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quinta-feira, 26 de abril de 2007

Não se Confunda Estado Laico com Estado Ateu

Por Klauber Cristofen Pires

É preciso separar bem duas coisas: há o Estado ateu, e há o Estado laico. As duas instituições não se confundem. O primeiro declara que Deus não existe, e proíbe a existência das religiões, ou, no máximo, as aceita como manifestações folclóricas. É o que aconteceu na ex- União Soviética e vige na China e em outros países, salvo engano, todos comunistas.

O segundo trata-se apenas de um arranjo político, encontrado como forma de encontrar a paz entre cidadãos de diferentes religiões. Como bem ensinado por Ludwig von Mises, em Ação Humana, as guerras religiosas são as mais drásticas, porque não admitem negociação; como tudo se trata de dogma, ou o plano de uma determinada religião se impõe sobre os outros, ou sucumbe ante eles. Não há saída.

No Estado Laico, o que não se permite é que se utilize o Estado para beneficiar cidadãos em detrimento de outros, com base em preceitos religiosos. Os acontecimentos que têm sido noticiados na Internet, sobre pessoas que são proibidas de se manifestar quanto às suas crenças em locais mantidos pelo Estado, principalmente em países como EUA, Inglaterra e Alemanha, não configuram a conseqüência da aplicação plena deste princípio político, mas justamente de sua desvirtuação.

Neste sentido, o Brasil está dando lição aos seus países amigos. Em nossa sociedade, o Estado é laico, mas não proíbe, por exemplo, que um cidadão faça as suas orações. Pelo contrário, a Constituição Federal oferece várias garantias, dentre as quais citamos os incisos VI, VII, VIII e IX, todos do Artigo 5º, aqui transcritos “in verbis”:

Art. 5º, VI: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e seuas liturgias;

Art. 5º, VII: é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;

Art. 5º, VIII: ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se da obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Art. 5º, IX: é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Como servidor público federal, posso dar meu testemunho pessoal de que em meu local de trabalho ninguém é proibido de fazer suas orações ou manifestar seu credo. Pelo contrário, em quase todas as mesas dos meus colegas de trabalho encontram-se Bíblias, crucifixos, folhas-calendário e imagens de santos. Nas datas comemorativas, os servidores realizam novenas, peregrinações e autos de Natal. Nos dias de sábado, em que há concurso público, é garantido àqueles que o guardam disporem do direito de fazer a prova depois do período de abstenção das atividades mundanas (Eles são confinados em uma sala especial, vigiada pelos fiscais de prova).
Note-se, que em todos estes casos, não se trata de uma manifestação do Estado Laico, mas de seus servidores ou cidadãos, que são pessoas humanas. O Estado é que é laico: o cidadão ou o servidor, não! Portanto, o que um Estado laico não pode fazer, é privilegiar o culto a uma religião específica, ou os cidadãos crentes de uma religião específica, em detrimento dos demais. Nenhum servidor público pode, por exemplo, tratar melhor um católico do que um evangélico ou ateu. Nenhum hospital público pode alegar abster-se de atender a um paciente, em razão de sua fé. Isto é sim, o que significa o Estado laico, e isto é muito bom.

Compreensível é a preocupação de uma corrente de pensadores conservadores, no tocante ao temor de haver um propositado abandono dos valores morais quando o Estado repele qualquer manifestação religiosa em suas estruturas físicas. Por outro lado, é mais que conhecida a atuação política de ramos da Igreja Católica e de outras igrejas protestantes, o que desautoriza plenamente confundir ateus com comunistas.

Não obstante, olhando pela via inversa, devem os conservadores entender que seus dogmas não podem ser garantidos via força do Estado. O motivo pelo qual os conservadores apóiam-se no estado para a garantia de seus dogmas religiosos é o mesmo pelo qual Ludwig von Mises, em seu último discurso, explicou o motivo pelo qual as pessoas apóiam tanto o socialismo, cujos excertos aqui não podem ser desprezados:

“As pessoas aceitam o socialismo do ponto de vista de suas próprias idéias. Elas estão inteiramente convencidas que todas as outras pessoas deveriam ser forçadas a adaptarem-se a este sistema, o qual certamente elas consideram como o melhor e o único sistema possível.”
...
“Se nós assumirmos que este sistema terá também a força para determinar tudo o que um indivíduo faz com respeito ao que são comumente chamados de “problemas religiosos”, nós deveremos assumir também que tal sistema de socialismo deveria adotar um sistema religioso específico. Isto faria com que todos os outros sistemas religiosos passassem a se tornar sistemas de minorias perseguidas.”
...
“Considerando-se as condições socialistas nós nunca pensamos que este sistema socialista poderia forçar as pessoas a fazer coisas que elas consideram as piores possíveis.”

