terça-feira, 24 de janeiro de 2006

FGTS ou ECD?




por Redação MSM em 20 de maio de 2003


Resumo: MSM publica mais uma imperdível análise de Klauber C. Pires

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Klauber Cristofen Pires - Era 1995. Estava a serviço em Buenos Aires. Nos intervalos do trabalho, os portenhos aproveitavam para esquentar-se com a “hierba” (Não pense o leitor outra coisa: eu falando de “erva”, erva-mate, ou seja, chimarrão, para os brasileiros!), tão tradicional e indispensável quanto o “tea” dos britânicos.

Pouco a pouco, o grupo dos brasileiros ia pegando afinidade com as conversas dos cabeludos. Fiz grandes amizades. Mas de todos os bate-papos, de uma conversa lembro-me até hoje. Era sobre o desemprego e as leis trabalhistas. Na Argentina, Carlos Menem propunha a “flexibilização laboral”, coisa que deixava de cabelo em pá nossos anfitriões. Lembro-me desta conversa porque, orgulhoso de minha brasilidade, expus com muita galhardia que os brasileiros contavam com um eficiente sistema de amparo contra o desemprego: o FGTS. Os colegas ficaram admirados!

Aquela conversa inspirou-me a entender que ser brasileiro não era tão ruim assim, afinal de contas. Por pior que fosse nossa situação e que certamente haveria de mudar, pois a natureza das crises é a transitoriedade, os brasileiros estariam a salvo graças ao que depois vim a descobrir pelo nome de “rede de proteção social”.

O tempo passou, e com ele, aprendemos. Veio o tempo de eu pedir minha demissão, e conhecer outras coisas. Quanto ao FGTS, tive de esperar três anos e mais a chegada do meu aniversário para recuperá-lo. Neste tempo, ele foi sendo remunerado somente pelo pagamento de seus juros, que nunca passaram de cerca de zeros-vírgula-alguma-coisa-por-cento a.m. (TR + 3% a.a.).

Mas eu ainda nem comecei a contar a minha estória. A poucos dias de terminar o decreto de prisão do MEU dinheiro, acompanhava o saldo diariamente. Mas não é que, no dia em que, enfim, poderia sacar, este desapareceu? Disseram-me para aguardar, por cerca de um mês, para que a conta fosse localizada. Ao perguntar como pudera ter aquilo acontecido, já que na véspera mesmo estava lá ela, recebi de resposta: é que se tornara INATIVA! Sim, pasmem, mas a CEF, depois de esperar três anos sem observar movimentações na conta, simplesmente a extingue! Como se eu pudesse a qualquer momento ter ido lá para sacar! É cinismo ou galhofa? O fato é que, depois de tais efemérides, passei a colocar uns parênteses nesta estória de FGTS.

Hoje, já exercendo outra profissão, onde se fazem necessários conhecimentos de Direito, em especial o Constitucional e o Tributário, pude constatar, graças às lembranças que, rápido, me acudiram, uma natureza diferente da que é atribuída oficialmente ao FGTS.

Creio que, à esta altura, o leitor já deve estar se ligando ao “ECD”, que coloquei no título deste artigo. Então vamos lá: “Empréstimo Compulsório Disfarçado!”. Isto mesmo. Basta colocar uma sigla por sobre a outra, como se fossem slides, para ver como se casam perfeitamente. Ambas são, a rigor, uma requisição de dinheiro, obrigatória, feita pelo Estado, ao cidadão, para restituição a um evento futuro (e por sinal, remunerada de forma acintosa).

Mas, para acusarmos o FGTS de “empréstimo compulsório”, primeiramente devemos provar a sua natureza tributária. Vejamos, então, a definição de tributo, dada pelo nosso Código Tributário Nacional, em seu artigo 3º: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sansão de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

Para tornarmos o conceito mais palatável ao leitor desabituado à técnica do texto legal, a definição dada pelo CTN diz que: a) “é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se pode exprimir”: é um valor a ser pago de forma obrigatória.; b) ...que não constitua sansão de ato ilícito,...”: que não seja, por exemplo, uma multa.; c)...instituída em lei...: todo tributo deve (pelo menos por princípio) ser oriundo de lei, exarada de corpos legislativos.. e d) ...e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada...: significa que não há espaço para negociações – havendo-se configurado o fato gerador do imposto, este tem de ser cobrado, e conforme estritamente o que preceitua a legislação..

Assim, fica provado que o FGTS é, sem metáforas, pura e simplesmente tributo, tal como o seu irmão, o “empréstimo compulsório”. A definição de tributo encaixa-se perfeitamente a ambos os institutos, isto porque não se apresenta o termo “não restituível”, como complemento da expressão “prestação pecuniária compulsória”. Ademais, o fato de ambos determinarem a restituição da quantia recebida pelo Estado não lhes retira a qualidade de tributo, pois a denominação e demais características formais adotadas pela lei, bem como a destinação legal do produto da arrecadação, são irrelevantes para caracterizar a espécie tributária, conforme dispõe o art. 4º do CTN. A restituição da quantia exigida configura-se, então, como mera medida administrativa.

