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segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Possui a Sociedade uma Alma Própria?

Por Klauber Cristofen Pires

Não há duas pessoas iguais neste mundo. Todo aquele que sustenta que os seres humanos necessitam disto ou daquilo, ou que têm de voltar as suas atenções para tais e quais objetivos, somente estatui arbitrariamente parâmetros medidos em termos de suas próprias convicções. A liberdade, portanto, é o principal meio de garantia pelo qual um ser humano pode, por ele mesmo, julgar as suas necessidades e conveniências e valorando-as, tentar conquistar a sua felicidade.

No Brasil, se queremos apontar uma causa em especial para a progressiva relativização da liberdade individual, que paulatinamente temos visto tornar-se mais diáfana, será a tese do “interesse público”. Nas faculdades, nas tribunas, nos debates televisivos, nos artigos de opinião da mídia impressa, não há quem falte a defender que o “interesse coletivo deve prevalecer sobre o do particular”.

À primeira vista, pelo menos intuitivamente, somos levados a concordar com tal postulado, pelo menos quando colocado em termos abstratos. Os defensores do princípio da prevalência do interesse público, animados por teorias coletivistas, para sustentar-lhe a validade amparam-se na crença da existência de um pensamento coletivo, do qual, claro, apresentam-se ou como um de seus porta-vozes, ou, pelo menos, advogados dos que reclamam para si este poder.

Neste cenário plúmbeo, apresentamos a lição objetiva e elucidativa de Ludwig von Mises (1): “Se alguém diz Eu, nenhuma outra informação é necessária para estabelecer o seu significado. (...) Mas, se alguém diz Nós, é preciso alguma informação adicional para indicar quais Egos estão compreendidos nesse Nós. É sempre um simples indivíduo que diz Nós; mesmo que muitos indivíduos o digam em coro, permanece sendo diversas manifestações individuais.

O Nós não pode agir de maneira diferente do modo como os indivíduos agem no seu próprio interesse. Eles podem agir juntos, em acordo, como um deles pode agir por todos. Neste último caso, a cooperação dos outros consiste em propiciar uma situação que torna a ação de apenas um homem efetiva para todos. Somente neste sentido é que o representante de uma entidade social age pelo todo; os membros individuais do corpo coletivo ou obrigam ou permitem que a ação de uma só pessoa lhes seja também concernente.”

Como compreendemos do argumento acima, não podemos deixar de flagrar aquele que, pretendendo falar em nome de qualquer interesse coletivo, o declama por sua própria boca e, portanto, segundo tão somente a sua particular visão das coisas.

Oportunamente, observemos também que a palavra “interesse”, para dar significado ao conceito de “interesse coletivo” pode ser bastante desastrosa: por exemplo, podemos assinalar que os nazistas (a maioria) tinham o interesse “coletivo” de exterminar os judeus (a minoria). Seria, então, este um direito legítimo, ainda que fosse para matar um só judeu?

Mais adiante, vejamos que também existe diferença entre o que se costuma denominar de “interesse coletivo” e “interesse do Estado”, muito embora estas expressões sejam corriqueiramente “empurradas” como sinônimas. Por exemplo, o Estado tem muito interesse no instituto de substituição tributária (um dispositivo legal pelo qual ele obriga alguém a recolher os tributos em lugar de terceiras pessoas – tal como ocorre com o recolhimento de imposto de renda na fonte pelas empresas, em relação aos seus empregados), mas até hoje não ficou demonstrado se este interesse, que é claramente do Estado, porque lhe gera uma economia, atende os interesses da sociedade, analisados os critérios de justiça e também da própria economia, balanceada a redução de custos pelo estado, quando contraposta com a elevação dos custos pelos particulares.

Certamente, há antes bens públicos, do que interesses públicos; podem ser tangíveis como uma estrada ou praça, ou intangíveis, como o dever de todos de respeitar o direito à vida de seus compatriotas. Mas o que lhes distingue categoricamente de qualquer alusão a um dado “interesse público”, quando assim proferido como uma verdade categórica, é sempre a manifestação positiva e inequívoca por todos os integrantes de uma comunidade, e respeitadas as minorias, mediante a garantia permanente de proteção aos direitos individuais, já consagrados para todos; isto, afinal, é o que devemos esperar de uma democracia que se esmere em ser fielmente representativa.

