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sexta-feira, 30 de março de 2007

Que Vergonha!




Por Klauber Cristofen Pires


O governo do Estado do Pará recentemente editou, por meio do Decreto 61, de 14 de março de 2007, assinado pela governadora Ana Júlia (PT), a proibição da comercialização e a movimentação interestadual do pescado in natura, fresco e resfriado, entre os dias 19 de março e 06 de abril, com o objetivo de “minimizar os problemas de abastecimento do pescado no período que antecede a Semana Santa e garantir o peixe na mesa dos paraenses no período.”, segundo a Coordenadoria de Comunicação Social do Governo do EStado, acessável no site do governo do Estado do Pará, no endereço eletrônico http://www.pa.gov.br/noticias2007/03_2007/16_02.asp, extraído aqui no dia 30/03/2007.

Ainda, segundo o site, “Para cumprimento do decreto, publicado no Diário Oficial do Estado de quinta-feira, 15, o governo do Estado vai montar uma Força Tarefa de Fiscalização, nos postos de fronteira e nos entrepostos de embarque fluvial de pescado para exportação. A operação foi detalhada pela secretária de Pesca e Aquicultura, Socorro Pena, durante a reunião. "É a primeira vez que o governo do Estado chama para si a responsabilidade de coordenar esse trabalho. Pretendemos não só garantir o peixe para a população como também um produto mais barato", disse.

Como cidadão paraense, ainda que “adotado” (sou catarinense de nascimento), não posso deixar de manifestar a vergonha que sinto diante de tal atitude, tribal e bárbara. A proibição de comercialização de pescado, por ocasião da Semana Santa, já havia sendo praticada por governos anteriores ao atual, mas jamais havia sido alvo de campanha política, com ampla divulgação por meio de cartazes espalhados pela cidade, e propagandas radiofônicas e televisivas. Se antes assim se fazia com um certo cheiro de fazer o errado, mas assumido como um mal vá lá, “necessário”, agora a postura é assumida como moralmente correta e decente, a ponto de virar bandeira, a bandeira da “Soberania Alimentar”, como esta gente costuma dizer.

A Igreja Católica já havia se posicionado anteriormente à edição da lei, autorizando seus fiéis a consumir carne bovina, em função da alta de preços do pescado esperada em função do aumento da demanda por ocasião da Semana Santa. Particularmente, eu entendo que é uma decisão errada. A Sexta-feira santa é apenas um dia em todo o ano que se pede um pequeno sacrifício, que é muito leve, qual seja, o de não comer carne. Não é como com outras religiões que, com todo o respeito e sem nenhum questionamento quanto ao mérito de tais dogmas, solicitam de seus fiéis o jejum. Lembro-me que quando criança era comum prepararmos o que no Sul se chama de canjica, o equivalente, aqui no Norte, ao mingau de milho. Era um dia até mesmo divertido, pois se fazia uma coisa diferente.

Sob o aspecto cristão, o decreto paraense vai totalmente contra o espírito da Sexta-feira Santa e da Páscoa, que era justamente o de dividir o alimento, e também vai contra o princípio republicano da Federação, ao proibir o comércio e o trânsito de mercadorias interestadual.

É importantíssimo lembrar que todo o Norte do país é dependente de alimentos produzidos em outras regiões, principalmente cereais, frutas e verduras e enlatados. Por ocasião do Círio de Nazaré, os grandes frigoríficos do Sul do país prestam especial atenção ao mercado paraense, ao oferecerem patos para o famoso “pato no tucupi”, barateando em muito a aquisição desta ave, e no Natal também somos aqui fornecidos com peru, porco e bacalhau, todos os itens importados.

Parentes e conhecidos costumam me dizer como era a vida aqui no norte há apenas quarenta anos atrás: a dieta era satisfeita com farinha de mandioca, açaí, peixe e algumas frutas da região. Com exceção da farinha de mandioca e do açaí, todos os outros itens restantes eram de difícil aquisição, dado que eram produtos de extrativismo e as condições logísticas da época dificultavam a comercialização. Um tio de minha esposa, hoje com 91 anos, lembra quando morava em Macapá e como médico, recebia de missionários americanos alimentos enlatados, que ele fazia questão de compartilhar com seus empregados e pacientes, geralmente gente sem recursos. Imaginem se hoje os Estados decidem praticar a reciprocidade!

