Por Lucas Mendes,
Conforme provocado, eu estava lendo os jornais de fim de semana, e constatei que todos os editoriais afirmam compulsivamente o clássico chavão: a crise é do capitalismo!
Na esteira disso, significa aquela história bem conhecida: o livre mercado é em si gerador compulsivo de surtos irracionais de crescimento, euforia, motivado pela ganância dos homens que conduz a uma situação insustentável que, para corrigi-la, somente a ação do bem-feitor desta humanidade egoísta: o nosso velho amigo Estado.
Surpreendentemente (nem tanto, confesso), é que TODOS, jornalistas, economistas, burocratas, artistas, jogadores de futebol, atrizes pornôs e por aí vai, repetem esta estória falacíssima. Porém, uma leitura, mesmo que rápida, nos escritos dos economistas austríacos, começando por Ludwig von Mises num de seus tratados de 1912 (veja, 1912!) verifica-se que a grande causa das crises econômicas como a de 1929 e esta que estamos vivendo é fruto não do liberalismo econômico, da ganância dos investidores, mas sim do intervencionismo estatal, ou seja, da ausência de liberalismo econômico.Explico: os economistas austríacos notaram que quando o governo injeta moeda em excesso na economia - e ele tem vários meios para fazer isto, seja imprimindo moeda papel, seja gastando mais que arrecada, seja baixando os juros a canetaço - ele estará emitindo sinais para os agentes econômicos de que existe mais poupança para investimento do que a realmente existente (existe uma lei econômica que revela que sem poupança não existe investimento). Portanto, estas intervenções estatais têm um poderoso poder de decidir os rumos da economia. Basta os burocratas usarem a máquina. O problema é que estas medidas artificiais de impulsionar o crescimento trazem consigo um custo altíssimo. Injetar moeda na economia é como dar álcool para o alcoólatra. No início gera euforia; se insistir, resultará numa cirrose hepática, para dizer o mínimo.
É o que o ocorre quando o governo injeta moeda no sistema econômico. No início, mais pessoas têm acesso ao crédito, o dinheiro fica barato, projetos de investimentos que antes da política artificial eram inviáveis, agora se tornam viáveis. O cálculo econômico utilizado pelos investidores sinaliza que os planos de investimentos em unidades de produção devem ser levados a cabo. Todos correm em busca de crédito, pois ele existe e está barato, e inicia-se uma fase de expansão. Mais empregos, consumo e riqueza são gerados. O problema, é que se o governo levar adiante esta medida, em breve haverá um impulso inflacionário. E aí se ficar o bicho pega, se correr o bicho come. Se o governo insistir na expansão monetária, a moeda começa a perder seu valor, e os agentes começam a "ver" que os preços estão subindo a cada dia. Aumenta a incerteza, vem o pânico. Em suma, dar mais álcool ao bêbado, levá-lo-á ao coma ou a morte. Então, o governo se vê obrigado a aumentar os juros, a adotar políticas restritivas. E o que, na prática, isto representa? Aumento dos juros, menos gasto público, menos tinta na impressora da casa da moeda. Estas medidas, por seu lado, simplesmente anunciam aos investidores que seus projetos anteriormente iniciados se revelaram inviáveis, que simplesmente não são mais lucrativos. Começa um período de demissões e quebradeira. A expansão inicial se transforma em crise e depressão.
É isto o que ocorreu em 1929 e é precisamente isto o que está ocorrendo agora. Nada de crise do capitalismo ou das "forças irracionais do mercado". É a mais estrita crise das forças irracionais do Estado intervencionista. De novo e sempre!
Dizer que os economistas foram incapazes de prever mais esta crise, como todos alardeiam por aí, é ignorância e prepotência de classe. Os economistas austríacos, para quem acompanha os site http://www.mises.org/, vem insistentemente, ao longo dos últimos tempos, anunciando que o artificialismo gerado pelo FED desde 2003 estava com os dias contados. Que a crise em breve viria. Mas quem dá ouvidos à economistas que defendem o Estado mínimo; que exigem a ausência total dos tentáculos do Estado operando no sistema econômico? Imagina quantos poderosos encastelados nos governos e na ONU estariam desempregados se dessem ouvidos aos economistas austríacos!
