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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Cortando o Marx pela Raiz


Por Klauber Cristofen Pires

As teorias econômicas de Karl Marx já haviam sido refutadas em sua própria época, de tal modo que, após ter publicado o primeiro volume de “O Capital”, Marx se entrega, aos 49 anos, na plenitude de sua atividade idealista, ao mais absoluto anacorismo intelectual (os volumes seguintes foram publicados por Engels após a morte do amigo, quase trinta anos depois). Quanto a isto, interessante relembrar esta passagem de Ludwig von Mises, em sua obra-prima “Ação Humana”:

(...) Há quem sustente que Marx não entregou aos seus editores o manuscrito original, por ter visto demonstrada a invalidez da célebre teoria da mais-valia; por ter percebido que era indefensável a tese do salário vitalmente necessário, assim como o dogma fundamental do progressivo empobrecimento das massas no regime de mercado (2 ed, p. 80.)

Em pleno século XXI, quando o mundo todo já conheceu empiricamente as catástrofes humanas que resultaram da aplicação de seus princípios, não deveria fazer mais sentido comentar sobre a inconsistência das idéias do pustulento barbudo alemão. Como enfatiza o filósofo Olavo de Carvalho, hoje em dia o movimento revolucionário internacional almeja tão somente o poder político e dir-se-ia, espiritual ou psicológico, para com ele dominar as sociedades.

A estatização generalizada da economia é passível de não mais se repetir na história (na verdade, nunca existiu em sua completude, mesmo na União Soviética), embora tenhamos presenciado no Brasil uma progressiva participação direta do estado no refino de petróleo e na produção de seus derivados, bem como na siderurgia, sem contar que andam aventando também a estatização da exploração petrolífera na camada do pré-sal e da telefonia interurbana. Ainda assim, o que parece mais crível é que, em termos gerais, o estado almeje a obtenção de recursos via aumento da carga tributária, reservando-se o direito de intervir na operação das empresas quando lhe bem convier (tendo-se como fato que já não há quase mais nenhum aspecto de conveniência e oportunidade que reste aos empresários).

Não obstante, são justamente estes fundamentos que ainda são servidos nas escolas e faculdades, e são sobre eles que toda a ideologia de esquerda ainda se constrói no Brasil. A obra de Raymond Aron, “As Etapas do Pensamento Sociológico” (tradução de Sérgio Bath, 5ª ed. – São Paulo, Martins Fontes, 1999), que tem servido como um dos clássicos nas aulas de sociologia, apresenta diversas objeções ao pensamento de Karl Marx, todavia, sempre em termos históricos ou filosóficos, de tal modo que, de certa forma, salva-se praticamente intocada a teoria da exploração pela mais-valia e a idéia da superestrutura ideológica, a que os burgueses utilizam para sobrepujar os oprimidos e legitimar o regime capitalista.

Cumpre, então, demonstrar, sob uma forma simplificada e de fácil assimilação para os leigos em economia, as objeções de natureza econômica, tal como fundadas pelos pensadores Jevons e Menger, com a teoria subjetivista do valor, mais tarde aperfeiçoadas por Ludwig von Mises e que deram origem à Escola Austríaca de Economia.

Indagava Marx qual seria a origem do lucro, uma vez que nas trocas (diretas) há igualdade de valores. Marx entendia que as trocas diretas (escambo), em que as pessoas trocavam coisas não-úteis por coisas úteis, não ensejavam a oportunidade para lucro e acumulação de riquezas. Conforme Aron: “Como é possível adquirir pela troca o que não se possuía, ou, quando menos, ter mais do que o que se tinha no ponto de partida?” (obra citada, p.140).

Paralelamente, o ideólogo das revoluções tinha em mente que o valor agregado a um produto originava-se na quantidade do trabalho aplicada aos materiais. Assim, por exemplo, o valor de um lápis traduziria um repasse de um custo constante da madeira e grafite, adicionado ao trabalho necessário para transformá-lo num bem de uso. Com as duas premissas superpostas, não haveria outra solução senão a de aceitar que o lucro resulta da exploração da mão-de-obra, por ele cunhado de “mais-valia”.

Entretanto, ainda que admitida a conclusão supracitada, a lógica não é um método destinado a comprovar a veracidade das premissas, e este é o trabalho a que nos daremos aqui; conseqüentemente, refutadas as bases para o fundamento da mais-valia, desmorona-se todo o edifício da doutrina marxista.

Dizia Marx, como vimos, que as trocas se davam entre bens de igual valor. Diante do problema, convém analisar a natureza da troca. Em que consiste? Ora, a troca nada mais é do que uma espécie da categoria “ação humana” como bem definido por Ludwig von Mises, em sua obra homônima. A ação humana, por sua vez, pode ser definida como o comportamento consciente e propositado do homem que visa a transferi-lo de uma situação de maior desconforto para outra posterior, de menor desconforto. Em um mundo onde tudo fosse dado e todas as coisas perfeitas, o homem não agiria, mas viveria, por assim, dizer, como um vegetal.