Portanto, é com manifesto pesar que comunico a todos os outros brasileiros a vergonha que tenho no momento, não a de ser um cidadão paraense, pois que esta terra tem me proporcionado muitas alegrias, mas o do equívoco que nossas autoridades cometem em nome de um populismo anti-brasileiro, anti-comercial, intervencionista e sobretudo, anti-cristão, e diga-se ainda: Não em meu nome!

quinta-feira, 29 de março de 2007

O Caso Marcela e Coisas como o Cinto de Segurança


Por Klauber Cristofen Pires

Meu pai costuma proclamar um ditado sobre o pensamento comunista: “Se há 9 chapéus e 10 cabeças, cortam a cabeça!”. Creio que nenhuma outra frase que tenho ouvido sobre o pensamento marxista tenha sido tão curta e certeira.

O caso da menina com problemas no cérebro, cujo drama se fez famoso pelo infeliz comentário de uma advogada que, segundo notícia veiculada pela Folha de São Paulo, de 22/03/2007, indagara "Todos os recursos que estão sendo utilizados para manter este tronco cerebral funcionando são uma imoralidade diante da falta de UTIs neonatal,... ", é o corolário do dito popular evocado acima.

Eu já havia ouvido algo assim há algum tempo atrás, se não me engano, em um noticiário da TV apresentado pelo jornalista do Boris Casoy, quando transmitiu os comentários de um médico de Porto Alegre que questionava, mais ou menos nos termos que agora formulo livremente, o porquê de ter de manter aidéticos vivos quando os recursos do Estado poderiam ser usados para o atendimento de outras pessoas. Como não poderia deixar de ser, ele disparou sua frase famosa: “isto é uma vergonha!”

Certa vez eu lera um artigo muito interessante, sobre a questão da obrigatoriedade do cinto de segurança. O seu autor, ao meu ver, brilhantemente, questionava esta febre do Estado em obrigar os cidadãos ao uso do cinto, e um dos principais argumentos era, coisa que até então eu jamais havia pensado, talvez por ser tão óbvio, que o fato de usá-lo ou não de forma alguma contribui para a redução de acidentes! Então, imaginemos, tantas coisas que há no trânsito de nossas cidades e estradas que o Estado deveria realmente se preocupar, muito antes de pensar em encher a cidade com agentes munidos de caderninhos de multas.

Ademais, eu perguntaria, recorrendo a uma reflexão do tipo reductio ad absurdum: se por acaso, eu desobedecer as estatísticas, e conseguir me salvar de um acidente justamente por não ter usado o cinto? Deverei ser multado? Ou pior, deverei ser executado, para que as estatísticas se mantenham? E aquela velhinha carioca que se defendeu de um assalto, lembram-se? Deveria o Estado, além de processá-la por porte ilegal de arma, declarar sua defesa como ato nulo de pleno direito e o juiz decidir garantir ao meliante uma nova oportunidade de praticar o crime, com data marcada, e com a velhinha previamente inspecionada?

Leis como esta somente demonstram a quantas anda o espírito dos brasileiros, e em especial, desta turma do Direito; eles que me perdoem, e que seja dado o respeito e crédito às exceções, mas a verdade é que não param de “viajar na maionese”, isto é, de ficarem a criar construções imaginárias em cima de outras e outras teorias anteriores. Isto particularmente se comprova quando eu tenho exposto as idéias deste artigo sobre cinto de segurança, sendo que até agora não me veio um desta nobre área que não me viesse com o seguinte argumento: “que o Estado, tendo de arcar com os custos de hospitalização, antecipa-se e, de forma preventiva, usa a obrigatoriedade do uso do cinto como forma de redução dos custos.” Ora, de onde tiraram este direito? Desde quando o Estado tem direito de regular a minha privada somente pelo fato de eu pagar – obrigatoriamente – um plano de saúde mal administrado e repleto de corrupção?

Perceba-se aqui duas intervenções que o Estado promove ao mesmo tempo: primeiro, ele me obriga a pagar por um sistema de saúde, que, particularmente, faço muita pouca questão de utilizá-lo, por que, dada a sua notória má qualidade, força-me a pagar um particular; em seguida, ele entende que, por ser obrigado a me atender (pelo menos em tese), pode sair por aí regulando a minha vida, e pior, tratando-me como se eu fosse um número, quando sou uma pessoa de carne, osso, e muito mais que isto, com uma alma dentro de mim. Para as pessoas que já morreram justamente por utilizar o cinto de segurança, isto é, por aqueles que, por azar, não se encaixaram nas estatísticas que “justificaram” a edição da lei, o Estado não indeniza os familiares, aliás, nem sequer lhes envia as condolências!

