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sexta-feira, 18 de julho de 2008

Aos Desapropriados por Hidrelétricas: uma Lição sobre Direito de Propriedade e a Sociedade Contratual

Por Klauber Cristofen Pires

Ontem, 18 de julho de 2008, assisti nos telejornais a mais um capítulo sobre a construção daquela que virá a ser a maior hidrelétrica totalmente brasileira, isto é, se um dia sua novela tiver um fim: a usina de Belo Monte, no rio Xingu. A reportagem informava basicamente sobre os embates entre os vários grupos de interesse envolvidos, em especial as populações locais, as tribos indígenas, ong’s, o Ministério Público e os grupos empresariais ligados à construção e geração de energia.

Que se poderia dizer de tão desgastante confronto de forças, à luz da doutrina liberal? Tal como enxugar um bloco de gelo: cansativo e inútil! Aliás, talvez não haja melhor exemplo para ilustrar a impraticabilidade das infundadas teorias coletivistas: na ausência de critérios objetivos que delimitem previa e estavelmente os direitos de cada um, cada categoria é levada a agir como um grupo de pressão, na esperança de que seus interesses sejam priorizados, em um sistema de resolução de conflitos onde ninguém sabe ao certo o seu fim.

Tais eventos são mais gravosos às populações a serem desapropriadas, incluídas as comunidades indígenas, em nome do “interesse público”, o vetor principal de criação de inúmeras injustiças que, inconclusas, geram a indignação legítima das vítimas, que por sua vez partirão para a reivindicação de seus direitos sob uma forma politicamente organizada, como mais um ator a agir no já conturbado e confuso teatro das soluções políticas.

Com certeza, os ideólogos do interesse público virão em defesa deste conceito destituído de qualquer fundamento filosoficamente defensável para alegar de que se trata de uma necessidade estratégica. Pois basta um pouco de raciocínio e bom-senso para provarmos a falácia de tal argumentação.

Ora, desde que a energia passa pelo contador de minha residência, assim como ocorre com todas as demais pessoas, então não se trata de um bem público, mas de um bem privado! Será então justo recorrer a medonho instituto para a satisfação particular de um grupo maior de pessoas em detrimento de um outro grupo, ainda que consideravelmente menor?

Agora, quanto a ser uma necessidade, isto não é suficiente para atropelar os direitos de ninguém. O sistema capitalista de produção foi desenvolvido naturalmente como um meio pacífico de cooperação humana, justamente para prover as necessidades dos seres humanos. Eu não desaproprio meu padeiro, mas pago pelo pão! Ao fazer isto, nos auxiliamos mutuamente, sem seqüelas a serem reclamadas a posteriori, justamente porque nenhum de nós se impôs ao outro por meio da força.

A palavra “estratégica”, por sua vez, não passa de pura reminiscência da produção centralizada socialista, a chamada indústria de base. Todavia, em uma sociedade capitalista, onde a prioridade para produção dos bens é decidida pelos consumidores, a energia compete com todos os outros bens de consumo, segundo a avaliação de cada indivíduo.

Agora, imaginemos: também as turbinas são imprescindíveis para as hidrelétricas, mas creio, não passa na cabeça de ninguém desapropriar a indústria de turbinas! Pelo contrário, paga-se o preço pelo qual aceitam fabricá-las. O que então autoriza o estado a arrancar de uns a propriedade e se abster quanto às de outros não é nada ligado a qualquer alegação de interesse público, mas sim, o limite de sua força!

O estado não tem mais nada a depender de um dono de um punhado de terra que foi alagada, e o desprezará tal como uma laranja chupada; já quanto à fábrica de turbinas, se o estado vier a ensaiar tal atitude, poderá futuramente se ver sem novos suprimentos e talvez por parte também de outros fornecedores, tais como o de cimento, o de vergalhões de aço, o de cabos elétricos e assim por diante. Precisa tomar cuidado, como se vê.

O estado pagará o valor venal declarado? Isto não passa de uma simulação! Iniciar-se-ia uma escalada especulatória? Pois, que problema há nisto? Os pecuaristas, que antigamente relegavam ao lixo os cálculos renais de suas vaquinhas, passaram a cobrar mais do que o ouro, depois de descobrirem mercado nos países orientais, onde são utilizadas para a fabricação de remédios. Seria justo então que fossem obrigados a lhes ceder gratuitamente as pedrinhas?

