quarta-feira, 5 de abril de 2006

Tarifas Públicas: Saiba um Pouco Mais!

Por Klauber Cristofen Pires
Publicações:
Parlata, em 05/04/2006.

Desde há alguns meses, a Rede-Celpa, a concessionária de distribuição de energia elétrica no estado do Pará, vem veiculando nos meios televisivos que a conta da fatura agora vem com detalhamentos. A Rede-Celpa originou-se da privatização da então empresa estatal “Centrais Elétricas do Pará”, motivo pelo qual ela é tida como o alvo preferencial das críticas dos candidatos e partidos de esquerda. Dificilmente um político desta corrente se esquece de fazer alguma alusão a esta empresa, para atacar a questão da privatização e de seus alegados malefícios que se sucederam (dentre estes, o de que as tarifas subiram demasiadamente). Freqüentemente, movimentos sociais aglomeram-se em frente aos portões da sua sede administrativa para promoverem manifestações infladas por muitos decibéis.

Talvez por imaginar tratar-se de uma estratégia da empresa com a finalidade de demonstrar que parte significativa do valor da fatura deve-se à carga tributária e a encargos específicos, e assim melhorar sua imagem junto ao público, eu pensava que esta teria sido uma iniciativa do próprio grupo empresarial. A propaganda na TV dá a entender que seja assim. Só recentemente vim a constatar que se tratava de uma determinação da Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel.

Há algo como dez anos atrás, houve um caso de grande repercussão em Belém. Um cidadão entrou na justiça, contestando a fórmula usada para a cobrança dos tributos incidentes sobre a fatura de energia elétrica. Pelo que sei, o requerente perdeu a causa. Fazendo um aparte à questão da sentença, a verdade é que sempre foi muito difícil a uma pessoa leiga poder aferir o que de fato paga pelo fornecimento de energia e pelos tributos e encargos. Lembro-me que o episódio havia me incentivado a conferir uma conta, mas, por mais que tentasse, nenhum resultado batia.

Esta situação veio a melhorar com a determinação da Aneel de especificar os elementos da fatura; contudo, ainda há detalhes que escapam ao conhecimento do público; Na fatura de Rede-Celpa (01), PIS, COFINS, CIP e Encargos Setoriais são apresentados apenas pelo valor destacado; somente em relação ao ICMS há a discriminação da base de cálculo e da alíquota. Mesmo assim, ainda há outros detalhes, geralmente desconhecidos dos cidadãos, que precisam ser esclarecidos.

O primeiro deles está relacionado à cobrança de ICMS. No estado do Pará, as alíquotas são, respectivamente, 25% e 30%, para luz e telefonia. Como se pode notar, são notavelmente mais altas do que as demais alíquotas praticadas em mercadorias comuns do comércio. E é um escândalo que, ao arrepio do disposto no inciso III do § 2º do artigo 155 da Carta Magna, o Estado do Pará, assim como, presumivelmente, todos os demais Estados, imponha os maiores encargos sobre justamente os serviços mais essenciais. O dispositivo constitucional adiante segue reproduzido, para conforto:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
..........................
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
.........................
§ 2º O imposto previsto no
inciso II atenderá ao seguinte:
........................
III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;


Segundo significativa corrente de juristas do Direito Tributário, o termo “poderá”, utilizado no inciso III do parágrafo segundo do art. 155, guarda o status de um poder-dever. Em termos mais simples, os Estados devem aplicar a cláusula constitucional com o efeito de efetivamente cobrar mais dos produtos considerados mais supérfluos, como meio de amenizar o gravame sobre os itens tidos como mais básicos e indispensáveis.

Todavia, não é isto o que acontece. Para a satisfação do interesse de arrecadar, os governos estaduais simplesmente desprezam a Constituição Federal, para fazer prevalecer unicamente o critério da vantagem proporcionada por um universo especialmente limitado de empresas responsáveis pelos recolhimentos. Não vejo como não acusar a imoralidade deste procedimento, a não ser que energia elétrica e telefonia, justamente porque sempre foram considerados serviços públicos, escapem ao meu conceito de serviços essenciais.

Mas, sobre o que de imoralidade há de se falar, ultrapassa bastante o já exposto; se você considera como altas as alíquotas de ICMS de 25% a 30%, prepare-se: de uma forma bastante esperta, a fórmula de cálculo é feita aplicando-se a alíquota, segundo o jargão corrente, “por dentro”. Esta forma não convencional de se aplicar um percentual gera o maravilhoso efeito de iludir o contribuinte, fazendo-o pagar bem mais do que imagina, ao contemplar a alíquota nominal.

A título de ilustração, veja o exemplo: considerado um produto cujo valor seja R$ 100,00, ao aplicar um percentual sobre ele de, digamos, 30%, teríamos um preço final (produto + imposto) de R$ 130,00 (R$ 100,00 X 0,3). O IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) é cobrado desta forma. Com o ICMS é diferente, porque o percentual é aplicado na forma de um desconto sobre o preço final. Desta forma, para um produto de R$ 100,00, é necessário cobrar um preço final de aproximadamente R$ 143,00, o que resulta em um pagamento de imposto de cerca de R$ 43,00, donde se conclui que a alíquota real é, na verdade, 43%! (R$ 100,00 / 1 - 0,3 = R$ 43,00 ou R$ 143,00 X 30% = R$ 43,00 (2)).