Ocorre que nossa história não termina aí. Ora, se o Estado começa a reivindicar o direito de regular a minha vida a pretexto de salvá-la, ou mais precisamente, de reduzir seus custos, então ele também pode me proibir de ingerir determinada alimentação (hei, não é isto mesmo o que está havendo neste exato momento com um garotinho gordinho na Inglaterra?), ou pode me proibir de fumar, e coisas parecidas.

Quando este nível de intervenção já estiver pacificado entre os cidadãos, e como o apelo a esta intervenção, uma vez aceito, não encontra mais obstáculos objetivos, e também devido ao fato de que os políticos sempre precisam de plataformas novas para as suas campanhas, novas propostas começarão a surgir, e chegará a vez de se proibirem determinadas leituras, de se praticar determinados esportes, e ao fim, de decidir quem pode ou não viver: as primeiras vítimas serão os anencéfalos, seguidos dos doentes terminais, depois dos doentes crônicos, até chegarmos a um ponto em que as pessoas serão avaliadas segundo um grau de importância para a sociedade: será o tempo em que um “pé-rapado” terá de ceder o seu leito para um burocrata de alto-escalão, mais ou menos assim como hoje deputados e senadores põem cidadãos comuns pra fora dos aviões, alegando precisar cumprir o interesse social.

As tão propaladas garantias constitucionais de saúde e de ensino gratuito, que nas propagandas políticas não cessam de ser realçadas, não passam na verdade de uma reserva de mercado, de um privilégio de se contratar médicos e professores segundo um único e determinado método, em detrimento de todos os outros, mesmo se mais eficientes e mais baratos. Trata-se de um quase-monopólio pelo qual o Estado justifique, num primeiro momento, a necessidade de espoliar os cidadãos, e em seguida de dominar-lhes a vida e os movimentos. Saúde e educação seriam realmente gratuitas se fossem proporcionadas por uma entidade celestial, por ET’s ou até mesmo por uma outra nação condenada a pagar tributos de guerra. Não é o caso.












quinta-feira, 15 de março de 2007

Compreendendo o Pensamento Liberal

Por Klauber Cristofen Pires

Tem havido ultimamente um grande debate sobre as diferenças entre liberais e conservadores, com algumas discussões, infelizmente, conduzidas para direções outras. Todavia, enquanto for debate, e enquanto este debate carregar um mínimo de argumentos honestos de parte a parte, é de se esperar que seja benéfico, pois há muito tempo que isto não acontecia.

Em debates com amigos que se declaram conservadores, tenho observado, em síntese, a preocupação que têm eles de se escorarem no Estado para a garantia de uma sociedade ordeira, e talvez seja possivelmente devido a um sentimento reativo, de indignação pelo fato de os liberais não compartilharem as mesmas opiniões, é que partem para certas generalizações tais como a que imputa aos liberais o ateísmo e/ou o abandono aos valores morais e éticos.

Bom, antes de tudo é necessário esclarecer que não há, absolutamente, nenhuma relação de causa e conseqüência entre ser liberal e ser ateu ou amoral. O que é necessário explicar, possivelmente aos leitores que, da arquibancada, prestigiam os argumentos das partes, é que os liberais entendem que a religião e a moral devem ser guardadas pela sociedade, e não pelo Estado.

Isto porque, se concedermos as chaves destes tesouros ao Estado, poderá chegar o dia em que seu ocupante decida por implantar uma nova ordem, pautada por diferentes valores. Aliás, é isto mesmo o que hoje está acontecendo em nosso país. Tínhamos leis pautadas por princípios religiosos e morais mas, confiantes na força do Estado, esquecemos nós mesmos de protegê-las.

Quem pensa que uma lei funciona como um instrumento infalível da ordem, se engana. A lei funciona assim como aquele lacinho que amarramos no dedo para nos lembrarmos de alguma coisa. No fundo, o que faz mesmo a diferença é uma espécie de senso comum (“common sense”), ou uma palavra alemã que li em um blog de um amigo “zeitgeist”. É uma forma de espírito, se me é permitido assim me expressar, que anima uma opinião geral a respeito de um determinado assunto.