Em suma, viver em sociedade exige a mitigação de algumas liberdades, mas somente no tanto necessário para que esta se faça possível, e sempre com vista à obtenção de benefícios gerais compensadores dos sacrifícios por todos suportados; em linha contrária, a edição sem fim de normas casuístas, justificadas com base em considerações de “interesse público” por arrogantes que crêem serem donos das escolhas alheias, somente transforma uns em fidalgos e outros, em servos.

(1) Ação Humana, 2ª ed. 1995, Instituto Liberal, pg. 46.

A Propriedade e sua Função

Por Klauber Cristofen Pires

Para começarmos a falar sobre Economia e Livre Iniciativa, necessariamente precisamos introduzir o conceito de propriedade privada. Os méritos para a compreensão da função da propriedade privada devem ser atribuídos primeiramente aos economistas clássicos, e mais precisamente, aos economistas austríacos, especialmente o filósofo Ludwig von Mises, ao terem demonstrado que, sem a propriedade privada dos meios de produção, não há preços, e portanto, não há uma avaliação racional sobre a utilização de recursos. Segundo os “austríacos”, este foi o principal fator para o colapso da economia dos países comunistas, e em especial, da União Soviética.

De forma absolutamente diferente do que estabelece a Constituição brasileira de 1988, ao arbitrar critérios absolutamente convencionais para definir uma “função social da propriedade privada”, podemos atribuir ao instituto da propriedade privada cinco valores apriorísticos, e portanto, fundamentais, a saber:

1. Do valor jurídico: a primeira forma de obtenção da propriedade privada é a “apropriação original”. Por este conceito, um indivíduo declara ser dono sobre um dado recurso natural jamais antes pertencente a outro indivíduo. O conceito de propriedade emerge sempre que pensamos em raridade dos recursos, e é por si mesmo, a medida solucionadora de disputas entre dois seres humanos. Mesmo o próprio local no qual um ser humano põe os pés sugere a necessidade de um critério pacífico de resolução de conflitos, dado que duas pessoas não têm como ocupar o mesmo lugar no espaço. Da apropriação original, surgem diversos destinos que uma pessoa pode dar ao seu bem: a troca, a doação, o empréstimo, gratuito ou oneroso, ou outras formas mais complexas de relacionamento com outros humanos, todas pacíficas e porque voluntárias, também mutuamente benéficas.

2. Do valor filosófico: do conceito de propriedade privada surge a garantia de liberdade de um ser humano. A primeira propriedade de uma pessoa é o seu próprio corpo. Um ser humano tem um elo lógico, naturalmente aceitável por qualquer um, para declarar seu corpo como sendo sua propriedade: é ele quem o ocupa, que o forma e que o mantém; qualquer outro critério que alguém alegue para declarar a sua propriedade sobre o corpo de outrem, digamos por exemplo, o fato de ser mais forte, ou mais claro, ou de ter sido encarregado de uma missão divina, é destituído de qualquer vínculo natural e lógico, mas antes, baseado em conceitos puramente arbitrários por ele mesmo estabelecidos.

3. Do valor moral: a liberdade, que é o fruto garantido pelo direito de propriedade, não tem um valor finalístico próprio, mas é ela mesma incondicionalmente ligada à procura da felicidade. Dado que não há, absolutamente, nenhum critério pelo qual um ser humano possa ditar a outro como ser feliz, a busca da felicidade, objetivamente considerada, deve envolver somente o juízo de cada indivíduo, e do que ele estabelece para si mesmo como sendo o alvo de suas aspirações. Quando alguém –um indivíduo, ou um grupo de indivíduos unidos por uma convenção, digamos, o Estado - começa a ditar restrições ao direito de propriedade, ou mais sutilmente, sobre as variações de uso da propriedade, por exemplo, sobre o modo como as trocas podem ser feitas, inexoravelmente inicia um processo de derrogação da liberdade e portanto, da felicidade humana individual.

4. Do valor econômico: Já vimos até aqui que, com a propriedade privada, surge a possibilidade de os seres humanos efetuarem trocas. Estas trocas, quando realizadas pacifica e voluntariamente, atendem ex-ante aos anseios dos seus protagonistas e permitem, com o uso de um meio de troca, ou seja, da moeda, uma avaliação cada vez mais apurada e precisa dos valores que uma dada população atribui a cada bem, dado que os indivíduos, com o objetivo de incrementarem suas condições de vida, tendem a balancear as relações de custo X benefício. Nos países comunistas, os preços eram convencionalmente estabelecidos por burocratas desvinculados de qualquer conhecimento sobre os custos de produção, daí que torravam capital material e humano em empreendimentos que inexoravelmente produziam menos do que o investimento feito.

