quinta-feira, 7 de abril de 2011

Dilema cubano: quem deve ir para a lida no campo?

Por Klauber Cristofen Pires

Vez ou outra fuço nas colunas digitais dos periódicos cubanos para extrair dali alguma pérola. O grão valioso, com tenho dito, consiste em revelar o que está por detrás da fala do repórter ou colunista, ou seja, aquilo que ele confessa mesmo sem querer sobre o regime ao qual deve lealdade de morte, por mais que se esforçe por vangloriá-lo, ou vá lá, mediante a sua visível falência até aos olhos mais cegos, só justificá-lo.

Noutro dia, li com ternura sobre uma articulista que reclamou de uma amiga sua por sugerir-lhe colocar uma bela planta de que falava em um vaso novo e bonito. Segundo a própria, a sua amiga incorria em um crime de lesa-humanidade por insistir no consumismo fútil e supérfluo, enquanto ela preferia a charmosa "lata grande de extrato de tomate" para servir de acomodação ao seu lindo arranjo floral, de acordo com as suas convicções reciclatórias. Comovido, fiquei a imaginar a beleza naïve que seria contemplar a orquídea que temos em nossa sala elegantemente sustentada por tal bela lata enferrujada de molho de tomate e pensei: "- puxa, como sou egoísta!"

Ôpa, mas neste mato tem coelho! Lata grande de extrato de tomate? Desde quando um cidadão cubano tem uma coisa destas às mãos? Por acaso a governo anda distribuindo latas grandes de extrato de tomate ne tal da "libreta"? Por acaso a autora é tão ardorosa fã da cozinha italiana que decidiu comprá-la no mercado paralelo em detrimento de um milhão de outros bens mais necessários e urgentes? Nem no Brasil ou nos Estados Unidos, creio, eu, as pessoas se dão a comprar extratos de tomate em porções não familiares. Alguns supermercados, mesmos os grandes, nem vendem isto! De pronto, recordei de um artigo publicado originalmente pela Folha/Uol e que reproduzi em meu blog "Cubano por trinta dias", cujo oportuno trecho destaco abaixo:

COMIDA ROUBADA Fui perseguido por duas mulheres que acenavam com uma lata imensa de molho de tomate e gritavam "15 pesos! É para os nossos filhos!" Não parei, mas depois percebi que havia cometido um erro. Ao preço de 15 pesos por uma lata em tamanho restaurante, o molho de tomate seria uma pechincha. Comida roubada é a mais barata. E nada poderia ser mais normal em Cuba do que caminhar carregando uma lata gigante de alguma coisa.


Se eu estou acusando a coitada de ter roubado ou comprado a tal lata roubada (enquanto continha o molho em seu interior)? Sei lá, a conclusão fica por conta dos leitores....
 
Desta vez, leio uma coluna de Luiz Sexto, um dos articulistas mais fervorosos da revolução cubana, intitulada "La espina y el campo", onde pretende dizer umas poucas e boas a um leitor que lhe perguntou por qué ele não larga de sua atividade como periodista para ajudar na lida do campo. O indagado, que por pouco não o respondeu grosseiramente, tratou de remeter-lhe esta que considerou ser uma incontestável resposta:  ¿Por qué ciertos habitantes del campo no trabajan en la agricultura? Una encuesta de principios de los 90, detectó que en municipios agrícolas solo el uno por ciento laboraba en faenas de la tierra.


Em outras palavras, o ilustre homem das letras caribenho crê que nascemos tais quais as formigas, já formatadas desde o berço para determinadas tarefas. Nasceu em uma região agrícola? Ora, então você tem de ser agricultor!
 
Claro, não vou omitir a primeira parte de sua argumentação, aquela que fala sobre o funcionalento harmônico da sociedade, cujos termos são estes:
 
"Mi airado corresponsal no se percata de que hace unos años dejamos por semanas y meses oficinas y redacciones, incluso fábricas, y el problema continuó pendiente de solución. En lo que atañe al periodismo, la sociedad necesita también de la prensa y de la cultura, también de las oficinas, para funcionar y desarrollarse armónicamente. Por supuesto, si abunda lo improductivo por sobre lo productivo, se establece un desbalance perjudicial."
 
Concordo com o colunista de Juventud Rebelde: a sociedade tem grande necessidade do periodismo (jornalismo), muito embora isto não exista em Cuba, senão por órgãos oficiais de propaganda, o que é lá muito outra coisa, dos quais ele é mais um dentre outros bonecos de ventríloco. E obviamente, uma agricultura poderosa necessita de equipamentos, produzidos, claro, pelas fábricas, bem como por insumos, estradas, energia elétrica e  um milhão de outras coisas que só um verdadeiro sistema capitalista pode prover.
 
O que reputo por interessante é que o apelo do cidadão cubano comum me atinge diretamente, afinal, sou um palpiteiro de blog, o que me faz comparar-me ao indignado escritor da ilha-penitenciária castrista. Atinge-me, em tempo, por um verdadeiro sentimento de pena e simultaneamente de medo. Como  cidadão de um país ainda relativamente livre, sou um profissional urbano porque...porque....porque...simplesmente quero! Não me sinto nem um pouquinho constrangido em reconhecer o mérito dos que produzem no agronegócio, já que neste país, este trabalho, que fazem tão bem, é produto da vontade deles próprios, pelo que sói receberem muito lucro, pelo menos quando tudo dá certo.
 
Na sociedade cubana, este tipo de problema não se resolve tão facilmente, vez que o destino dos seres humanos é decidido, em última instância, pelo partido comunista. Quanto a este aspecto, soa legítima a reclamação do nosso anônimo cidadão. Coitado: o socialismo não lhe sorriu...

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