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terça-feira, 24 de janeiro de 2006
A sociedade liberal e a visão de futuro
por Klauber Cristofen Pires em 17 de setembro de 2004
(Publicado no site Mídia Sem Máscara e no Instituto Liberdade)
Resumo: Em uma sociedade liberal o governo não toma todos os recursos dos cidadãos, o que gera poupança, e regras estáveis facilitam o planejamento.
© 2004 MidiaSemMascara.org
Desde há aproximadamente duas décadas, os brasileiros têm sido testemunhas de uma crescente e intensa campanha, diga-se, em prol da educação. Educação, aqui, que deve ser entendida como a grade curricular escolar, fornecida ou dirigida pelo Estado.
Tamanha mobilização encontra as suas origens em teorias formuladas por alguns setores da intelectualidade brasileira, que enxergaram na questão da educação, especialmente a educação pública, a fórmula ideal com que serão solucionadas as nossas graves mazelas, tais como o desemprego, os baixos salários, a violência e a criminalidade, os meninos de rua, a corrupção estatal, a sonegação fiscal, a conservação do meio ambiente, e quiçá o “resgate” da cidadania.
Não por pouco, a imaginação parece não encontrar limites em se tratando das iniciativas promovidas pelo Estado, a fim de reduzir ou, segundo metas mais ousadas, eliminar o analfabetismo em nosso país. Praticamente de tudo já se inventou, mas, não obstante, parece-nos cada vez mais patente que a evasão escolar aumentou, que o nível de instrução parece cada vez mais decair, e que as ditas mazelas que se pretendia eliminar, estão, em verdade, aumentando em quantidade e gravidade.
De início, era o ensino básico público e gratuito. Os nossos governantes de então entendiam que era necessário estabelecer um mecanismo pelo qual todos os brasileiros partiriam de um mesmo marco de oportunidades. Todos alfabetizados, todos aptos a buscarem seus caminhos por meio do próprio suor, não interessando quem chegasse na frente.
Mas verificou-se que, não obstante ser o ensino público gratuito, a evasão continuava. A merenda escolar foi então, a descoberta do momento. Por meio da merenda escolar, o jovem, interessado no alimento, permaneceria na escola.
Entretanto, escola pública gratuita com direito a merenda não se fizeram suficientes para um “Brasil melhor”. A questão não era mais proporcionar a todos os cidadãos um mesmo ponto de partida. Passou a ser incentivar a mobilidade social: os filhos dos abastados, alegava-se, perpetuar-se-iam indefinidamente no topo da pirâmide social através das gerações, e viu-se nisto um grave mal. Àqueles imigrantes que comiam farinha de milho todos os dias com o objetivo de fazer poupança para seus filhos freqüentarem a escola e quem sabe, a universidade, sobrou o encargo de ajudar a colocar nela os filhos de quem não quis se submeter a tais privações. Então entraram em cena as universidades públicas, por meio das quais os ingressos das camadas mais pobres teriam acesso às profissões de nível superior, tudo gratuitamente. Ninguém jamais tocou no assunto de que Brasil tem sido, desde a sua independência, um dos países com maior fator de mobilidade social no mundo. Contam-se nos dedos as famílias tradicionais que têm se mantido no topo da pirâmide social desde então. Mas isto são detalhes...
Que tal? Serviço pronto? Não! A evasão não diminuíra, nem os pobres. Mas, o que estava então acontecendo? Bingo! Não havia tanta evasão assim. O que havia era um número impressionante de reprovações. Bem, isto é fácil de se resolver: vamos aprovar a todos! Eu me lembro muito bem dos argumentos da época, e o principal era o de que a reprovação causava um trauma psicológico no jovem, que o faria inexoravelmente desistir da escola no próximo ano. Sim, desde então assumir as conseqüências pelos próprios atos passou a ser algo traumatizante... . O que ninguém explicou é como um jovem que, ano após ano, permanece sem entender das quatro operações básicas, poderá um dia defrontar-se com a fórmula de Báskara ou, quiçá, com o cálculo diferencial e integral.