5. Do valor praxeológico: a Praxeologia, a ciência desenvolvida pelo filósofo Ludwig von Mises, estuda a ação humana, e define categoricamente os eventos e situações em que o ser humano age, sempre com o intuito de prover uma melhoria de seu bem-estar. Neste aspecto, a acumulação dos frutos do trabalho tem o efeito de estímulo à produção de mais bens, os quais poderão ser trocados com os demais indivíduos que com ele se relacionam, o que acarreta, paulatinamente, um incremento geral no padrão de vida de todos os envolvidos.

Quando compreendemos o que acima foi exposto, podemos claramente entender que a defesa do instituto da propriedade privada possui um caráter apriorístico e fundamental, bem diferente, como apresentamos acima, dos equivocados conceitos estabelecidos pelos constituintes de 1988; em suma, não é uma dada propriedade particular que irá cumprir uma função – social(?) – da propriedade, se estiver em dia com determinadas obrigações ou requisitos estabelecidos por terceiros. O que define a segurança, tranqüilidade, estado de confiança mútua e paz no seio de uma sociedade é a compreensão mesma dos valores intrínsecos da propriedade privada, e que qualquer derrogação, mesmo parcial, sempre acarretará uma corrosão no edifício social.

Finalmente, devido ao fato de que a ação humana é sempre um ato individual, e que a busca da felicidade ampara-se sempre em critérios absolutamente pessoais e subjetivos, qualquer explicação macro-econômica da sociedade irremediavelmente escora-se em valores de juízo arbitrariamente - e por isto injustamente - estabelecidos por seus propositores.

domingo, 14 de outubro de 2007

Vá procurar seus direitos!

Por Klauber Cristofen Pires


Quem se lembra de uma novela que, em algumas de suas cenas, apresentava o ator Flávio Migliaccio a interpretar o papel de um aposentado que aguardava eternamente a revisão de sua aposentadoria pelo INSS? Nas suas falas, o personagem insistia mais ou menos assim: “-eles querem me ver morto, mas não vão, não vão conseguir...”.

Mais uma vez, veio uma novela politicamente correta a sugerir a necessidade do brasileiro de “ir procurar e lutar por seus direitos”, à custa, necessário dizer – de uma estóica persistência e utópica fé (no governo). Eu nem sei se o personagem afinal foi abençoado com a tal revisão, mas sei que demorou muito, o suficientemente bastante, por exemplo, para que ele pudesse, por hipótese – ter falecido antes de alcançar seu objetivo. Em termos de aposentadoria, cada ano perdido não se recompensa, nem pelo pagamento em dobro.

De certa forma, portanto, não podemos deixar de pensar que o personagem tinha razão, quando dizia que queriam vê-lo morto, pois o sistema de pagamento de aposentadorias no Brasil é do tipo de repartição de receitas, onde é coletado o dinheiro arrecadado pelos trabalhadores ativos para com ele se pagar os aposentados e pensionistas. Entretanto, se fosse só assim, até que não seria mal, mas some-se a isso a irredutibilidade do valor das aposentadorias, e aí sim temos um sistema que nasceu pra não dar certo, já que não há nenhum elo que ligue a receita com a despesa. Ao Tesouro Nacional, resta arcar com o faltante.

Neste cenário, que não é de novela, mas real, não surpreende que no ninho dos burocratas não haja quem torça, e mais, que não esteja disposto a dar uma forcinha, para pessoas como o personagem aqui descrito deixe de dar despesa. É a lógica dos chapéus: onde houver dez cabeças e nove chapéus, corte-se uma cabeça para prover a bonança. Será por acaso coincidência esta campanha que vemos pela legalização do aborto e pela eutanásia?

A tônica do argumento socialista (também comunista, petralhista, marxista, etc.) reside na proposta de que, embora o cidadão arque com os impostos considerados às vezes altos, será beneficiado em seguida com educação “gratuita”, saúde “gratuita”, segurança “gratuita”, transportes “gratuitos”, etc. Depois, quando os pais têm de dormir na rua para poder matricular seus filhos numa escola pública (que coisa mais bizarra...); quando as pessoas morrem numa maca largada num corredor fétido em meio a uma centena de outros coitados a esperar por algum atendimento médico; quando um INSS decide não pagar a aposentadoria, e assim por diante, aí não faltam “especialistas” com cara de boçais, a afirmar que os brasileiros precisam aprender a fazer valer os seus direitos, tipo assim, ir à rua e protestar, fiscalizar as contas dos governantes, e que tais...

