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sexta-feira, 9 de junho de 2006

Um País Catando Migalhas

Por Klauber Cristofen Pires

Ultimamente, tem sido recorrente acompanhar pela TV ou pela mídia impressa, reportagens sobre aproveitamento de alimentos. Dia sim, dia não, em um ou outro canal da tv, aparece mais um programa destes em que um grupo de mulheres se reúne para ensinar às outras como juntar e moer as cascas de ovo ou de raízes, ou de sementes de abóbora, e assim por diante. Para dar aquele senso de respaldo, nutricionistas dão depoimento sobre as qualidades nutricionais ou terapêuticas e, por fim, o quadro fecha com um sorriso do repórter que provou a iguaria da vez.

Que aqui mesmo seja pedida a licença de interromper o raciocínio em andamento para, oportunamente, afirmar que não se trata de defender o desperdício. De fato, e corretamente, saber como administrar o lar de maneira eficiente é um conhecimento extremamente útil, para todas as famílias, pobres ou ricas. Não fazer mais comida que o necessário, ou aproveitar de modo econômico e racional as sobras do almoço, são coisas que todos podemos ter a consciência de aprender, e que a todos nos faz bem, tanto no plano econômico como no moral e ético. Quem não ouviu de seus pais que desprezar a comida do prato é pecado?

Por isto mesmo, é conveniente acompanhar tais reportagens com olhos críticos. Administrar o orçamento doméstico por inteiro, e não somente em relação ao aproveitamento das suas compras de feira, é a questão. Por exemplo, geralmente, estas sobras não são palatáveis, sem a adição de porções significativas de farinha, leite, óleo ou açúcar. Ora, se é necessário adicionar tais ingredientes somente para aproveitar um pequeno resto de algo que de outra maneira seria descartado, então não se está economizando, mas gastando!

Pensemos também que, na maioria dos lares, tais restos são tão poucos que o tempo diário utilizado no seu aproveitamento os torna especialmente antieconômicos. Acompanhe-se o seguinte exemplo: adquirindo cerca de R$ 15,00 de (bons) ingredientes, pode-se produzir cerca de quarenta unidades de salgados que, vendidos ao preço de R$ 1,00 cada, trarão aproximadamente R$ 25,00 de lucro. Isto pode ser feito sob um tempo muito menor do que, digamos, moer todos os dias três cascas de ovos durante um mês! Com este dinheiro, dá para comprar 16 litros de leite integral tipo longa vida, ou cinco latas de leite em pó integral, que são produtos industrializados e de boa qualidade, e que vão proporcionar muito mais cálcio e nutrientes (sem dizer leite é muito mais gostoso...).

Pensando por outro lado, causa sensação de paradoxo quando se observa a montanha de recursos gastos nisto que tem se transformado em uma gigantesca campanha nacional: programas em horário nobre, páginas inteiras de jornais e dezenas de ONG’s não podem existir sem expressivo dote de recursos, que bem poderiam ser explorados em investimentos geradores de riqueza e empregos.

Paradoxal também é observar como jamais se viu tamanha mobilização em torno das cascas, caroços e sementes, justamente em um momento em que o dinheiro público nunca dantes fora tratado com tamanho descaso. O testemunho de tanto desperdício, má utilização e, quando não, o puro desvio - de recursos dos impostos que todos nós, trabalhadores, quer seja na função de empresários, empregados ou autônomos, pagamos com o suor de nossos rostos, somente remete ao descarado cinismo quando assistimos, cansados e resignados, às grandes farras no Jornal Nacional, para depois aprender como reaproveitar a borra de café no Globo Repórter!

Isto lembra imediatamente da Coréia do Norte, cujo povo é orientado pelo governo a comer grama, e forçado a trabalhar em uma tresloucada corrida armamentista nuclear, enquanto seus governantes vivem de nababescas extravagâncias.

Hoje nós, famílias abastadas, medianas ou pobres, temos todos, de contingenciar nossos orçamentos, em alguma medida. O rico deixa de investir, o de classe média deixa de adquirir um bem para o seu lar e ao pobre lhe falta o alimento ou o remédio, tudo isto, para somar bilhões e bilhões de reais para os governos, recursos que têm sido usados para qualquer tipo de coisa, menos para aquelas às quais consignamos ao estado fazer, tais como manter estradas ou prover saúde e segurança. Mas, recursos para financiar gangues de vândalos - ora bolas - para isto não falta dinheiro.

E qual a resposta que nos chega? “- Ora, vão comer cascas”!

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