Sem o espírito que anime a lei, ela não passa de uma estátua de barro a ruir. Nas últimas décadas, por exemplo, este senso tem caminhado na direção da diminuição do valor da proteção à propriedade privada. As freqüentes derrogações do direito de propriedade privada não teriam acontecido em meio a um povo que majoritariamente as condenasse. Do mesmo modo, como tenho muito demonstrado em meus artigos, o princípio de igualdade jurídica (“todos são iguais perante a lei”), também tem sido desbastado sob o cinzel do igualitarismo material. Ainda outro era a lei que garantia ao recém-casado anular seu casamento caso comprovasse que sua mulher não era virgem. Por muitos anos, esta cláusula legal permaneceu em vigor, sem que praticamente ninguém ao menos se lembrasse que ela existia.

Por outro lado, incorrem em erro os conservadores, quando tentam impor determinadas condutas que eles abraçam voluntariamente em função da religião que abraçam, a outros grupos diferentes, pois agridem o direito de livre-arbítrio e também o direito de associação.

Como bem disse o filósofo Ludwig von Mises, as religiões agem como partidos políticos quando prescrevem fórmulas sociais. Mises também asseverou que as guerras religiosas são as mais drásticas, porque, como dogmáticas, não admitem negociação. Ou fiéis de um grupo religioso se impõem sobre os outros, ou sucumbem perante os da religião militarmente triunfante.

A declaração do Papa Bento VXI, de quem sou um admirador, abriu uma questão bem propícia para este debate. Pois neste momento eu tenho uma amiga cujo marido, a ela e a seu filho, os largou.

Isto me levanta intuitivamente o seguinte senso de justiça: ora, é certo que o segundo casamento dele mereça o desprezo da Igreja, eis que largou de sua família para conviver com outra; todavia, não me parece correto que a mulher, abandonada, e crente católica fervorosa como é, seja proibida de procurar um novo parceiro que trate a ela e a seu filho com respeito, dedicação e amor.

Algo me diz que segundos casamentos não são uma praga social, mas ao contrário, uma solução social. Uma solução em face do que já se encontra destruído. Todavia, levando-se em consideração que uma pessoa adere ao catolicismo voluntariamente, concordo plenamente que o Papa tem até mesmo o direito de excomungar a ambos, caso tentem casar-se novamente.

EM LINHA CONTRÁRIA, SOU TOTALMENTE CONTRA QUE ESTA NORMA DE CONDUTA SEJA ESTENDIDA A NÃO CATÓLICOS!

Então vejam os que se denominam de conservadores, que o casamento perpétuo já teve vigência jurídica neste país, obrigando católicos e não-católicos à mesma norma de conduta social. Isto me parece uma clara agressão contra o direito dos não-católicos de tomarem suas próprias decisões.
Assim como eu detestaria que me obrigassem a usar um quipá ou um turbante; ou que me obrigassem a observar o Pesach ou o Ramadan, eu também não me sinto na obrigação de seguir condutas impostas pelos católicos. Eu tenho as minhas próprias convicções, e aqui reinvindico o meu direito de livre-arbítrio e de associação para me juntar àqueles que compartilham comigo as mesmas idéias. Isto se chama paz. O contrário disto se chama guerra.

OS LIBERAIS ENTENDEM QUE O SER HUMANO DESFRUTA, ALÉM DO DIREITO DA LIBERDADE DE COMERCIAR, TAMBÉM DO DIREITO DE PROCURAR A SUA PRÓPRIA FELICIDADE.

Nos termos em que amigos conservadores têm se definido, isto é, que são a favor da manutenção de uma ordem social (estabelecida em seus próprios termos), aliada a uma liberdade econômica, é preciso esclarecer que a liberdade econômica não se desenvolveu por si só, num processo de autogênese. Ao contrário, ela é filha - e até mesmo a filha caçula - de outras liberdades, tais como a liberdade científica, a política e a religiosa.

É razoavelmente certo afirmar que a filosofia da liberdade nasceu em meio às civilizações judaica e cristã, todavia, isto não leva necessariamente a crer que as religiões sempre concorreram para este fim. No livro “A Sociedade de Confiança”, Alain Peyrefitte demonstra como a Igreja Católica posicionou-se contra o trabalho dos artesãos e a prática do empréstimo a juros, por séculos a fio, de modo que a liberdade foi encontrar seu lugar entre os protestantes, que fugiam duplamente, do absolutismo monárquico e das censuras da Igreja Romana.