Razoável? Claro que não. A evasão ainda continua enorme. Bem, então encontramos a causa: eles são obrigados, pelos pais, a trabalhar para o sustento da família, e assim, faltam às aulas. A solução não poderia ser outra: pagar-lhes uma bolsa mensal, a bolsa-escola!
Bastante? Ainda não. O vestibular passou a ser encarado como o vilão do momento. O problema é que ele nivelava por igual todos os candidatos, coisa inadmissível em um país como o nosso. Como os alunos das escolas privadas possuíam melhor nível de instrução do que os alunos das escolas públicas, apesar de, em média, apresentarem notas mais baixas, conveniente foi criar sistemas paralelos de seleção. Assim, surgiram os métodos de reserva de vagas aos alunos de melhores notas. Ninguém ousou perguntar se um aluno que detém as melhores notas, naturalmente passaria no vestibular, mas, como dissemos, são detalhes...
E agora, chegamos ao “finalmente”? De jeito nenhum! Já estão em implementação as reservas de vagas para os negros, e em estudo as reservas de vagas para os alunos da rede pública. Mas não termina aqui a saga estatal do ensino: já há governos que prometem também o uniforme, o material e o transporte e assistência médica.
OK? Então vamos, por favor, agora resumir: um jovem da rede pública receberá um pagamento para freqüentar a escola, que será gratuita, como gratuitos também são os livros, os materiais e o uniforme. Não precisa se preocupar: o ônibus escolar virá buscá-lo em casa, para desfrutar a merenda, gratuita. Estudar? Não precisa: o governo vai aprová-lo ano após ano, até que se ingresse na universidade, (mesmo sem sequer saber interpretar um texto de jornal) e de lá saia como médico, engenheiro, ou advogado.
Bem depois de tanto estímulo à educação, pergunto: porquê as famílias de classe média, mesmo a baixa, tendo de arcar com todos os custos duplamente, isto é, para si mesmos e para os que estudam pelo estado, é que têm mesmo assim conseguido mais sucesso na vida escolar e na vida profissional, estatisticamente? Porque estes jovens, mesmo trabalhando, conseguem se formar em faculdades, privadas ou mesmo estatais, e assim galgar um melhor padrão de vida?
Finalmente! Finalmente chegamos ao cerne da nossa questão. Perdoe-me o leitor, mas era necessária toda esta exposição somente para demonstrar que a verdadeira causa do desinteresse pelo ensino público jamais esteve em comento. Não sabemos aqui se por ignorância, ou por se revelar um elemento reprovador da ideologia que tem consagrado todas estas políticas fracassadas que acabamos de demonstrar.
O que pretendemos provar, é que o desinteresse pelo ensino público, malgrado todos os esforços dos sucessivos governos, e com forte impacto na evasão escolar, não advém das alegadas dificuldades de os pobres arcarem com os custos do ensino, mas da extrema falta de visão de futuro!
Em uma sociedade erigida sobre os princípios liberais, a visão de futuro coordena não apenas a ida da criança à escola, mas todos os aspectos da vida: a viagem, o casamento, a profissão, a casa própria, o próprio negócio... . Como o governo não intervém no modo como as coisas são feitas, os métodos se multiplicam, e resistem no tempo aqueles que se provarem mais eficientes. Como o governo não intervém no bolso dos cidadãos, sobra para poupar. Como as regras são iguais para todos e estáveis, é possível planejar. Aí reside toda a questão.
Se voltarmos ao universo dos usuários do sistema público de ensino, em sua grande maioria constituída de pessoas das classes mais pobres, observaremos que estes jovens não dispõem de nem uma fonte sequer que lhes proporcione uma visão de futuro.
Isto porque a classes mais humildes do Brasil já se adaptaram a um estilo de vida que se baseia fortemente no amparo estatal. Vítimas de um sistema que faz delas as primeiras beneficiárias, desconhecem por completo que também são suas primeiras vítimas. Ignoram que a cada “vale-qualquer-coisa” que recebem, o governo arrecada exponencialmente muito mais, por meio dos impostos que lhes roubam a oportunidade de um emprego digno. Quem sobrevive comendo na mão do governo, aos poucos vai perdendo o senso de ambição e empreendimento, bem como os meios com os quais poderia se lançar a alguma ação em benefício próprio.