Não há, portanto, que se falar em especulação, mas meramente em respeitar o fenômeno natural da oferta e da procura. Desde que os proprietários agora encontraram um uso considerado mais valioso do que a que eles mesmos antes podiam obter por meio da exploração de suas terras e das benfeitorias lá instaladas, não é nada mais que justo que cobrem por ela o valor que se relacione com o fato novo que lhe agregou valor. Senão, pensemos no caso inverso: se pudessem fazer com que a produção obtida pelo uso de suas terras alcançasse um valor maior do que o de toda a energia elétrica a ser produzida pela futura usina hidrelétrica, o tal do interesse público resultaria cabalmente em um empobrecimento de toda a população! Senão, imaginemos, por exemplo, os Estados Unidos, desapropriando o Vale do Silício para a construção de uma planta eólio-elétrica! Toda a produção de energia para uso regional não seria suficiente para cobrir o lucro que as maiores companhias de software do mundo lá instaladas trazem de divisas para o seu país!

Quando hoje passeio por Belém, tenho a oportunidade de contemplar grandes empreendimentos privados, tais como shopping centers e gigantescos condomínios horizontais, investimentos tais que foram realizados absolutamente sob a forma contratual, pagando-se aos proprietários dos imóveis o valor entre eles justamente acordado. Se a usina de Belo Monte houvesse de ser construída sob regras puramente contratuais, ela já estaria produzindo para o bem-estar de todos há muito tempo, sem seqüelas jurídicas ou políticas que se arrastassem tais como fantasmas de espíritos infelizes com um caso não resolvido em vida. Cada proprietário de terra ou imóvel estaria objetivamente atendido e portanto, feliz com a escolha a qual aderiu espontânea e voluntariamente.

Por fim, o fato de que uma imensa área de terra está envolvida não pode ser apresentado como argumento válido para nada, a não ser o de justamente servir como um poderoso e imprescindível método de proteção ambiental, na medida em que, caso o potencial elétrico seja inferior ao custo com a compra da área equivalente, desencoraje a sua construção.

terça-feira, 15 de julho de 2008

A Liberdade de Fumar, Segundo o Direito de Propriedade

Por Klauber Cristofen Pires

Detesto cigarro; aliás, melhor dizer que ele me detesta! Basta alguém começar a fumar perto de mim, e meu nariz entope e começa a escorrer, meus olhos se avermelham e minha garganta coça. Dos pouquíssimos pontos em que discordo do professor Olavo de Carvalho, aí está o principal: pra mim, pelo menos, cigarro faz mal, e este é um dado de tal maneira objetivo, que dispenso qualquer médico que me diga.

Entretanto, porém, contudo, todavia, não obstante, não parece ser assim com todas as pessoas! Há aquelas que, pelo menos em aparência, não se abalam com o ambiente plúmbeo dos bares, ou, pelo menos, desprezam o desconforto em proveito de compartilharem o prazer de fumar com seus amigos.

Como então definir o direito de fumar? Será que o fumante agride o seu semelhante? São justas as leis que proíbem o fumo em locais públicos? É justa a lei que proíbe a propaganda de cigarro? É justa a lei que impõe a propaganda do Ministério da Saúde nas carteiras de cigarro?

Por mais incrível que pareça, é recorrente, mesmo entre as pessoas com grau invejável de instrução, o argumento de que o estado deve coibir o fumo, devido aos altos custos em que o sistema público de saúde vem incorrendo para o tratamento de fumantes ativos e passivos. Pois, se o estado tem o direito de cercear o direito de fumar por causa dos seus custos, então ele pode virtualmente vir a comandar por inteiro a minha vida, de acordo com as suas conveniências. Imagine, por exemplo, você ser multado porque ultrapassou a cota de picanhas no mês, ou que cada açougue seja obrigado a exibir um cartaz com um sujeito recebendo uma safena na sala de operação!

Meu corpo é minha propriedade e minha posse. Eu não sou um fiel-depositário do meu corpo. Meu corpo e minha vida não pertencem ao estado! Não é porque eu pago - e à força - um plano de saúde vagabundo e corrupto que dá ao direito ao estado de este me dizer o que devo comer, beber, vestir, ler, fumar ou exercer qualquer outra ação.