Portanto, os liberais entendem que a filosofia da liberdade é muito mais ampla do que só a econômica. Não fossem experimentadas as outras liberdades, e a muito custo, JAMAIS OUVIRÍAMOS FALAR da liberdade econômica que hoje os conservadores defendem.

Ora, tem sido dito que os ateus podem viver bem em uma sociedade cristã; que eles desfrutam dessa sociedade, mais ou menos assim como um papagaio que sabe falar, mas não sabe o que significa os sons que emite (e eu compartilho desta opinião). Então, vale a mesma sentença para tais conservadores, quando negligenciam que a liberdade econômica somente veio a nascer em meio às outras liberdades. Enfim, religião é uma busca por Deus, e portanto, uma atividade personalíssima. Ao cristão incumbe, conseqüentemente, agir conforme os preceitos de sua crença, que lhe devem informar como agir como INDIVÍDUO. A doutrina liberal, a seu turno, é uma ciência social: ela prescreve receitas de normas de convívio em sociedade, de modo que sejam garantidos os seguintes valores: liberdade do indivíduo, respeito à propriedade privada, e paz continuada.

segunda-feira, 12 de março de 2007

Homescholling funciona!

Parabéns a Heloísa Venturieri Pires!

Hoje, 12/03/2007, sua professora chamou-me à sua sala para me comunicar a decisão da coordenadoria da escola de transferi-la da 1ª para a 2ª série do ensino fundamental. Uma feliz surpresa para um pai que subiu as escadas com aquele certo ar de severidade e preocupação.

Ao chegar a casa, a notícia logo foi transmitida à sua mãe, que, exultante, a repassou às avós.

Passada a euforia, congratulei ternamente a minha filhinha e, sem desmerecer-lhe os méritos, lembrei-lhe das horas a fio que eu e, principalmente a sua mãe, passamos a ajudar-lhe com as tarefas escolares, e muito mais que isto, a fazê-la exercitar-se no velho - e bom - caderno de caligrafia, a ler muitos livrinhos infantis, a aprender sobre os números e as contas de somar e de subtrair (e tudo isto foi feito diariamente, mesmo nas férias) e até mesmo a aprender inglês no carro - isso, no carro mesmo - no caminho de ida e volta da escola tem-se pelo menos meia hora diária de aprendizado!

Muitas vezes me perguntei porque não levava uma vida como a que muitos de meus amigos levam, como, por exemplo, sair do trabalho e dirigir-se ao clube ou à academia. Sempre me inclinei a voltar pra casa, talvez até imbuído do valor que um homem dá ao lar depois de ter trabalhado por anos na marinha mercante. Mas, ora bolas, valeu! Que grande felicidade a todos nós!

Aos leitores que lêem este singelo artigo, que em hipótese nenhuma vai ser longo, e nem sequer pretende ser uma exibição pedante, apenas venho dar o testemunho que o homescholling funciona, nem que seja só quando dá tempo, assim, do jeito que fizemos: meia hora no carro, meia hora depois do almoço, uma horinha antes da novela das oito, e assim por diante.

Heloísa, minha querida filha, receba aqui as homenagens de seu pai babão...

Obrigado.

quarta-feira, 7 de março de 2007

O País do Vu


Por Klauber Cristofen Pires

“Vu” é o termo como é conhecida uma regra no jogo de cartas chamado de canastra. Bom, é favor quem souber escrever o termo corretamente: eu só o conheço de boca, então o transmito tal como o ouço. O “Vu” consiste de uma dificuldade imposta quando se alcança uma determinada pontuação no jogo. Por exemplo – se a dupla alcançar 2.000 em uma rodada de 3.000 pontos, eles deverão arcar com o ônus de iniciar a primeira seqüência de cartas, com, no mínimo, 75 pontos. Jamais pude compreender o significado de tal absurdo, mas vá lá, canastra é apenas uma brincadeira que se faz entre amigos.

Todavia, parece que o espírito do “Vu” toma mesmo conta da mentalidade brasileira. Basta alguém começar a somar alguns pontos a mais na vida, para que o Estado logo lhe imponha o tal do “Vu”. E um destes merece no momento a análise que se seguirá: trata-se da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento “diferenciado e favorecido” a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (colocamos aspas, para destaque).