Por fim, vejam que interessante e elucidativo este esquema aqui: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=168E, se tiver um interesse geral, este guia da crise é muito revelador: http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=162
Até meses atrás só quem lia inglês tinha acesso a estes textos. Graças ao esforço de alguns guerreiros, agora, nós brasileiros, estamos tendo acesso a eles via o site do Mises Brasil. Mas, mesmo assim, é imperdoável ver "especialistas" dizer que ninguém previu a crise, ou o que é ainda pior: que a crise é do liberalismo econômico ganancioso. Bela empulhação.
O que propõem os austríacos para solucionar a crise?
Depois dessa crise gerada pelo intervencionismo estatal no sistema econômico e da ilustrada explicação fornecida pelos economistas associados à escola austríaca de economia, convém questionar quais as soluções - se é que existem - que os "austríacos" fornecem para debelar tal crise e recolocar a economia nos trilhos do crescimento econômico sustentável [1].
Sim, os austríacos não apenas parecem fornecer a mais sólida e reveladora explicação das crises econômicas como a que ora vivemos, mas também propõem soluções. A solução austríaca, como é de se intuir, passa ao largo das soluções que estão sendo sinalizadas mundo a fora, a saber, a criação de pacotes econômicos de ajuda financeira às instituições falidas ou à beira de falir. Ou seja, os austríacos mantêm-se distante de tentar curar o alcoólatra moribundo com ainda mais cachaça.
Via de regra, entendem que a crise deve ser solucionada com políticas econômicas restritivas, não porque tratam-se de um mecanismo de ação estatal em si, mas porquê elas são as únicas saídas para reordenar a economia e colocá-la de volta no lugar de onde nunca deveria ter saído: nos trilhos da realidade econômica. Medidas como a) reposicionar os juros, isto é, elevá-los à níveis condizentes com a disponibilidade real de poupança, b) cortar os gastos públicos, c) não imprimir moeda-papel, devem ser adotadas pelos governos a fim de evitar o colapso do sistema.
Certamente, estas medidas terão um custo, com maior desemprego, falência de certas indústrias etc. Mas este remédio amargo é inevitável e necessário para colocar a economia de volta nos trilhos. Vencida a crise e restabelecida a normalidade do mercado, os austríacos ainda têm mais proposições a fazer, e não são poucas. De fato, entra-se aí numa discussão interna, pois alguns contemporâneos, por exemplo, defendem uma atuação estatal bastante tímida, diria passiva, deixando o mercado o mais livre possível, evitando distorcer a sua estrutura. Outros, porém, como Mises e Rothbard, argumentam a favor da extinção total de todos os BCs e de toda e qualquer intervenção do Estado, inclusive no âmbito tributário, por entenderem que tais intervenções apenas e somente agravam a economia. Neste caso, sugerem a volta do padrão ouro, o sistema monetário genuinamente de mercado, ou, então, como originalmente Hayek propôs, defendem que os bancos, em regime de concorrência, emitam a sua própria moeda, e os agentes econômicos escolheriam livremente qual moeda utilizar em suas transações. Hayek pretende combater o monopólio do Estado em emitir moeda, pois considerava que o monopólio na oferta de moeda não tem incentivos para permanecer previdente, sendo o grande causador das graves crises econômicas.
Mas, para encerrar, e apesar destas contendas que valem a pena serem melhor analisadas, uma coisa é certa: os austríacos são ardorosos defensores da menor intervenção possível do Estado na atividade econômica. Estão convictos que deixar o Estado afastado da economia é como deixar a bebida longe do ex-alcoólatra.
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Lucas Mendes tem 27 anos, é formado em Economia com MBA em Gestão Empreendedora em Negócios e atualmente faz Mestrado em Filosofia Política na UFSM. É o dono do famoso blog Austríaco.
[1] Uso o termo "sustentável" no sentido de crescimento econômico persistente, sem graves distúrbios como o atual. Portanto, nada a ver com o modal termo usado na discussão de cunho ambiental.
Bastante infeliz a ilustração desta postagem!
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