Sobre o princípio do direito de propriedade, que começa com o meu próprio corpo – e também com a alma nele inserta – jaz a minha liberdade, que, como tenho dito, não é uma concessão, por parte de ninguém – e muito menos do estado - mas um atributo da minha vida, tanto quanto eu possa ser considerada uma pessoa tão igual quanto qualquer outra. Qualquer pessoa que tente contestar isto já de antemão se contradiz, pois usa de sua liberdade para se expressar.

O estado, por meio de sua terrível invenção, a Estatística, age quase sempre em termos de uma maioria. Às vezes, age segundo interesse de minorias, o que é pior ainda, desde que estas consigam se sobrepor à vontade dos demais, manipulando sua vontade por meio de intensa publicidade, e é sempre desta forma que assim o denominado “interesse público” é usado para agredir os direitos das minorias, especialmente no caso do cigarro.

É o “interesse público” que se permite invadir o direito de propriedade de um restaurante privado, alegando falsamente que seu espaço é público. É assim que a horda das pessoas insensatas se deixa levar por tão terrível e mal-fundamentada ideologia. Ora, um restaurante privado é um espaço privado; portanto, quem deve dizer se os fumantes podem lá degustar seus cigarros, charutos ou cachimbos deve ser exclusivamente o dono do estabelecimento. Logo, se o estabelecimento permite que se fume a vontade, resta aos não-fumantes a liberdade de não freqüentá-lo, assim como também assiste aos fumantes o dever de respeitar os espaços privados onde o fumo não seja aceito. Certamente, haverá espaço para ambas as categorias de consumidores.

Certa vez compareci a uma churrascaria, porém, instantes após ter sentado, dei-me conta de que viera ao lugar errado, eis que um ambicioso cantor se impunha à sua platéia por meio de um poderosíssimo aparato amplificador de som. Sem dúvidas, levantei-me de pronto, e alcancei a porta da saída. Como um adepto da filosofia liberal, não me ocorre forçar o restaurante e o seu cantor contratado a baixar o som por minha causa. Minha única objeção teria sido a de que eu tivesse sido previamente avisado, como forma de preservar o meu direito de uma forma lealmente contratual. Sem embargo, minutos depois degustava um delicioso almoço na concorrência mais silenciosa.

Segundo a filosofia liberal, acima posicionada, todas as pessoas têm o seu direito preservado. Não há que se falar em maiorias ou minorias! Conforme eu disse parágrafos antes, o caso do cigarro é especialmente emblemático porque os não-fumantes acostumaram-se a pensar que seria lícito agredir o direito dos fumantes, isto após uma massiva campanha anti-tabagismo promovida pelo estado. Foi esta campanha que precedeu e abriu caminho para leis absolutamente agressivas de direitos individuais, como se fossem cândidas normas de bem-estar geral.

Entendido isto muito bem, claro está que a proibição de veicular propaganda de cigarros atenta gravemente contra a liberdade de expressão e o direito de propriedade dos veículos de comunicação, assim como a propaganda obrigatória do Ministério da Saúde nas carteiras é uma clara invasão de propriedade do fabricante do cigarro e do contrato lícito e perfeito que ele celebra com qualquer pessoa que adquira uma delas.

No caso específico da propaganda obrigatória veiculada pelo Ministério da Saúde nas careiras, tenho-a como um verdadeiro assédio moral e psicológico. Minha mãe fuma e apesar de eu não gostar de seu hábito, o respeito, por se tratar de seu livre-arbítrio. Eu e os demais familiares respeitamos o direito que tem a minha mãe de fazer as suas escolhas, mas assim não pensa o Ministério da Saúde. Ao contrário, ele a desrespeita e agride com uma propaganda intensamente agressiva e absolutamente sem decoro. Causa-me muito mais tristeza e angústia ver a propaganda impressa nas carteiras do que propriamente ver minha mãe fumar.

A todas as pessoas, fumantes e não-fumantes, eu solicito que ponham este artigo na conversa com os amigos. Revertam este quadro funesto! As leis de restrição ao fumo nada têm de sadias; antes, são apenas meios de que faz uso o estado para controlar a vida privada dos seres humanos – em última instância – roubar-lhes as próprias vidas.
Obs.: como tenho avisado, passei a escrever "estado" com inicial minúscula.