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quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Quem nos defenderá do defeso?

Por Klauber Cristofen Pires

É o estado, e não os pescadores, quem pratica a ação predatória: ao conceder o seguro-defeso, patrocina a venda do pescado por um valor menor do que valeria, mantendo assim artificialmente uma atividade anti-econômica, e consequentemente, antiecológica.
É como no desenho do Pica-pau, quando mostra a fábrica de palitos de dente onde cada um deles é confeccionado a partir do desbaste de um tronco inteiro...
Há alguns dias atrás assisti a mais uma daquelas recorrentes notícias de apreensão de pescado "ilegal" pelo Ibama, agora em Santarém/PA. O script é quase sempre o mesmo: barco e peixes apreendidos, pescadores foragidos, a destinação a um órgão de assistência, e os holofotes aos fiscais garantidores da lei.

Já foram também várias as vezes em que tenho denunciado esta situação, qual seja, a de o estado perseguir pessoas por meramente exercerem as suas atividades comuns, e a questão ambiental é especial neste quesito. O quê? Eles desobedeciam a lei do defeso? Ah, sim claro! Tal como o faziam os judeus na Alemanha dos anos 30! Eles também eram foras-da-lei: andavam nas calçadas, por exemplo (o lugar deles, pela lei, eram as sarjetas). Mas esperem que também vou ser teimoso: questão de necessidade.

Enquanto oficiais do governo posam com vistosas estrelas, uniformes e caminhonetes blindadas, orgulhosos pelo bem cumprido esforço em perseguir pessoas que trabalham e produzem, a criminalidade campeia solta em todo o Brasil, e especialmente no Pará.

Talvez o que ainda não tenha dado um enfoque especial seja sobre a questão do defeso, especialmente sobre o seguro-defeso. Nas próximas linhas, vou demonstrar aos leitores como este ato de intervenção do estado sobre a vida das pessoas - e frise-se, idealizado por ecologistas e sociólogos - pode acarretar um dano muito maior ao meio ambiente e às populações acolhidas por estes pseudo-intelectuais do que as toneladas ou meia dúzias de maparás, tambaquis e pacus que vão parar nas mãos do Fome-zero.

Analisar questões assim não requer muito esforço - existe uma fórmula e um roteiro - basta aplicá-los. A fórmula é esta: "toda intervenção estatal produz efeitos colaterais mais danosos que o mal que pretendia combater"; e o roteiro nós o seguiremos agora, atrás das pessoas que estão envolvidas neste processo...

Comecemos pelo seguro-defeso. Ele assegura aos pescadores um pagamento de um salário-mínimo pelo período que durar a proibição de pesca de uma determinada espécie, geralmente pelo motivo de ser a época da reprodução. Somente no Pará, mais de trezentos mil pescadores artesanais são beneficiados pela medida! Olhe o custo de tudo isto!

O que isto significa? Em primeiro lugar, isto significa que você e eu pagamos mais pelo peixe do que o nominalmente cobrado nas feiras e supermercados, já que ele é subsidiado pelo estado. E isto tem uma consequência duplamente funesta: a ação da pesca é anti-econômica, já que os pescadores precisam receber sem produzir (o montante da venda do pescado não é suficiente para patrocinar a atividade pelo período de entresafra), e significa também que a demanda pelo pescado é maior do que haveria caso fosse cobrado um valor correto pelo pescado, ou seja, capaz de manter o pescador em casa espontaneamente por tal período de reprodução da espécie, assim como o agricultor necessita esperar pela época da colheita.

Agora convido o leitor a procurar pensar o que poderia acontecer se o seguro-defeso não existisse. Se você avençou que muitos pescadores abandonariam a profissão, não pare por aí: você está certo. Aqui a questão é: que mal há nisto? Permanecendo apenas os pescadores naturalmente mais aptos e bem estruturados, isto significaria uma redução da oferta do pescado, e por consequência, uma oportunidade ampliada para a multiplicação das espécies.

A idéia da preservação de colônias pesqueiras é fruto da invencionice de sociólogos e políticos que enxergam nisto oportunidades para seguirem as suas carreiras. O peixe não está dando? Vamos fabricar móveis, tecer roupas, enfim, realizar qualquer outra atividade. Ninguém nasce pescador. Não existe no Brasil um regime de castas que obrigue alguém a ser pescador pro resto da vida. Mas um seguro-defeso pode ter o dom de adiar esta decisão por um período por demais prolongado, talvez até indefinido.

Mas, e então? O preço do pescado subiria? Talvez sim, mas isto somente informaria aos consumidores para serem mais comedidos ao comprar peixe. Peixe? Somente em dia de festa! E viva a preservação ambiental! Ocorre que há um problema: dado que a carne bovina predomina na dieta de proteínas no Brasil, é ela que serve de parâmetro para o estabelecimento do preço do peixe, já que é a opção mais procurada e viável. Logo, a hipótese de um aumento desmedido deve ser afastada, sob pena de mais uma parcela de pescadores abandonar o barco, o que novamente nos levaria à boa notícia do aumento da população piscosa.

Agora, temos três variáveis: uma população naturalmente reduzida de pescadores; uma demanda não atendida por peixes, e enfim, uma limitação no preço imposta pela opção da carne bovina. Como esta equação pode ser resolvida? Tecnologia. Eis a resposta. A demanda passaria a ser suprida por uma mudança da pesca artesanal para uma pesca industrial ou pela piscicultura, ambas capazes de oferecer o peixe a um preço tão competitivo quanto é o preço da eficiente pecuária e a uma quantidade que a pesca artesanal, definitivamente, não é capaz de atender.

Logo, do exposto, concluímos que é o estado, e não os pescadores perseguidos, o principal responsável pela ação predatória. Com o seguro-defeso, ele patrocina a oferta de peixe a um valor menor do que o que deveria ser praticado em condições normais de mercado, e aqui podemos tirar outra lição valiosa de economia: toda ação cujo custo sobrepuja o lucro tende a ser ecologicamente incorreta, pois acarreta desperdício de recursos. Em uma alegoria bem divertida, imagine um dos desenhos do personagem Pica-pau ao mostrar uma fábrica de palitos de dente que os produz - cada um - a partir do desbaste de um tronco inteiro!

Uma vez, ouvi de um famoso amazonólogo, hoje falecido, o Dr. Samuel Isaac Benchimol, que o que os governos deveriam fazer era investirem no povoamento dos rios. Ora, uma única fêmea é capaz de dar à luz, digo, à água, mais de cinco mil alevinos! Se cada estado do Norte mantivesse um instituto que despejasse nas águas dos igarapés os filhotes de várias espécies, esta seria pelo menos uma ação estatal bem mais eficiente, barata e pacífica do que manter órgãos de repressão para perseguir pessoas pacatas.

Depois do que vimos aqui, será que vale a pena discutir sobre as eventuais fraudes neste sistema? Poderíamos vislumbrar pescadores de fachada, que se inscreveriam no programa só pra receber o auxílio? Naqueles que, como as notícias apontam, o recebem e descumprem o defeso, praticando a pesca? E que tal os que fazem tudo isto e se safam subornando as autoridades? Podemos também imaginar um ou mais sindicatos de pescadores cujos dirigentes que vão ganhar dinheiro fácil sem pescar, com ou sem defeso? Melhor não...deixemos isto de lado... isto seria impensável...não é?

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