Em conversa com conhecidos de meu relacionamento pessoal, já pude experimentar a dificuldade de tratar o tema, tendo sido compreendido apenas por uns poucos - e menos ainda terminaram concordando – isto após muita saliva gasta! Assim como com eles, esta lei, que não é qualquer uma não – é uma lei complementar - parece-me, tem passado ao largo dos comentários da imprensa geral e mesmo da especializada, possivelmente pelos mesmo motivos – todos estão a achar uma maravilha...

O caso é que as pessoas estão predispostas a aceitar qualquer coisa que, grosseiramente resumida, aparente apoio à micro e pequena empresa, e qualquer exposição de dúvida ou objeção é logo tratada com a vaia, os olhos arregalados e os dedos em riste: “- pois saiba que são as micro e pequenas empresas que mais empregam neste país, viu?” Bom, isto é certo, como também é certo que a maioria das pequenas empresas depende do relacionamento com as médias e as grandes. São estas últimas, afinal, que produzem a maior parte dos bens de consumo, principalmente os de maior valor agregado, e afinal, são as que participam majoritariamente das exportações e que trazem divisas para o país.

O Estado brasileiro ainda não aprendeu que não são apenas as ME’s (micro-empresas) e EPP’s (empresas de pequeno porte) que precisam ser aliviadas dos grilhões tributários e burocráticos. Por mais facilidades que se concedam às ME’s e EPP’s, jamais elas crescerão em número a ponto de suplantarem, em importância econômica, os grandes empreendimentos. Isto porque elas justamente gravitam em torno deles, como servem de exemplo as pequenas empresas que fabricam peças automobilísticas, dependentes das grandes montadoras, ou a que lá serve refeições aos seus funcionários, ou a que fabrica seus uniformes, e assim por diante, até mesmo chegar à padaria em frente à fábrica, que vende aos operários, todas as manhãs, o pingado e o queijo-quente.

Por outro lado, o abismo que a legislação crescente sobre o assunto vai criando entre estas empresas e as demais faz com que novas distorções apareçam, como, por exemplo, o fato de que muitos micro e pequenos empresários, ao invés de abrirem filiais, decidam abrir outras empresas com razão social diferente, como meio de não subirem de categoria, ou mesmo quando estes, terminantemente, decidem evitar expandir os seus negócios.

A LC 123/2006, em especial, no seu capítulo V, denomina-se estranhamente de “Do Acesso aos Mercados”, contudo, não fala sobre mercados em nenhum sentido, economicamente falando, conhecido, mas apenas contém dispositivos que favorecem as Me’s e EPP’s em licitações públicas, o que já é algo em princípio preocupante, o que seja, esta consciência que tem o Estado da dependência do mercado para com ele, a ponto de utilizar as licitações públicas como meio de ação de suas políticas.

Antes, porém, de discorrer, sobre o assunto, creio que aqui caiba uma reflexão: é comum ver nos noticiários da TV sobre problemas e mazelas que ocorrem e a conseqüente letargia do poder público para solucioná-los. Pois uma das grandes causas chama-se licitação pública. Derivada diretamente do princípio de igualdade de todos os cidadãos perante a lei, que em nossa Constituição se consagra no art 5º e seus 78 incisos e 4 parágrafos, a licitação pública nasceu com o propósito de se proporcionar a lisura e a isonomia entre todos os interessados em vender bens e serviços ao Estado. Somente por isto, há de se compreender que envolva um caráter de formalidade tal que, no possível, impeça as fraudes e apresente transparência, ou seja, trocando em miúdos, a licitação pública é um procedimento administrativo que, para tão somente atender à sua finalidade fundamental, já é bastante burocrático.

Todavia, com o passar do tempo, os legisladores passaram, cada vez mais, a utilizar a licitação pública como instrumento para o alcance de outros fins, tal como o controle fiscal (as empresas precisam demonstrar regularidade fiscal apresentando as CND’s – Certidões Negativas de Débito), o controle trabalhista (precisam declarar que não empregam menores de idade), o controle previdenciário (além de a empresa dever apresentar a CND, bizarramente, a lei atribuiu ao administrador público a responsabilidade solidária com o prestador de serviços pelo recolhimento das contribuições previdenciárias), e agora, como se vê, a licitação passará a servir também como instrumento de políticas de desenvolvimento.

Voltando ao capítulo V da LC 123/2006, convidamos o leitor a conhecer um pouco do seu teor. Vejamos, senão, os artigos 42 e 43 e parágrafos, que aqui transcrevemos, para conforto:

Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato.

Art. 43. As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição.