Mas isto não é tudo! Ainda há de se pagar por PIS e COFINS, e aqui, nova “pegadinha” ao contribuinte: não bastassem as alíquotas de 0,65% e 3%, respectivamente, serem cobradas da mesma forma que o ICMS, soma-se o fato de que estes tributos são cumulativos, isto é, são cobrados levando-se em conta toda a cadeia produtiva, o que resulta bem mais do que 3,65%, mesmo considerados nominalmente. Atenção: nem tente usar a sua calculadora. Atualmente, é a Aneel, a Agência Nacional de Energia Elétrica, quem define mensalmente as alíquotas a serem aplicadas. Em março de 2006, foi determinada a cobrança de 7,08 % (3) (nominal, repita-se) sobre o preço final da sua fatura, excluída somente a CIP (Contribuição de Iluminação Pública). Considerado o caso da energia elétrica, teremos então uma soma de tributos que, juntos, perfazem 32,08% (25% + 7,08%), o que significa uma cobrança real de 47,23%!
Já houve quem me argumentasse, por exemplo, que a forma de cobrança do ICMS, é apenas uma convenção, um mero detalhe técnico do imposto. Ora, mas pensem bem: qual o governante que se sentiria à vontade para cobrar 43% de imposto, quando pode receber o valor correspondente, por meio de um ardil que lhe permite argüir que cobra “apenas” 30%? A forma de aplicação da alíquota do ICMS não segue os padrões normais de um cálculo racional, e isto se demonstra na hora do trabalho de compor o preço final ao consumidor, pois é a partir do valor do produto que, ao ser aplicada sobre ele a alíquota, se chega ao preço final, e não o contrário.

Fazendo agora um passeio pela conta de telefonia, valem os mesmos comentários para o caso do ICMS, mas aqui, pode-se constatar, sem exagero, um ato digno de um prestidigitador! No campo de texto, o consumidor poderá verificar uma frase com mais ou menos os seguintes dizeres: “Contribuições: para o FUST (1%) e FUNTEL (0,5%) do valor dos serviços, não repassados às tarifas”.

A não ser que exista alguma empresa que viva de doações ou repasses de verbas estatais, a sua fonte de renda haverá de vir unicamente de sua clientela, razão de sua existência. Ora, se os clientes é que patrocinam a prestação dos serviços, pois, de outra forma, a empresa deixaria de existir, é de uma obviedade atroz concluir que são eles, afinal, que pagam estas contribuições. Não obstante, a sentença assume mais ainda as características de uma vileza cínica quando lembramos que as concessões de serviços públicos são regidas não por cláusulas do Direito Comercial, mas do Direito Administrativo. E deste, emerge uma regra de ouro, que diz respeito à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessionária. É por meio deste dispositivo, que se tornou conhecido dos brasileiros na época da crise de energia no último mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, que as concessionárias se vêem autorizadas a solicitar o aumento das tarifas, caso venham a demonstrar terem sofrido prejuízo. O povo aprendeu bem a lição: “lucros privados, prejuízos socializados”.

Não julgue a si mesmo o leitor desacostumado à matéria com excessivo rigor: por muitas vezes comentei este assunto com profissionais da área tributária e deles constatei o mesmo desconhecimento. E é calcado justamente neste fato que denuncio tais práticas, a meu ver, desonestas, do Estado para com o cidadão. Ora, se mesmo as pessoas que se dedicam mais intimamente à matéria, desconhecem ou sentem dificuldade em interpretar estes malabarismos tributários, então é o caso de se perguntar se a legislação que lhes dá vida não tem sido erigida com segundas intenções.

Meu principal objetivo aqui foi demonstrar o quanto ainda nossos tributos carecem de transparência, racionalidade e economicidade. A rigor, entendo que os tributos deveriam – sempre – serem cobrados à parte, assim como acontece nos Estados Unidos. Não vejo como viável ou idônea a iniciação de um programa de educação fiscal, como desejam as administrações tributárias dos diversos entes federados, e da própria União, sem que antes estejam aparadas tais arestas.

(1) Fatura de março/2006.
(2) Valores arredondados - desprezados os centavos.
(3) Tabela e cálculo do PIS/PASEP e COFINS: Legislados pelo
Ministério da Fazenda, estes tributos federais estavam embutidos na tarifa de energia elétrica e tinham alíquotas fixas (PIS 0,65% e COFINS 3,00%) e eram reajustadas juntamente com o reajuste das tarifas. A Nota Técnica nº 115/2005 de 18/4/05 da Aneel, homologada pela Resolução Homologatória nº 227 de 18/10/05 – "Tarifas de Fornecimento de Energia Elétrica Aplicáveis a Consumidores Finais", alterou a sistemática de repasse do PIS/PASEP e COFINS ao consumidor de energia elétrica, determinando a exclusão dos mencionados tributos da tarifa, de maneira que as empresas de distribuição devem calcular a alíquota e cobrá-la, demonstrando separadamente na conta de energia elétrica do consumidor. Essa alíquota sempre foi paga pelos clientes. Tratam-se de tributos que sempre foram cobrados pelo Governo integrando a tarifa de cada Concessionária. Agora, a diferença é que devem ser cobrados e discriminados os valores na conta de energia, os quais poderão sofrer, mensalmente, pequenas variações.Tabela da alíquota mensal do PIS/PASEP e COFINS


Fonte: http://www.bandeirante.com.br/default.asp?Sec=16&SubSec=37 (site da empresa concessionária Bandeirante Energias do Brasil, em 05 de abril de 2006).

Klauber Cristofen Pires é Técnico da Receita Federal, “especializando” em Direito Tributário, e membro do Instituto Federalista.