sabemos que há crianças abandonadas, sem nenhum tipo de assistência, a quem um simples teto, por simples que seja, já faz a diferença para melhor.
Aqui reside a fronteira entre as posições de um liberal e de um conservador: o liberal entende que, ao deixarmos para o Estado definir quem pode e quem não pode adotar, estamos lhe delegando o poder de definir qual a fórmula que será tida como padrão, sendo que todas as outras soluções, consideradas inferiores, serão proibidas. Veja o leitor como nisto não reside nenhuma solução: pelo contrário, apenas será decretado que todas as oportunidades deixadas à esquerda do modelo adotado serão abandonadas, ou pior, repudiadas, e seus praticantes poderão sofrer perseguições.
Tempos atrás, um amigo meu decidiu regularizar a situação de um filho adotivo, que ele já vinha criando há anos. Dono de um padrão de vida próprio da classe média alta, vivendo com sua esposa e seus outros filhos, fora obrigado, além de toda a burocracia infernal, a receber em casa uma comissão de inspetores – assitentes sociais – que foram para lá verificar se aquele lar reunía as condições suficientes para a adoção de uma criança!
Este quadro seria muito bonito, se não fosse extremamente hipócrita! Imagine se o Estado conhecia a condição daquela criança, antes de ter recebido um lar, ou, ainda que a conhecesse, que a proporcionasse condições tão boas como aquelas em que ela, afortunadamente, encontrou? Até parece que em nosso país não há milhões de pequeninos sem lar ou sofrendo as piores violências nestas instituições estatais que se dizem “de bem-estar do menor”!
Na Alemanha nazista, os casamentos inter-raciais eram proibidos; as crianças com síndrome de Down ou outro qualquer problema ou disfunção eram apartadas de seus pais, e muitas encontraram seu destino em câmaras de gás ou fornos crematórios. Na União Soviética, as crianças podiam ficar com seus pais até certa idade, e depois eram deles apartadas para então serem educadas em instituições de internação coletiva. Tudo isto já aconteceu, porque a humanidade deu ao Estado a chance de escolher e determinar o que é melhor!
Eis a grande preocupação dos liberais: entregar uma prerrogativa, que é naturalmente de ordem privada, ao Estado! Descuidam os conservadores que, ao entregar ao Estado tais poderes, um dia as coisas poderão voltar-se contra eles, se outra maioria vier a prevalecer; será o dia em que eles serão perseguidos pelo que hoje defendem!
Que tratem, pois, os conservadores, de cuidar de suas famílias segundo a fórmula que melhor lhes aprouver, sem se importar como outras pessoas, mesmo os homosexuais, decidem suas vidas; A cada um é dado, por Deus e pela lei, o livre-arbítrio! A chance de uma criança adotada em meio a homosexuais sofrer violências ou mesmo influências desajustadoras não é lá muito diferente das crianças que vivem em lares aparentemente convencionais, mas atormentados pelas vicissitudes da vida, como desemprego, alcoolismo, pais ignorantes e violentos, etc.
O que temos todos nós, cidadãos brasileiros, optantes por qualquer opção sexual, moral ou religiosa, é cuidar para que o Estado não nos confisque o direito de decidirmos nossos caminhos; qualquer avanço neste sentido somente deve merecer, de todos os segmentos, o repúdio expresso.
* Inspirado no artigo “Don't Let Government Define Marriage (Or Optimal Child-Rearing Environments)” , de Gardner Goldsmith. (http://www.mises.org/story/2209) .

terça-feira, 12 de setembro de 2006

Substituição Tributária Progressiva - O que é isto?

Por Klauber Cristofen Pires

Publicações: DiegoCasagrande.com.br, Parlata, Manaus online.com, OEstadual.com, Blogs Coligados , Causa Liberal.
Introdução

A Substituição Tributária Progressiva, ou, também, “por antecipação” ou “para frente”, (aqui, doravante, “STP”) consiste no regime de tributação caracterizado pela determinação, por lei, de uma pessoa que será responsável pelo pagamento do imposto de terceiros (“substituídos”) que se encontram na continuação da cadeia econômica, isto é, cujos fatos geradores devam ocorrer posteriormente.
Este método tem gozado de grande valia entre os entes tributantes, em especial os estaduais, vez que, pela sua engenhosidade, proporciona um máximo de arrecadação, combate de forma eficaz a sonegação e “last, but not least”, requer um mínimo de esforço operacional por parte dos órgãos fiscalizadores, dado que concentra a atividade fiscal, antes espalhada por uma constelação de sujeitos passivos, em poucos, senão apenas um contribuinte. Não por acaso, pois, que a defendam com veemência.

A STP sofreu muitos questionamentos quanto à constitucionalidade, mesmo após a edição da Emenda Complementar 03/93, que a regulamentou, sob alegação de infração aos direitos individuais e aos princípios constitucionais fundamentais, bem como sobre a questão da restituição do tributo, de modo a propiciar a devolução (ou o direito de registrar como crédito) a diferença entre o apurado segundo o regime e o método de aferição mensal.

O julgamento da ADIN nº 1.851-4/AL, em 2002, solucionou a questão, com força erga omnes (para todos os cidadãos) e efeito vinculante (todos os tribunais deverão adotar este posicionamento), no sentido da declaração de constitucionalidade da Emenda 03/1993 e da LC 87/96, assim como da solução de controvérsia acerca da restituição, julgada devida somente em caso de fato gerador não realizado, eliminando do mundo jurídico, por conseguinte, a resultante de diferença de apuração entre a base de cálculo presumida e a tradicional.

Para melhor compreensão, a expressão “fato gerador” é usada para definir um fato previsto em lei que, se acontecer, gera a obrigação de pagamento do tributo. Assim, por exemplo, o fato gerador do IPVA é a aquisição de um veículo, pois o IPVA incide sobre a propriedade deste. Um fenômeno importante para a compreensão do fato gerador é que este tem o condão de denunciar um indício de aumento de riqueza, ou de capacidade contributiva, como se pôde verificar no exemplo dado.

História

A STP nasceu há cerca de quarenta anos, tendo sido previsto no texto original do Código Tributário Nacional (CTN), em seu artigo 58, § 2º, II, que atribuía ao industrial ou comerciante atacadista a condição de responsável pelo imposto devido pelo comerciante varejista, mediante acréscimo de percentual, não maior que 30% ao preço da mercadoria, a ser estipulado por lei estadual. Em seqüência, após ter sido revogado em 1968, voltou à vigência em 1983, tendo sofrido posteriormente outras alterações procedimentais, até que, a 17/03/1993, veio a ganhar status constitucional com a edição da Emenda Complementar nº 03, com o detalhe da previsão de restituição do imposto, “caso não se realize o fato gerador presumido”. Todavia, por falta de regulamentação, sua aplicabilidade somente veio a se tornar viável a partir da edição da Lei Complementar nº 87/96.

Questionamentos quanto à Constitucionalidade

A alegação da ofensa ao princípio constitucional da estrita legalidade, assenta-se nos artigos 5º, II (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), e 150, I(veda à União, Estados, DF e municípios... “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”). Do que se entende que não deve existir a conseqüência de um fato jurídico sem a necessária – e anterior – ocorrência deste, e posteriormente a uma hipótese de incidência previamente estabelecida em lei. Aqui, devemos entender o “fato gerador”, como uma extensão do fenômeno “fato jurídico”. A ordem, pois, é lei-hipótese-fato-consequência, e não outra. A ordem dos fatores altera sobremaneira o produto, pelo que qualquer inversão resulta em corromper o sistema jurídico vigente, este mesmo que prevê garantias constitucionais tais como a do art. 5º, incisos XXXIV (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”) e XLVIII (“habeas corpus”);

Os defensores do regime alegam que desde o início de vigência do ICMS (1967), a substituição tributária foi adotada para certas categorias, tais como cigarros e bebidas, sendo que à época não houve qualquer contestação. Ainda, que diversos outros tributos são pagos anteriormente ao fato imponível respectivo, tais como o imposto de transmissão inter vivos (antes do registro imobiliário); o imposto de exportação (antes da saída da mercadoria do país); o imposto de renda das empresas (que normalmente é cobrado antes da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou proventos); as taxas de polícia (que são cobradas antes do exercício do poder de fiscalização), entre outros. Finalmente, alegam não ter havido falta de previsão legal, com a conseqüente inexistência de fato gerador, porque a responsabilidade do substituto foi imposta por lei e autorizada pela Constituição.