§ 1o Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de 2 (dois) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogáveis por igual período, a critério da Administração Pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito, e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.

§ 2o A não-regularização da documentação, no prazo previsto no § 1o deste artigo, implicará decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação.

Bom, como se vê, aqui a LC nº 123/06 merece um troféu, o de ter inaugurado a “ILEGALIDADE LEGAL”! Conquanto, ao meu ver, as disposições da Lei 8.666/93 (a lei das licitações públicas) e suas alterações, bem como a legislação correlata, incorram em inconstitucionalidade quando exigem a regularidade fiscal das empresas como condição para participação em certames, por ferirem o disposto no art. 37, XXI[i], a fato é que permanecem em vigor, e assim, pelo menos até então, obrigavam TODOS os licitantes à sua observância. Imagine, por exemplo, que determinados cidadãos possam andar com a carteira de motorista vencida. Isto é justo? E não seria muito mais injusto ainda se estes cidadãos de 1ª categoria pudessem participar de um concurso público para o cargo de motorista oficial?

Em seguida, os artigos 44[ii] e 45[iii] criaram uma bizarra hipótese de “empate legalmente ficto”, em tais termos que, após a fase de lances ou a de abertura dos envelopes, as ME’s ou EPP’s que apresentarem preços até 5% ou 10% (conforme a modalidade de licitação) MAIORES que o preço do licitante vencedor terão a chance preferencial de apresentar um novo preço inferior e de assim contratar com a Administração Pública! É a própria derrogação do princípio da licitação pública! É a desmoralização do instrumento que nasceu para moralizar! Adiante, os capítulos restantes tratam até mesmo de licitações onde somente possam participar ME’s e EPP’s.

Importante destacar que aqui não se pretende desmerecer as micro e pequenas empresas. Todavia, a derrogação gradativa do art. 5º da Constituição Federal é não mais preocupante, mas alarmante. A cada dia, surge uma nova lei que cria, como já havia ilustrado em algum parágrafo acima, cidadãos de 1ª, 2ª e até 3ª categoria, a tal ponto que qualquer dia – se isto já não acontece – a pedra fundamental da democracia - a igualdade de todos perante a lei - já terá sido enterrada no lodo das diferenciações casuístas.

Ocorre que vigora hoje em dia um modismo tendente a exagerar - e mesmo distorcer – os ensinamentos do jurista Rui Barbosa, quando aconselhou, em sua “Oração aos Moços”, a aprender a enxergar a igualdade levando-se em consideração as desigualdades entre as pessoas, daí que qualquer proposta oportunista hoje passa pelo crivo de malha mais rala que existe, qual seja, o de inventar pretextos para combater desigualdades, isto porque é um argumento que jamais terá fim, bastando simplesmente que se observem as novas distorções criadas pelo ato legislativo anterior para que se apresentem seguidamente novas denúncias de desigualdade, realimentando o infeliz ciclo indefinidamente.

Acaso a lei tratasse tão somente de criar um ambiente econômico mais favorável às ME’s e EPP’s, estaria, no bojo de um país mal ajustado, até que bem feito, pois que tais medidas interfeririam apenas incidentalmente em prejuízo das demais empresas, podendo até mesmo haver benefícios, na medida em que seus fornecedores ampliassem seus produtos, melhorassem-nos tecnologicamente e, por meio do aumento da competição, passassem a praticar preços menores. Entretanto, não é isto o que estipula o Congresso mais medíocre que a República brasileira jamais teve ao lançar no mundo jurídico o capítulo V da LC 123/2006, mas o de, literalmente, prejudicar um brasileiro em proveito de outro, pois o benefício da micro-empresa irregular que apresentar preço superior e que ganhar a licitação será o prejuízo concreto, contato até os centavos, da empresa não contemplada cujas faltas foram a de ser mais eficiente – por ter apresentado menor preço – e honesta – por apresentar-se regular perante a fazenda pública.
Email: klauber.pires@gmail.com blog: http://blogscoligados.blogspot.com

[i] CF/88, art. 37, inciso XXI: XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

[ii] LC 123/2006, art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.
§ 1o Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.
§ 2o Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1o deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.

[iii] Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma:
I - a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado;
II - não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1o e 2o do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito;
III - no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1o e 2o do art. 44 desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta.
§ 1o Na hipótese da não-contratação nos termos previstos no caput deste artigo, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame.
§ 2o O disposto neste artigo somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte.
§ 3o No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão.