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terça-feira, 28 de março de 2006

Direitos Políticos X Direitos Jurídicos

Por Klauber Cristofen Pires

Publ. em Parlata, em 29/03/2006.
Publ. em DiegoCasagrande.com.br, em 29/03/2006.
Publ. em O Estadual.com, em 06/04/2006.
Há alguns dias atrás, estive em Manaus, a trabalho, e, ao dirigir-me ao local de reunião, percebi a presença, na central dos ônibus coletivos, de um senhor, evangélico, a pregar a palavra divina.

Lá estava ele, vestindo um terno surrado sob o calor úmido e "preguento" de Manaus e, empunhado a Bíblia Sagrada, interpelava os transeuntes a conheceram das passagens dos testamentos. O que me chamou a atenção foi tê-lo reconhecido desde que eu morava em Manaus, em 1998. E desde este tempo, ele permanece a cumprir a tarefa que elegeu para si. Pelo jeito, também estava lá bem antes daquela época.

Em meio à indiferença dos passageiros apressados, aos arranques ruidosos, aos ambulantes e enfim, a este observador curioso, o homem não vacilava; não posso deixar de registrar aqui o testemunho da sua fé: em duas ou três tentativas, era eu perceber não estar recebendo a devida atenção e já abandonaria o local, desanimado. Mas o nosso persistente pregador possivelmente tem consciência que o negócio dele não é com as pessoas que passam, mas com o próprio Deus. Neste sentido, não posso deixar de admirá-lo, e por que não, até mesmo invejá-lo.

Hoje, residindo em Belém, é sempre deste senhor que eu me lembro quando, ao voltar do trabalho para casa, deparo-me, nas avenidas Presidente Vargas ou Nazaré, com mais uma passeata. Nesta cidade, onde abundam belas e amplas praças, bem como outros tipos de espaços públicos, propícios para toda a sorte de aglomerações, as manifestações sociais soem ocorrer com freqüência justamente nas artérias mais importantes, e não poucas vezes, à hora do almoço. De tão freqüentes, desconfio se já não estejam programadas mediante uma escala de revezamento.

Para o amigo leitor que talvez ainda não tenha percebido a correlação entre o pregador evangélico de Manaus e as passeatas de Belém, estou a falar sobre a liberdade de expressão e de reunião, e de quando estes instrumentos são usados para o aperfeiçoamento da democracia, ou, ao contrário, para aniquilá-la.
Será justo que um indivíduo, ou algum grupo humano, no afã de exercer o direito de se reunir e de se expressar, simplesmente desconheça direitos alheios e equivalentes? Serão as pretensões políticas de uns, mais dignas de proteção pelo Estado do que os direitos jurídicos de outros?

A nossa Constituição Federal, confusa e contraditória, apelidada de "Constituição-Cidadã", afronta o princípio da igualdade de direitos perante a lei para albergar o desrespeito entre cidadãos, em nome da valorização exagerada de direitos que nos foram negados no passado. Não sem razão, Ney Prado afirmava que esta constituição foi feita com os olhos voltados para o passado (1).

E o exemplo que desta afirmativa está sintetizado na Carta Maior quando prevê, em seu artigo 5º, inciso XVI - "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;".

Bem entendido, o dispositivo constitucional visa a proteger os cidadãos contra os arroubos de totalitarismo, que o Estado, a pretexto de manter a ordem, pode agir com desvio de finalidade, apenas com o intuito de sufocar dissidentes. No entanto, esqueceram nossos constituintes de que os direitos de uns terminam quando começam os dos outros. No caso em tela, milhares de belemenses são impedidos de chegarem a seus destinos, por conta de gente (quase sempre, por sinal, os mesmos rostos) que usa da lei não para expor as suas idéias, mas para impô-las, pelo método de, sem eufemismos - seqüestrar - dos seus semelhantes, o direito de ir e vir.

Os direitos políticos são muito importantes, sem dúvida. As liberdades de expressão e de reunião formam o berço imprescindível das novas leis, tomara que cada vez mais justas e perfeitas, a garantir a prosperidade de nossa sociedade. Mas elas não devem se sobrepujar, em um legítimo estado democrático, aos direitos jurídicos já estabelecidos. O meu desejo de transitar em uma via que foi construída com a finalidade de propiciar passagem, às horas mais críticas, a milhares de veículos dos habitantes desta Santa Maria de Belém do Grão-Pará, constitui-se em sólido direito jurídico, isto é, já foi reconhecido e pacificado, e à custa de muito sofrimento. Não convém, portanto, sufocá-lo no altar de reivindicações que ainda precisam ser assimiladas e aprovadas pela sociedade.

Se, a pretexto de defender pretensões ainda não estabelecidas de forma democrática, sonega-se a proteção aos direitos jurídicos pré-existentes, o resultado será uma eterna roda viva de lindas novas leis e o exercício de nenhum direito - bem assim como o de nenhum dever. Este é o verdadeiro retrato de um estado bárbaro.

Muito antes de existir o inciso XVI, aliás, muito antes de existir o Brasil, os helênicos já utilizavam as praças para a prática de oratória. A existência de um digno homem a pregar em uma parada de ônibus marca o apogeu da tradição dos povos livres ocidentais, forjada por séculos de aventuras. Este homem respira a atmosfera da humanidade, a reconhece e a respeita. A qualquer um será dado dizer que ele é "piegas", "cafona", "quadrado", sei lá, mas ninguém poderá dizer que ele desrespeita, agride ou constrange seus conterrâneos. Que seu exemplo toque as mentes mais eufóricas e impetuosas. Que fique este singela lembrança aos que pensam haver só direitos, desacompanhados dos respectivos deveres.

(1) "As Constituições brasileiras têm apresentado vícios e peculiaridades específicas, razão por que se sucederam atabalhoadamente. Sem falar das mil e uma emendas que sofreram ao longo dos anos. Sempre foram elaboradas contra alguma coisa, em repúdio a algum sistema ou até a grupos e pessoas.
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Os notáveis, para não ficar atrás, fizeram um texto contra o regime que acabou de ser substituído a 15 de março de 1985. Poderiam até dispor de fortes motivos para tanto, como a nação inteira dispõe. Sua obrigação, porém, seria a de dar a volta por cima e pensar no futuro. Jamais ficar punindo o passado. Porque não chegaremos a parte alguma enquanto continuarmos a agir olhando para trás, tentando dirigir de marcha à ré, pelo espelhinho retrovisor."
(NEY PRADO, Os Notáveis Erros dos Notáveis, p. X a XI, Forense, 1987)

2 comentários:

  1. Prezado Kláuber,

    Havia também um pregador cristão aqui em Belém que ficava empunhando um volume da Sagrada Escritura na esquina da Avenida Presidente Vargas com a Rua Carlos Gomes, no bairro de Comércio, o qual não incomodava ninguém, os transeuntes permaneciam com seu direito de ir e vir assegurado.
    As pessoas normais conseguem evitar a chamada "colisão de direitos", como o chama o senhor Zeno Veloso, de forma natural, o que não ocorre com manifestantes comunistas e fascistas. Esses estão sempre gerando algum tumulto. É um absurdo.
    As palavras do mestre Olavo de Carvalho são sempre proféticas de fato: o esquerdismo (fascista ou comunista) é uma desorientação moral profunda e uma doença espiritual.

    Abraços do amigo,

    JOÃO EMILIANO MARTINS NETO

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  2. Prezado Kláuber,

    Eu esqueci de dizer também que o esquerdismo na sua forma "light", social-democrata, terceira via ou "soi disant" a favor do "welfare state" faz parte como esquerdismo que é da desorientação moral que nos fala Olavo de Carvalho. Vide a última entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso à revista Veja em que ele diz que é de esquerda porque é favor de sofismas como igualdade e justiça social.

    Abraços,

    JOÃO EMILIANO MARTINS NETO

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