Do exposto, compreende-se o quão seria conveniente ao conservador garantir os valores morais de nossa sociedade por meio do estado. Todavia, ele precisa ter em mente de que ele não gostará nada da idéia se por acaso subir ao poder o representante de um grupo rival (ou oposto), que venha a lhe impor uma nova visão de mundo, ou de Deus.

Mas, e como fica a nossa grande questão, ou seja, como resguardaremos os nossos valores morais? Novamente, recorro ao velhinho judeu-austríaco: os valores morais não se transmitem geneticamente. A cada nova geração, precisamos transmitir todo o nosso legado para os novos seres humanos que nascem. Estas novas pessoas receberão as informações, as processarão e formarão suas próprias convicções (ainda que permaneçam as mesmas dos seus antepassados). Daí ser inapropriada a convicção de que podemos criar um sistema social baseado puramente em tradição, ou de que os indivíduos não possam criar as suas próprias opiniões.
Se há uma tradição a ser mantida (mas a cada geração, confirmada), ela o será pela própria sociedade, isto é, por cada um de seus cidadãos, que serão os eternos vigilantes dos atos do Estado, e, ao contrário do que sustentam, por sua vez, alguns ateus, no plano do debate nas casas legislativas, esta tradição pode ser apresentada como argumento, sob pena de cerceamento da liberdade de expressão. Isto porque, o que às vezes se aparenta irracional, guarda uma racionalidade apreendida por milênios. Convém lembrar a ambos, finalmente, que deverão ter em mente de que leis devem ser aplicadas a todos os cidadãos, por igual.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Rompendo com o Conformismo

Por Klauber Cristofen Pires

Sexta-Feira passada, dia 23/04/2007, comparecemos, eu e minha esposa, a uma reunião de pais de alunos, promovida pela escola de minha filha, hoje cursando a 2ª série (1ª série, na nomenclatura antiga). A mesma havia sido marcada para que os professores pudessem apresentar algumas avaliações sobre a turma, mas principalmente, para também dar instruções sobre o dia da cultura brasileira e japonesa (a escola é de origem nipônica), um evento que, para nós, é uma festa junina combinada, com apresentações e vendas de artesanato e comidas brasileiras e orientais.

Confesso que eu estava meio sonolento, enquanto os professores davam detalhes sobre as roupas das crianças e que tais, e uma coisa tão corriqueira não seria de modo nenhum uma notícia ou motivo para um artigo se eu não tivesse sido acordado abruptamente quando ouvi a palavra “grileiros”! Neste momento meus olhos instintivamente se abriram, e meio que perdido no discurso, procurando me colocar dentro do desenvolvimento da conversa, um comentário de um casal, questionando a influência da Igreja Católica no tema da apresentação das crianças serviu-me para me dar tempo de ficar desperto e me posicionar dentro dos acontecimentos.

A objeção do casal proviera da explicação da professora, que informara que o tema para a apresentação das crianças seria a Amazônia, por ser um tema em evidência haja vista a Igreja Romana estar promovendo neste ano um tema afim, por meio de sua Campanha da Fraternidade. A família, adepta do Budismo, manifestou a sua preocupação com relação ao fato de não haver um catequismo infiltrado no tema, coisa que eles não gostariam com relação ao seu filho.

Todavia, eu, que tenho origem católica, percebi outro fato, este sim, digno da minha objeção. Aquela palavra que me despertara, “grileiros”, fazia parte da explicação da professora sobre como as crianças iriam desenvolver as apresentações. Então eu lhe expliquei que não gostaria de ver temas carregados de tons políticos, e que eu não aprovaria a participação de minha filha caso assim fosse mantido.

Ao ser solicitado por maiores explicações, eu a procurei fornecer, à professora, que me pediu, e aos demais pais, consciente do extremo cuidado e comedimento com que teria de expor as minhas razões, para que o debate não se desvirtuasse, sob pena de ser conduzido a um caos. Expliquei então que as crianças estão em idade mui tenra para tratarem de problemas tão polêmicos, que, de tão complexos, nós mesmos, adultos, ainda não sabemos convenientemente como lidar. Também expliquei que o modo como a ICAR está conduzindo a Campanha da Fraternidade reveste-se muito mais de um posicionamento político do que propriamente religioso.