E é deste cenário humilhante que sai o jovem em direção à sua escola pública. Lá, ele convive com outros jovens que estão em mesma situação, ou seja, não há integração social pela qual ele pudesse observar experiências diferentes das suas. Impedido de trabalhar por conta da legislação trabalhista, desconhece as técnicas comerciais e os ofícios, bem como dos segredos das relações humanas e das relações de responsabilidade (principalmente como a do uso do dinheiro, ou dos graus profissionais que poderia galgar numa empresa). É apartado à força da vivência com outros cidadãos mais experientes, que poderiam dar-lhe bons conselhos e abrir-lhe os olhos de muitas coisas que desconhece.
A este ambiente pobre de vivência, soma-se a baixa qualificação dos professores, tão desmotivados quanto os alunos, pois sabem que nunca subirão na carreira, nem receberão um centavo a mais, por efeito do sucesso de seu empenho, mas por conta da simpatia e da política. Soma-se também o enaltecimento pela propaganda ideológica, em detrimento da transmissão do conhecimento, bem como a adoção dos métodos os mais desastrosos, que transformaram alunos em mestres e mestres em alunos.
Finalmente, os meios televisivos darão o tiro de misericórdia: ao ver que somente as meninas que dançam semi-nuas sobre garrafas e rapazes que jogam bola ou tocam pagode é que vencem na vida, perguntará a si mesmo, o que adianta estudar, se, formado, vai passar desempregado ou com um salário miserável, não muito mais do que ele irá ganhar guardando carros, como seu pai. (O que não deixa de ser uma análise verdadeira: neste país estagnado há décadas, por conta de tantos impostos e tanta burocracia, é este mesmo o destino esperado de tantos e quantos novos profissionais que chegam ao mercado de trabalho...).
Num sistema liberal, tudo acontece de maneira diferente: tudo, ou quase tudo, é bancado pelo próprio cidadão. Mas ele não esmorece. Poupa, sabendo que não haverá um confisco da poupança, nem a corrosão do valor do seu dinheiro. Poupa, porque, pagando poucos impostos, sobra para poupar. Poupa, tanto quanto entende que a poupança não passa de um apenas “aparente” sacrifício, mas vital para a conquista de um melhor padrão de vida no futuro. Poupa, porque sabe que a poupança é que é o verdadeiro motor da sua prosperidade e de seu país, e porque será aplicada em investimentos cuidadosamente planejados.
Estuda, porque sabe que isto certamente o levará a um padrão melhor de vida. Estuda, porque sabe que um emprego o aguardará, ou porque, já empregado, disto depende sua promoção. Estuda mais ainda, porque sabe que este emprego não será vitalício, e pode mesmo desaparecer. Estuda, porque paga, e sabe o quanto isto lhe custa. Estuda segundo o método e na escola que lhe parecer mais conveniente, segundo uma avaliação de custo-benefício voltada para o mercado, ou seja, para a satisfação da comunidade em primeiro lugar, e não da sua. Estuda para uma profissão cuidadosamente escolhida, segundo seus dons, seus recursos e suas análises pessoais do futuro.
No sistema liberal, não há desperdício. São formados tantos profissionais quanto o mercado pede, e ninguém tem de arcar com isto, a não ser os próprios interessados (que podem ser mesmo os patrões). Por conta da justa oferta de profissionais, os salários tornam-se melhores. Ninguém sairá a trocar de faculdade sem nenhum critério definido, nem cursará mais faculdades do que entende necessário para seu desenvolvimento pessoal. No sistema liberal, sabe que poderá trabalhar para custear seus estudos, ou, alternativamente, conseguir o patrocínio de outrem.
Visão de Futuro! Integração Social! Ambição! Isto é o que nos falta!
O autor é membro do Fórum Federalista.