Como segundo elemento de prova, confrontemos algumas características básicas do empréstimo compulsório, confrontadas com as do FGTS:

Competência exclusiva da União para instituí-lo: cabe perfeitamente a ambos,

A aplicação dos recursos vincula-se à despesa que fundamentou sua instituição: para o empréstimo compulsório, os elementos do art. 148 da CF/88 e para o FGTS, a lei nº Lei nº 5.107, de 13/09/66.

É tributo restituível: serve para ambos.

Não é perene. Só pode continuar a ser exigido, enquanto permanecerem as circunstâncias que permitiram sua instituição. Quanto ao EC, as hipóteses do art. 148 da CF/88; quanto ao FGTS, a situação de emprego do trabalhador.

É obrigatória a previsão de devolução da importância arrecadada ao contribuinte, pela lei que criar o empréstimo compulsório, sob pena de configurar-se o confisco tributário, proibido pelo art. 150, IV, de CF/88: a ambos o conceito serve com igual rigor.

Vimos aqui que, a não ser em pormenores específicos, o empréstimo compulsório nada tem de diferente do FGTS. Cumpre-nos agora reforçar a nossa tese com as respostas às principais argumentações que são colocadas em sua defesa:

Quem paga o FGTS não é o empregado, mas o empregador. Será mesmo? Imaginemos, por exemplo, um dado empresário, a admitir seu empregado: irá ele definir o salário sem pensar no custo do FGTS, para só então à data de depositar fazê-lo? Obviamente que não, e o empresário que agir assim estará prestando vestibular para a sua falência. A verdade é que todo empregado tem um custo, que se integra a uma realidade econômica, do qual o salário efetivamente pago, líquido, é apenas uma parte. Há quem apresente o contra-argumento dos chamados pisos salariais, pois neste caso não haveria escapatória. Mas este argumento é falso, pois não exclui a possibilidade de o empregado receber seu salário maior, acrescentado dos 8% que lhe foram tomados. Ademais, o mero valor do atual salário-mínimo não é um indicativo óbvio do contexto econômico X tributário em que vivemos?

O FGTS é uma vantagem para o trabalhador, em função da multa de 40%. A multa indenizatória, por si só, já é algo bizarro, pois o FGTS foi criado justamente para substituir a indenização por demissão involuntária. Em todo caso, comparadas as diferenças entre a capitalização dos juros pagos pelo FGTS e as que uma pessoa receberia, por exemplo, pela poupança (eu pensei no investimento mais básico possível), verifica-se, por meio do cálculo dos juros compostos (desconsiderando-se a TR, pois esta se presta à atualização monetária e desejamos aqui raciocinar em termos de valores atuais.) que:

I) por volta do 16º ano de aplicação, seus rendimentos terão pago, além dos que o FGTS pagaria, TODA a multa indenizatória, com uma importante diferença: este pertence ao seu dono, incondicionalmente!

II) No 35º ano, a multa estaria paga QUATRO vezes! É importante destacar que, se o trabalhador vier a se aposentar, sem ter sido demitido, não perceberá a multa indenizatória!

O FGTS é vantajoso para o trabalhador, pois serve para o financiamento da casa própria. Este argumento não tem fundamento. Primeiro, porque a quantia arrecadada, utilizada pelo Estado, tende a criar erros de expectativa econômica: num ambiente de recessão econômica, a oferta excessiva de imóveis promoverá o desinteresse e o calote, o que significará incorporadoras e empreiteiras quebradas, cujo resultado final será um rombo no saldo do Fundo. Num ambiente de prosperidade econômica, é plenamente inútil, pois haverá ofertas de financiamento possivelmente mais vantajosas. Isto tudo sem levar em conta as possibilidades de desvio e corrupção. Se o dinheiro estiver à mão da população, ao invés de pertencer a um Conselho, teremos milhares de oportunidades de negócios, motivadas não só para a casa própria, mas a cada campo onde possa se vislumbrar o atendimento de uma necessidade pela população, inclusive com a criação de produtos exportáveis. Os trabalhadores poderiam se reunir em grupos de investimentos, com oportunidades de contratar especialistas e assim fomentar negócios e empregos.

O FGTS funcionaria a bem do trabalhador, pois seria uma “poupança forçada”. Este argumento nem sequer mereceria uma resposta. Aquele que pensa assim assina um atestado de imbecil: declara-se cidadão civilmente incapaz, por prodigalidade confessa. Porque defender uma “poupança forçada”, se esta poderia ser livre? Aliás, nem poupança seria, pois esta remunera pelo dobro.

Concluindo: a) o FGTS é tributo, assemelhado ao empréstimo compulsório; b) Quem o paga é o trabalhador, e c) é, tanto para o trabalhador, quanto para o empresário, bem como para economia de todo o País, um péssimo negócio.

Contudo, o que me deixa mais atônito é a sua defesa desesperada e intransigente por parte dos trabalhadores, em especial, dos seus sindicatos e dos partidos políticos em geral. Dos primeiros, há de se esperar algum nível de ignorância. Dos segundos, muito mais de más intenções. Defendem a manutenção do ECD, pois estão muito mais empenhados no seu programa ideológico do que em defender os interesses dos seus associados.

Enfim, ao contrário do que afirmei há alguns parágrafos acima, reformei o meu entendimento sobre a crise brasileira: crises efetivamente são transitórias. Então o Brasil não está sofrendo uma crise – palavra que não se pode dizer para um fenômeno que já dura décadas. Está sim, indo para o brejo, e a passos seguros.