Todavia, parece difícil aceitar a tese de, porque em determinada época ninguém argüiu a inconstitucionalidade da substituição tributária progressiva, ela haveria de consolidar-se, para sempre, como legítima. Qualquer norma legal reveste-se do privilégio de presunção de legitimidade, e assim permanece no mundo jurídico, mas isto até que um dia alguém indague sobre sua validade, seja no plano teórico, a contribuir para o enriquecimento da doutrina, seja concretamente, por via do tribunal competente. Que ninguém até então tenha feito isto, é algo a se lamentar, mas, por si só, não invalida o exame de constitucionalidade.

A seguir, a tentativa de enumerar outros tributos, em que há cobrança antecipada à ocorrência do fato gerador, como forma de demonstrar precedentes, falha pelas gritantes disparidades: nos casos exemplificados, o lapso temporal é mínimo, às vezes de minutos, de tal forma que não há de se falar em agressão à capacidade contributiva, face à iminência da consumação do ato jurídico (o contribuinte já dispõe do numerário para fazer frente à despesa); além disso, não se trata de “presunção”, vez que o fato gerador será, óbvia e absolutamente, consumado, e a dimensão material do tributo (o quantum a pagar) é completamente conhecida.

Outro princípio constitucional questionado é o da isonomia jurídica, ou seja, aquele que dispõe que “todos os cidadãos são iguais perante a lei”. Aqui, é necessário ter uma certa compreensão de como evoluiu o instituto da substituição tributária, até que surgisse a STP. No início, a substituição tributária nasceu com a finalidade de o Estado encontrar pessoas civilmente capazes para serem responsáveis por outras que, embora contribuintes, não pudessem praticar atos jurídicos, por conta de uma limitação qualquer, idade ou doença, por exemplo.

Aqui, perceba-se, o responsável indicado pela lei guardava uma relação pessoal e direta, inequívoca, com aquele a quem se devia cobrar o imposto. A contrario sensu, a STP indicou determinadas pessoas como responsáveis, desprovidas de qualquer vínculo pessoal com os substituídos, unicamente com base na sua vontade (a de mais arrecadar), derivada do jus imperis estatal.

Cada qual deve guardar a responsabilidade e os deveres de cidadão por igual, sob pena de infração à isonomia jurídica. Portanto, atribuir a um cidadão deveres de responsabilidade por coisa tão séria que é o pagamento de tributo alheio consubstancia-se em promover-lhe injusto encargo, às custas de um conseqüente alívio para outros.

O filósofo Ph.D, sociólogo e economista alemão, Hans-Hermann Hoppe, ao tratar das “particularistic rules”, alerta para as conseqüências nefastas para as sociedades que as adotam, principalmente aquelas onde a sua prática é recorrente:

“...in order to be just, a rule must be a general one applicable to every single person in the same way. The rule cannot specify different rights or obligations for different categories of people (one for the red-headed, and one for the others, or one for women and a different one for men), as such a “particularistic” rule, could never, naturally, could never, not even in principle, de accepted as a fair rule by everyone”.[1]

Note-se como a expressão “particularistic rule” guarda um significado diferente do uso corrente, na língua portuguesa, de “lei casuísta”. Com efeito, muitas leis casuístas são também “particularistas”, mas não necessariamente. O casuísmo encontra-se na lei que desce a detalhes mínimos, enquanto o “particularismo” se encontra justamente na diferenciação entre direitos e obrigações conferidos a diferentes cidadãos, ou categorias de cidadãos, quebrando assim a regra de isonomia jurídica. Freqüentemente, contudo, ambos os fenômenos costumam andar juntos.
Destarte, não é somente o encargo de recolher o tributo que se acomete ao responsável, mas também, a tiracolo, o risco e as conseqüências, administrativas e mesmo penais, pela quais haverá de se sujeitar por conta de qualquer inobservância. Em uma terra onde se editam normas tributárias com a velocidade com que uma padaria faz novas fornadas, um mero descuido pode gerar indesejáveis surpresas.

Do ponto de vista do impacto econômico, emerge a questão da ofensa ao princípio da capacidade contributiva. Os defensores da STP alegam que o encargo do substituído será integralmente ressarcido pelo consumidor final. Isto pode não ser verdade, porque, o substituído vem a sofrer dois tipos de encargos, sobre os quais pode não haver, necessariamente, a repercussão econômica sobre o consumidor final: o primeiro, por ter de pagar por tributo antes de ter seu patrimônio aumentado por conta da ocorrência de seu fato gerador, já se evidenciando aqui, por definição, a agressão ao princípio da capacidade contributiva; o segundo, é de natureza financeira: enquanto o Estado locupleta-se com as vantagens financeiras do pagamento do imposto feito de forma antecipada, o substituído sofre o respectivo – e oposto – revés, deixando de se remunerar pela aplicação de seu dinheiro.

E pior se configura, se imaginarmos que o substituído possa vir a adquirir as mercadorias com capital financiado! Neste aspecto, não há como contestar, como fazem alguns defensores do regime, de que não se verifica um autêntico empréstimo compulsório, evidentemente, sem as garantias e condições previstas constitucionalmente, traduzindo-se em majoração disfarçada da carga tributária.

Um dos aspectos mais polêmicos da instituição da STP relaciona-se com o princípio previsto no art. 150, IV da CF/88, que proíbe a instituição de tributo “com efeito de confisco”. Já vimos aqui dois fatos que por si só já caracterizariam a prática de confisco: a cobrança do imposto antes do aumento do patrimônio do substituído, isto é, sem a ocorrência do “fato gerador”; e a vantagem do adiantamento dos ganhos financeiros sobre a propriedade que, de outra forma, permaneceria nas mãos do substituído. Todavia, periclitante é a possibilidade de o Fisco, podendo arbitrar valores unilateralmente, superestimar a sua pauta de preços, receio que veio a ser publicamente denunciado por eloqüente pronunciamento do Sr. Ministro Presidente Marco Aurélio de Mello (voto vencido), na ADIn nº 1.851-4/AL:

[...] para mim, é muito sintomático que os Estados queiram manter um preceito que veda, inclusive, a diferença de tributo, que veda a possibilidade de eles próprios buscarem diferenças não no campo da simples presunção – presunção que, segundo o vernáculo, tem-se como temporária -, mas no da realidade. Isto porque há parâmetros ditados unilateralmente. Porque dificilmente teremos uma hipótese em que o valor presumido ficará aquém daquele resultante do fato gerador. Assusta-me, sobremaneira, o enriquecimento sem causa, considerado este embate contribuinte - Estado.[2]

Sobre a ofensa ao direito de Propriedade, além do que se mais se expôs neste singelo artigo, propomos a reflexão sobre a prerrogativa que tem o ente tributante ao fixar, com ânimo de definitividade, qual será a margem de lucro do comerciante. Ora, se alguém que não justamente o proprietário da mercadoria pode determinar a margem de lucro com que vai operar, então a sua propriedade, em parte, já não lhe pertence.

Em comentário final sobre a ofensa aos princípios constitucionais de garantia dos direitos individuais, propõe-se aqui também uma percorrida sobre o § 1º do art. 145 da CF, que assim dispõe: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte,...”.

Da expressão “sempre que possível”, a constituir um verdadeiro poder-dever, entende-se da necessidade de sua observância, sobremaneira com relação a imposto plurifásico, como o ICMS que, já tendo sido configurado segundo método que proporcione melhor relação pessoal com o contribuinte, sofre a inovação que o afasta do preceito constitucional acima descrito, suscitando a argüição de inconstitucionalidade, face ao flagrante menosprezo por garantia de direito individual consagrado na Constituição.

Não é menosprezável que, ao atribuir a terceiro sujeito passivo a condição de responsável, dilua-se o conceito de caráter pessoal do imposto em comento, vez que, conforme se pretende, isto é, conforme até julgado pelo STF, na ADIN 1.851-04/AL, uma vez entendido que a cobrança antecipada presumida enquadra-se como definitiva, perde o fisco qualquer interesse na manutenção de sua relação com o substituído.

Uma Análise Lógico-Epistemológica

Sobre a Presunção

Em Direito, temos a presunção juris tantum quando, impossibilitados de vermos com os nossos próprios olhos, nos permitimos deduzir uma dada situação de fato com base em indícios razoáveis. Quando, no entanto, inferimos que determinada situação de fato realmente aconteceu, pela análise de indícios veementes e que, juntos, conduzem a um só resultado, a esta forma de presunção chamamo-la de juris et juris.

Observe-se como, até então os conceitos jurídicos tradicionais de presunção se caracterizam pelo exercício da dedução de uma situação de fato que já ocorreu! Com relação à STP, contudo, opera-se situação diversa, pois se deduz sobre fato que ainda não aconteceu, inaugurando-se assim, um caso bizarro de uma “presunção relativa absoluta”, que já não será nem mais uma presunção, porque lhe faltem os atributos de provisoriedade e precariedade, mas também não será sequer a prova de um fato, porque decretado que suas feições serão outras!

Sobre a Definição do Sujeito Passivo

Uma dificuldade atroz na formulação do regime de substituição tributária progressiva tem sido a da definição do sujeito passivo. Em uma corrente, antes minoritária, mas até que, ao final, vencedora, por força da jurisprudência advinda da julgada ADIn 1.851-4/AL, atribuía-se ao substituto, somente, a relação Fisco-contribuinte, colocando, portanto, o substituto na condição de contribuinte, segundo o conceito previsto no CTN, no art. 121, I.

Considerando o problema apenas pelo lado teórico, já que, em concreto, resta irrecorrível, para a elucidação do caso é necessário definir de qual fato gerador se fala.

Sobre o Conceito de Fato Gerador

Segundo o entendimento do Senhor Ministro Ilmar Galvão:

"Aliás, a LC nº 87/96 não apenas definiu o modo de apuração da base de cálculo na substituição tributária progressiva, mas também o aspecto temporal do fato gerador presumido, consubstanciado, obviamente, na saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não havendo cogitar, pois, de outro momento, no futuro, para configuração do elemento. A providência não é de causar espécie, porquanto, na conformidade com o disposto no art. 114 do CTN, fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência." [3]

Do acima transcrito, forçoso é reconhecer que o substituto reveste-se da condição de contribuinte de jure original, por força de fato gerador que não é mais o que acontecerá no futuro, mas o seu próprio, aqui denominado de “fato gerador presumido”, ingressando desta forma como figura autônoma no mundo jurídico.

Com o máximo respeito, a divergência merece atenção, por advir de razões oriundas de um exame lógico do mandamento contido no § 7º do art. 150 da CF/88, que, para conforto, o transcrevemos: “A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Decerto, tomou o ministro a expressão “fato gerador presumido” ao pé da letra, como a inauguração de um novo conceito no Direito Tributário. No entanto, o exame do artigo demonstra que, por infelicidade na redação do texto constitucional, na verdade o constituinte derivado quis dizer: “o fato gerador que se presume”. Isto, em parte para se evitar a abundância que empobreceria o texto, mas sobretudo porque o mandamento constitucional já enquadra expressamente o substituto na condição de “responsável”; ora, ninguém é contribuinte e responsável ao mesmo tempo. Ao assegurar “a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”, a Carta Magna está a ordenar a restituição ao substituído, e não ao substituto, vez que ele já se ressarciu, por conta da repercussão econômica que se opera por sobre a operação mercantil. Ora, se “fato gerador presumido” é uma espécie autônoma de fato gerador, então ele sempre se realiza, desde que o substituto entregue a mercadoria ao substituído. Logicamente, se a CF fala em fato gerador presumido que não se realize, está a se referir ao fato gerador do substituído, que, apesar de presumido, não se realizou. Donde se demonstra que inexiste a figura de “fato gerador presumido” como figura autônoma.

Sobre a Constituição do Crédito Tributário

Como se percebe, o substituído permanece na condição de contribuinte de jure, original. Jamais tratou a Constituição Federal, por conta de seu § 7º do art. 150, de desconsiderar a existência do fato gerador que “deva ocorrer posteriormente” e olvidar a figura de quem lhe dará causa.
Conseqüentemente, perde-se o sentido de definitividade consubstanciado em interpretação, ao que parece, equivocada, sobre a previsão de base de cálculo para entrega aos cofres públicos, feita com base em estimativa, ainda que prevista por lei.

Em comparação idêntica, não há de se falar que o empregador é contribuinte do IRPF de seus empregados. Ele é somente o “responsável”. Da mesma forma, como no instituto da substituição tributária passiva, também há, no IRPF, a previsão legal de uma base de cálculo para recolhimento, que não será por esta razão definitiva, mas sempre provisória, haja vista que o verdadeiro contribuinte, qual seja, o empregado, haverá de fazer a declaração de ajuste em momento legalmente oportuno, sobrando-lhe um de três resultados possíveis: a coincidência com saldo zero, o imposto a pagar, e o imposto a restituir.

Uma vez que a alegação de definitividade do tributo é a coluna mestra do argumento apresentado pelos que reprovam o dever de restituição por diferença de apuração entre a base de cálculo presumida e a efetiva, e como aqui se demonstra, pelo encadeamento do raciocínio lógico, que se apresenta como falaciosa, forçoso concluir pela necessidade de haver um ajuste a posteriori, com possibilidade de haver imposto a restituir ou até mesmo, se for o caso, a pagar.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.851-04/AL

O STF, por unanimidade, conheceu da ação e por maioria (vencidos os Senhores Ministros Carlos Veloso, Celso de Mello e o Presidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio), julgou improcedente o pedido formulado na inicial e declarou a constitucionalidade da Cláusula Segunda do Convênio ICMS nº 13, de 21 de março de 1997.

Dos argumentos formulados pelos senhores ministros, a maior parte já foi comentada neste artigo. Todavia, de uma forma geral, parece os aspectos jurídicos pesaram menos do que os aspectos práticos, sobretudo com relação à questão da viabilidade, praticidade e a economicidade que o regime proporcionaria ao Estado, argumentos que foram determinantes para a corrente vencedora.

A despeito do zelo devotado à causa da viabilidade do instituto, sem uma percorrida mais profunda em procurar antever as conseqüências que adviriam em caso do acolhimento da tese da procedência da ação, é digno de nota que não ficaria prejudicado o Fisco pelo problema do combate à sonegação, vez que praticamente a totalidade do imposto seria retida logo no início da cadeia econômica, e com a vantagem do recebimento antecipado, o que significa, sem dúvida, um plus financeiro considerável.

Ademais, com recorrência, neste país, costuma-se tomar o conceito de “sociedade” pelo de “estado”, consagrando o bem público como sendo o bem do “estado”. O Estado é uma entidade dotada de personalidade jurídica própria e diversa das dos membros que compõem a sociedade, e existe para cumprir determinados fins, aliás, muitas vezes diferentes dos que os cidadãos planejam para si mesmos, quando não, às vezes, absolutamente antagônicos.

Portanto, não se pode atribuir senão irrefletida pressa ao argumento tomado como verdade sabida de que algo que seja bom, por prático ou econômico, para o Estado, o seja também, e necessariamente, para a sociedade. Uma alegada economia do Estado proveniente da diminuição dos seus custos de fiscalização deveria ser confrontada com os respectivos gastos da sociedade (no caso, mais especificamente, as empresas), na contra-parte que lhe cabe, devendo ambas as expressões de valor serem estimadas por processos estatísticos razoavelmente confiáveis; assim, seria realmente econômica, e traduziria um benefício à busca da prosperidade do país, a medida cuja economia por parte do Estado fosse maior do que o gasto empreendido pelos particulares para cumprir as exigências nele previstas, bem como pelos prejuízos econômicos que sofreriam; do lado oposto, seria contraproducente, e tendente a provocar o empobrecimento da nação, se fosse verificado o contrário.

Outra conseqüência digna de nota é a de, na hipótese de o regime se expandir para expressiva parte das atividades econômicas, inaugurar-se-á um retorno à indesejável estatização dos preços, visto que, em face da tributação prefixada, seu peso relativo na composição do preço final do produto tender a aumentar. Tornaria frágil o princípio da livre concorrência, com prejuízo aos consumidores e sugerindo tendências de servir como fonte de aumento da inflação.
A entrada no mundo jurídico do instituto da STP, tal como enfim se estabeleceu por conta da Emenda Complementar nº 03/93, bem como pelas feições finais que lhe deu o julgamento da ADIn 1.851-4/AL pode ter afetado sobremaneira todo o edifício do sistema tributário constitucional e legal, revogando ou enfraquecendo diversos conceitos basilares, principalmente o de fato gerador.

[1] “Para ser justa, uma norma deve ser geral, aplicável a cada pessoa de per se, e da mesma forma. A norma não deve especificar diferentes direitos ou obrigações para diferentes categorias de pessoas, (uma para os cabeças-vermelhas, e uma para as outras, ou uma para as mulheres e outra diferente para os homens), pois uma tal norma particularista jamais poderia, nem mesmo em princípio, ser aceita como boa por todos.” (HOPE, Hans-Hermann. A Theory of Socialism and Capitalism: economics, politics, and ethics; Kluwer Academic Publishers, Second Printing, Massachusetts, 1990, p. 5. tradução nossa.)

[2] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. ADI 18.851-4/AL. Brasília, 08 de maio de 2002. Voto do Presidente. p.01. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?classe=ADI&processo=1851&origem=IT&cod_classe=504 . Acesso em 17/07/2006.

[3] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. ADI 18.851-4/AL. Brasília, 08 de maio de 2002. Voto do Relator. p.19. Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/IT/frame.asp?classe=ADI&processo=1851&origem=IT&cod_classe=504 . Acesso em 17/07/2006.

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

Vereadores Federais

Por Klauber Cristofen Pires

Das propostas dos candidatos a cargos públicos, legislativos ou executivos, que venho acompanhando desde há uma década, e afora aquela bobagem de “mais saúde e educação”, dita assim, em termos genéricos, sempre pronunciada sob chavão, a que mais tem se destacado é a da capacidade de angariar recursos. Todos, sem exceção, hoje, disputam o eleitor dizendo-se “campeões” de recursos para o seus Estados. Todos mesmo: candidatos a deputados estaduais, federais, prefeitos e governadores.

Esta é a tônica dos dias de hoje. Mesmo no caso dos candidatos a governador, este é o carro chefe – no caso deles, a alegação reside no fato de pertencerem ao partido ou à coligação do presidente da República. No Rio, já assisti à campanha televisiva da candidata Benedita da Silva, ao cargo de senadora, em que ela, inclusive, ensinava ao seu público-alvo que a missão de um senador é a de “trazer recursos para o seu Estado”...

O fato é que ninguém mais pensa em administrar e governar, ou fazer leis para os seus eleitores: viraram todos o que se pode chamar de “vereadores federais”. Isto porque, ora bolas, quem deveria passar seu mandato buscando recursos para obras seriam os vereadores.
Mas, qual seria a causa de tal deturpação das funções públicas? Isto talvez possa ser compreendido se nos estendermos um pouco mais...

Recentemente, tem sido veiculada uma campanha promovida pelo poder judiciário legislativo, cujo mote é um cenário onde um professor cobra de seus alunos que se lembrem em quem votaram. A propaganda me pegou em cheio. Eu não me lembro de nenhum. Só me lembro - e olhe lá – de quem votei para cargos executivos. Para falar a verdade, lembrar ou não, para mim, faria pouca diferença. Quando votei, nem sequer sabia quem eram.

Antes que queiram pegar no meu pé pela minha explícita demonstração de anti-civismo, o que desejo aqui salientar é o seguinte: nosso sistema de democracia está viciado; a representatividade dos detentores de cargos públicos é nula!

Afinal, sejamos francos: votar em vereadores, deputados estaduais e federais, prefeitos e governadores, para quê?

Que fará um vereador, além de leis de proibição de fumar e nomes de ruas? Que fará um deputado estadual, além de elaborar leis idênticas às leis federais, justamente porque estas ordenaram? Sobrou o deputado federal, mas, o que este pode fazer, se o executivo legisla por medidas provisórias e utiliza seu poder (justamente, ora o quê, detém os “recursos”!) para submeterem os parlamentares? Isto, se não apela para o mensalão...

Que fará um prefeito, se apenas 5% de seu orçamento vem de tributos municipais? O resto, para quem não sabe, tem origem no Fundo de Participação dos Municípios ou na transferência de recursos voluntários da União. Portanto, tudo o que faz um prefeito é aplicar os recursos federais segundo políticas, diretrizes e legislações federais. Estes recursos são auditados por órgãos de controle federais (Controladoria Geral da União e Tribunal de Contas da União). Na prática, o prefeito não é mais do que um funcionário público federal, com a única diferença de ter sido colocado no cargo por meio do voto.

Da mesma forma, acontece com o governador. Seus impostos são definidos pelo Senado Federal e pelo Confaz, uma absurda entidade criada para centralizar o que era para ser descentralizado. A União, por meio das Contribuições Federais, foi gradativamente aumentado sua participação no bolo tributário, de modo que hoje goza de cerca de setenta por cento de tudo o que se arrecada neste país.

Para piorar, também o Estado depende do Fundo de Participação dos Estados e das Transferências da União. Desta forma, prefeitos e governadores, se quiserem “ver algum” pingando em seus municípios ou estados, têm de se submeter à União, porque senão os critérios para distribuição ou alocação destes recursos “podem variar”, de modo a privilegiar os entes representados por correligionários ou aliados.

Os Estados não gozam de praticamente nenhuma competência legislativa; praticamente todas já foram pré-definidas para serem privativas da União, na própria Constituição Federal. Ironicamente, em nossa carta magna, o parágrafo primeiro do art 25 dispõe que “são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição”. Palhaçada: fizeram isto para copiar a constituição norte-americana. Só que lá, a constituição deles reservou umas poucas competências para a União, e consagrou a maior parte – tudo o mais que houvesse ou que viesse a aparecer – para os Estados, enquanto que na Carta cabocla, a União reservou já de antemão quase tudo para si, tendo em seguida enumerado as competências dos municípios, e ao fim, para os Estados, praticamente nada restou.

Resumo da Ópera: de nada adianta votar! Depois de eleito, o político simplesmente extingue sua relação política com o eleitor. Ele não pode fazer leis que nos interessem, pois “federação”, no Brasil, é apenas um nome bonito. Ele não pode cortar impostos porque a lei de responsabilidade fiscal não permite. Ele não pode desenvolver políticas ou planos de obras próprios porque os recursos são da União, esta sim que decide como usá-los. E nós nem sequer podemos cobrar algo deles, porque não temos recursos para tirá-los de onde estão e substituí-los por outros.No fim das contas, o político brasileiro não tem mais nada a fazer se não exercitar a sua capacidade de ser um bom “pedinte” de recursos junto à União. Só.