Mas a explicação dada, por mais cuidadosa que tivesse sido, não foi suficiente para se evitasse criar uma acalorada discussão na sala. As perguntas se me amontoavam, e de tal modo, sem que isto representasse para mim uma surpresa, mas apenas para trazer ao leitor o retrato do tipo de reação que sofri, pelo fato de serem expressas de forma totalmente desconexa com a minha proposta. As reações expressadas pelas demais mães concentravam-se em indagações ligadas, sobretudo, aos méritos, ora da Campanha da Fraternidade, ora da escola, ora dos próprios conceitos políticos ali sugeridos. Perguntaram-me - quase sempre em tom inquisitório - se eu tinha algo contra a escola, ou contra a Campanha da Fraternidade; se eu era católico, e mais, se eu tinha algo contra os “temas sociais” ali sugeridos. Então reiterei que não se tratava de aceitá-los, mas, sobretudo, de evitar a todos, como forma de assegurar às crianças um ambiente sem pressões, no qual elas possam adquirir o conhecimento e se instruírem, para que no futuro tenham a capacidade de formular suas próprias opiniões, e arrematei, citando o site do movimento Escola sem Partido (http://www.escolasempartido.org).

Em destaque, uma das minhas maiores opositoras no momento foi uma mãe que se declarara “educadora”, a qual nos declamou um longo discurso carregado de termos tais como a necessidade de “conscientizar” as crianças, “justiça social”, “sociedade racista”, “políticas públicas para o ensino”, e assim por diante. Interessante como, muito “democraticamente”, aquela senhora afirmava em tom categórico que “a escola, tem, sim(!), que tratar destes temas, e que eu não deveria “manter a minha filha dentro de uma redoma” (...). Reitero aqui, em resposta àquele “tem, sim, que...” que eu havia apenas proposto me afastar do evento, jamais influenciar determinantemente o destino dele (Quanto a manter minha filha sob o manto da ignorância – ora bolas, logo ela...que fora promovida de classe no início do semestre!).

Quando já há muito eu me calara, por solicitação sábia da minha esposa, ainda ouvíamos o discurso acalorado daquela senhora (que àquela altura já tinha desfiado todo o programa político dos partidos de esquerda), mas enfim, uma voz de uma mãe, por muito bem expressa que fora, soube colocar os termos de forma mais bem apropriada que eu houvera feito, veio em nosso socorro e pacificou a questão.

Do fato, as conclusões que tirei foram as seguintes: primeiramente, houve uma grande surpresa de todos. O extremo conformismo ou adesismo com que costumamos receber certas notícias, principalmente quando vêm de representantes da escola ou da igreja fez com que aquelas pessoas se vissem totalmente desprevenidas com a minha objeção, daí o amontoamento de perguntas e reações dispersas. Creio que a metade dos pais não se expressou, limitando-se a observar cautelosamente o desenrolar da trama. A discussão então se deu mais ou menos entre um quarto contra e outro a nosso lado. Finalmente, creio que minha reação foi bem sucedida, quando, após a reunião, vários pais vieram me pedir o endereço do site do movimento Escola sem Partido.

A quem me lê, eu finalizo aqui simplesmente dizendo que um fato como este, no meu tempo de aluno, jamais ocorreu, nem ocorreria. Pais e professores tinham uma idéia muito clara do que era educação e do que era política, e um ato de infiltrar elementos políticos sob o pretexto de educar não seria visto senão como algo escandaloso e vergonhoso. Em nossos dias, ao contrário, tímido, cauteloso, tive de ser eu, ao denunciar algo tão óbvio. Nossos valores mudaram muito. E para pior. Está na hora de mudar. Pais e mães, por favor, atentem-se com o que está acontecendo na escola de seus filhos. E não tenham a vergonha de denunciar tais atitudes, e de se contrapor a elas. São seus filhos que estão lá. Pensem neles. Não se deixem enganar por tais “políticas públicas para o ensino”, que não passam senão de programas propostos por políticos inescrupulosos, que já querem formar seu curral de eleitores dóceis por meio de doutrinação prematura de nossas crianças.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Deveria a Taxa Condominial ter Natureza Tributária?

Por Klauber Cristofen Pires

Hoje li um cartaz afixado no saguão de entrada do meu prédio. Era uma mensagem enfática da nossa síndica, talvez mais propriamente um protesto, ou um lamento. A quantidade de inadimplentes, frente ao de pagadores, está conduzindo nosso condomínio a uma razão insustentável. Há moradores que já se encontram há vários anos sem pagar um mês sequer.