Ora, então pergunto aqui a quem me lê: Terá sido um bom negócio pagar certo por algo que se receberá incerto? Será justo, ou conveniente, que se deva pagar por alguma coisa e depois ter de lutar – e ainda por cima por meios abstratos - para consegui-la? O que, digamos, eu preciso fazer quando vou ao supermercado? Simplesmente não pego minhas coisas, pago e as levo? E com relação às escolas particulares? Não é simplesmente chegar, pagar e ver seu filho estudando? E com relação ao serviço de tv a cabo, ou o consórcio do carro? Não é simplesmente receber o serviço, no primeiro caso, e a carta de crédito no momento avençado, no segundo?

Agora, já seria de se ver os tais especialistas batendo o pé e clamarem: “- mas então como se dão as coisas no meio privado quando os serviços não funcionam?” Ora, o que ocorre quando, por exemplo, o plano de saúde privado nega o atendimento? É simples, acionamos a justiça, e reclamamos o estabelecido no contrato!
Senão, vejamos: quando aconteceu aquela tragédia com uma aeronave da TAM em Congonhas, contra quem as vítimas acionaram a Justiça? Contra o Estado Brasileiro ou contra a companhia aérea? Só este fato – por mais que a empresa esteja tentando amenizar seu prejuízo – demonstra - mesmo num país onde quase tudo leva a intromissão abusiva do governo, como são estes dois casos, os planos de saúde e a aviação civil – que as pessoas sabem onde melhor obter a reparação para seus danos e mais, que é pura perda de tempo procurar algum responsável na Infraero, na Anac, no Ministério da Defesa, no Ministério dos Transportes, ou seja lá onde, pois o jogo de empurra-empurra, numa hora destas, não tem fim.

Certa vez, numa conversa com amigos, todos servidores públicos de alto escalão, eu ouvia sua reclamações sobre as mudanças que estavam sendo implementadas pelo governo FHC no tocante às suas aposentadorias; reclamavam, em suma, que o governo estava mudando as regras do jogo no meio do percurso, e consideravam isto injusto. (Não houve momento na conversa, todavia, em que um deles se lembrasse de quantas regras eles mesmos já haviam derrogado para os cidadãos na área em que atuam - pimenta nos olhos dos outros é refresco, não?).

Porém, a queixa deles procede - pelo menos no âmbito moral, ou melhor, em termos de um conceito de justiça natural, dado que, quando fizeram o concurso público, o governo oferecia a aposentadoria integral no edital. Contudo, as disposições editalícias não são de ordem contratual, mas antes, oriundas de um jus imperi que permite ao ente estatal modificá-las unilateralmente, com base numa doutrina de prevalência do interesse público sobre o interesse do particular, seja lá qual for este direito, fundamento ou por quem se o declame. Concluindo, por mais que reclamassem, não podiam fazer nada, isto por que eles não tinham direito como aposentados, já que ainda não haviam cumprido os requisitos previstos em lei para a aposentadoria, o que vale dizer, no direito vigente, que a eles assiste apenas uma “expectativa de direito”, ou no fim das contas, o mesmo que nada.

Duas coisas, portanto, separam irrevogavelmente o serviço privado do serviço público: a contratualidade e a igualdade jurídica entre as partes. Pela contratualidade, ambos os lados têm certos entre si todos os seus direitos e deveres, e ex-ante, concordam com todos os termos e declaram-se satisfeitos com o acordo celebrado; pela igualdade jurídica entre as partes, temos que nenhum lado tem o poder de modificar unilateralmente as cláusulas estabelecidas. Juntos, estes dois institutos dão o contorno, moldam, concretizam o que há de mais rarefeito nos serviços públicos: a responsabilidade.

Enquanto que em relação aos serviços privados há sempre um direito concreto a ser defendido judicialmente e um responsável direto a ser cobrado, no serviço público as pessoas contam, no máximo, com estas tais de expectativas de direito, ou alegados direitos políticos (como se já não houvesse de fato direitos concretos a serem reclamados), verdadeiras fumaças que se desfazem somente no momento em que sobra um cidadão com um prejuízo na mão.
Se há algum direito a ser reclamado, isto sim, é o de podermos escolher de quem compramos nossos serviços; que as pessoas que recebem o nosso dinheiro não brinquem com ele, mas façam o combinado, e que haja uma justiça idônea a compelir os espertinhos a cumprirem com as suas responsabilidades.
Livre-mercado, respeito aos contratos, Estado necessário: eis os nossos direitos!