Conseqüentemente, se a ação visa a uma melhoria do bem-estar daquele que age, e se a troca é uma espécie de ação humana, então, necessariamente, uma troca não deve envolver bens de igual valor, o que nos leva a concluir que a natureza da troca não é a igualdade, mas sim a desigualdade do valor atribuído às coisas; ora, se troco maçãs por pêras, forçoso é que, para mim, as pêras são mais valiosas. Não existe um estado intermediário entre a não-troca e a troca. Por outro lado, se as maçãs me valessem tanto quanto as pêras, não haveria interesse de minha parte e seguiria com as minhas maçãs.

Demonstrada a natureza de desigualdade na relação da troca, que na verdade, trata-se de uma mútua desigualdade (tanto quanto as pêras são mais valiosas para mim, as maçãs são mais valiosas para o meu interlocutor), resta agora analisarmos o valor, e a partir destes dois conceitos reformulados, explicar como o mecanismo de troca pode levar ao enriquecimento de ambas as partes, isto é, como podem ensejar a acumulação de riquezas, e para tanto recorremos a Mises: “Valor é a importância que o agente homem atribui aos seus objetivos finais. (...) Valor não é algo intrínseco à natureza das coisas. Só existe em nós; é a maneira pela qual o homem reage às condições de seu meio ambiente” (Ação Humana, p.98).

Como há de se entender, o valor é a importância que o consumidor há de atribuir a algum produto. O valor, portanto, parte do bem de consumo (a critério do consumidor) para a linha de produção, e não vice-versa. Um exemplo muito claro pode ser dado com os telefones celulares. Ora, praticamente não há diferença entre a quantidade de horas trabalhadas num modelo mais antigo há seis meses atrás e hoje; todavia, em face da existência dos modelos mais novos, os lançamentos, os modelos antigos somente conseguirão sair das prateleiras por preços mais módicos. Em vários casos, estes modelos alcançam a obsolescência, e então nada pode ser cobrado por eles. Valem mais como sucata.

Agora, as teorias das vantagens absolutas e relativas, respectivamente da parte de Adam Smith e David Ricardo, explicam porque as trocas não significam a exploração de uma parte pela outra, mas sim uma ajuda mútua, que a ambos faz enriquecer.

A Teoria das Vantagens Absolutas pode ser explanada mediante o seguinte esquema: suponhamos que Fulano produza, em um determinado período, 300 maçãs e 500 pêras, considerando-se que aplica metade do seu tempo disponível para cada cultura. Enquanto isto, Ciclano produz, nas mesmas condições, 200 maçãs e 600 pêras. Assim, a produção de cada um é de 800 unidades de frutas, entre maçãs e pêras. Admitamos, porém, que eles decidam se especializar na cultura da fruta em que cada um se sai melhor: Fulano produzirá apenas maçãs, e Ciclano, somente pêras. Ao fim do período produtivo, Fulano terá produzido 600 maçãs, e Ciclano, 1200 pêras, e efetuadas as trocas, Fulano e Ciclano contarão então, cada um com 900 unidades de frutas, o que significa que ambos enriqueceram em 100 frutas cada um.

Mais Tarde, Ricardo aperfeiçoou a teoria de Smith, e por meio da Teoria das Vantagens Relativas logrou demonstrar que também ambos enriqueceriam juntos, mesmo que Fulano fosse melhor do que Ciclano em todos os aspectos. Tido que Fulano produzisse 400 maçãs e 500 pêras, enquanto Ciclano, 300 maçãs e 300 pêras, ainda assim a especialização seria mutuamente proveitosa, desde que Ciclano, mais destacado do que Ciclano em pêras do que em maçãs, produziria 1000 destas, enquanto seu parceiro produziria 600 maçãs. Como se vê, a produção anterior total, de 1500 unidades, passou a ser de 1600 unidades, que poderá ser compartilhada pelos parceiros, seja qual for a proporção com que decidam realizar as suas trocas.

Conforme demonstrado, a relação trabalhista não é fundada em exploração do trabalhador; antes, empregador e empregado compartilham a acumulação de riqueza, ainda que esta se dê em níveis desiguais, sem o que o assalariado simplesmente deixaria de aderir ao contrato de trabalho; outrossim, não é o trabalho passível de mensuração para fins do estabelecimento do valor das mercadorias, porque o valor é um dado individual e subjetivo - são os consumidores que definem o que deve ser produzido e em que quantidade, e o empreendedor é aquele que, antecipando-se às necessidades ou desejos dos consumidores, avalia a possibilidade e assume o risco de atendê-los, mediante a sua capacidade de prever os custos dos custos e vislumbrar algum lucro.

Um comentário:

  1. Caro Klauber:

    Creio que a mais completa objeção à teoria do valor-trabalho já realizada foi escrita por Eugene Von-Böhn-Bawerk, que foi professor do Mises. O Instituto liberal, nos idos dos anos 1980 publicou o capítulo do livro Teoria Positiva do Capital de Boeh-Bawerk em que ele destroçava as teorias do valor trabalho, incluindo a de Marx e de outros socialistas. Creio que é um livro que vale muito a pena ser lido e divulgado.

    Um abraço.

    Fernando R.

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