Até hoje, tudo o que se produziu de leis e decisões judiciais têm resultado em clara vantagem para os infiéis. Ao síndico - e diga-se – aos moradores que cumprem com suas obrigações – já se proibiu afixar os nomes dos devedores no cartaz de avisos do prédio; já se proibiu até mesmo indicar somente o número do apartamento; já se proibiu suspender o fornecimento de serviços tais como interfone, tv interna, correios, entregas de serviços “delivery”, ou vedação de uso do elevador e piscina, por exemplo; e muitas outras restrições mais (as quais, em leitura inversa, significam prêmios para os inadimplentes). Tudo em nome do “direito de moradia”.

Uma dos maiores equívocos já cometidos tem sido o de considerar a taxa condominial como um serviço comercial, isto é, sujeito ao Código de Defesa do Consumidor. A primeira conseqüência deste ato insano foi o de determinar uma multa máxima de 2% por atraso no pagamento da taxa mensal de condomínio. Observe-se o tamanho do disparate: consideremos que o atraso de pagamento de um morador tenha resultado em atraso de pagamento da fatura de energia elétrica. Ora, a multa a ser aplicada ao morador, caso seja de 2%, será muito menor que a multa que o condomínio terá de pagar à distribuidora de energia, mesmo que esta também cobre uma multa de 2%, e esta diferença tanto se acentuará quanto maior for o condomínio, o que, por via indireta, prejudica justamente os prédios das classes sociais menos abastadas.

Uma vez eu vi um comentário muito certeiro de uma diretora de colégio, que, para o nosso caso, sofre dos mesmos arremedos do populismo, desta ditadura da maioria em que vivemos: sustentava que as pessoas não costumam atrasar luz, celular ou consórcio do carro, e até muitas vezes nem sequer a academia ou clube, mas atrasam as mensalidades escolares! Isto acontece simplesmente por que podem, porque a lei lhes dá este direito.

Sendo a taxa de condomínio, aliás, muito bem e propriamente denominada sob o aspecto tributário, sendo senão um rateio de despesas, entre as quais se enquadram até mesmo os impostos tais como IPTU, não seria o caso de conferir à taxa condominial um status de natureza tributária? Peço ao leitor para que não se estranhe, pois não seria a primeira vez que entidades privadas gozassem de tal poder; por exemplo, as entidades do sistema “S” (Senai, Senac, Sesi, Sesc...), assim como também os órgãos de classe (OAB, CREA, etc).

Raciocine o leitor: se o IPTU ou INSS, ao não serem pagos, podem conferir ao Município ou à autarquia federal o direito de requerer a penhora do patrimônio do Condomínio, então também este não deveria gozar exatamente do mesmo direito com relação ao condômino inadimplente? Não será melhor que o condômino inadimplente venda seu imóvel (ou que seja leiloado, por ordem judicial) para pagar as taxas condominiais, do que expor ao risco o bem comum e à depreciação acelerada os bens privados dos demais moradores?

Tenho alimentado esta discussão há bastante tempo, e somente agora, com certa segurança, é que proponho esta idéia. Em verdade, meu grande receio é o de haver uma corrupção da lei, isto é, a de que a taxa condominial passasse a ser objeto de monitoração por algum ente estatal, com uma gradual transferência de recursos para os cofres públicos e aí por diante. Hipótese sombria, convenhamos... e por isto mesmo possível...

Todavia, não dá para pararmos de querer fazer o certo com medo antecipado de que o errado virá. O errado sempre vem. Basta querer. Basta deixar. O que não podemos mais é autorizar este estado de coisas. Nas cidades brasileiras, os problemas com inadimplência são alarmantes, e os condomínios entram rapidamente em estado de decadência, muitos deles com dívidas trabalhistas, previdenciárias e tributárias impagáveis. Seja qual for a solução sistêmica a ser adotada, o essencial é que os condomínios necessitam de instrumentos legais que lhes confiram mais garantia e celeridade para o recebimento das suas taxas.

A extrema benevolência com que o Estado trata o morador inadimplente em nome de um assistencialismo disforme e abstrato gera, a curto e longo prazo, maiores custos de moradia para todos os demais co-proprietários, traduzidos primeiramente, em um aumento desnecessário da taxa condominial, e a seguir, na própria desconfiança em adquirir imóveis em condomínio, pois o adquirente já não saberá se estará fazendo um investimento ou comprando “uma bomba”.