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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Cada Abel vem sempre com o seu Caim

Por Klauber Cristofen Pires

Um bom exemplo de como o vírus do mal nos acompanha aonde vamos pode ser retirado da história americana. A despeito do que digam os livros escolares, quase sempre tão eivados de tintas patriotescas, desde os primeiros dias daquela gigantesca nação houve quem, dentre os próprios founding fathers, tramasse contra aqueles mesmos princípios fundidos no cadinho do confronto contra a tirania do mercantilismo inglês, tão enaltecidos na constituição...
Noutro dia eu estava apreciando um bom café da manhã, quando, sem fazer nada, verifiquei o fundo da xicara, que dizia"made in China". Num instante, assolou-me um sentimento xenófobo contra o produto, como se me fizesse preocupado com os empregos roubados dos brasileiros.



Pode parecer simplório ou corriqueiro confessar este fato, mas não pra mim, que tenho convicções firmes no plano liberal. Só pra constar, esta xícara fui eu mesmo quem um dia a comprei, e talvez deva ter sido mediante uma boa oferta promocional. Claro que, quando dei por mim, censurei-me de pronto.



O exemplo de que me sirvo sem orgulho deve servir ao menos para dele extrairmos uma lição: a doutrina socialista se serve sempre dos nossos sentimentos mais primitivos. Não é outra a explicação para tanto sucesso. Domar o bicho ruim que está em nós depende do raciocinio, do estudo e da compreensão dos fatos.



No livro The Anticapitalistic Mentality, o mestre Ludwig von Mises desnuda as razões pelas quais as pessoas se deixam domar tão facilmente contra o capitalismo. Se eu puder resumir a proposta do autor em uma só palavra, afirmarei: inveja!



A inveja está presente sempre que alguém se destaca em algum setor: o sindicalismo deriva da inveja dos trabalhadores menos talentosos, que se unem para conseguir salários iguais por categoria, frustrando ou diminuindo as possibilidades de melhores ganhos para os mais dedicados ou talentosos. A inveja está nos "cousins", assim chamados aqueles parentes "aspones" que vivem do suor dos que realmente se dedicam pela empresa no seio da família, para difamar o capitalismo em suas atividades ongueiras; a inveja está entre os próprios empresários, quando buscam o estado para frear seus concorrentes por meio da legislação anti-truste, ou por meio de barreiras alfandegárias, e até mesmo nos artistas, que, nos seus círculos de crítica ou de escola da arte, idolatram por vampirismo as obras dos grandes mestres do passado, aqueles que em seu tempo, por sinal, eram obscuros.



Um bom exemplo de como o vírus do mal nos acompanha aonde vamos pode ser retirado da história americana. A despeito do que digam os livros escolares, quase sempre tão eivados de tintas patriotescas, desde os primeiros dias daquela gigantesca nação houve quem, dentre os próprios founding fathers, tramasse contra aqueles mesmos princípios fundidos no cadinho do confronto contra a tirania do mercantilismo inglês, tão enaltecidos na constituição norte-americana



Assim nos ensina Thomas J. DiLorenzo, com sua obra How Capitalism Saved America (p. 70-71), sobre um dos mais caros destes princípios:



"De acordo com a constituição, os tributos seriam uniformes por todo o território daquele novo país e destinados unicamente àquilo que promovesse o bem-estar geral - não o nem-estar de grupos de interesse. James Madison escreveu no seu famoso ensaio nas Cartas Federalistas (nº 10) que o principal propósito da constituição era limitar a violência de facção, termo com o qual se referia aos grupos de interesse especial. Se o governo fosse dominado por interesses especiais, a legislação seria o resultado do poder da maioria e não serviria ao interesse público ao à justiça. "



Não obstante, mesmo com todos os cuidados para que não ressurgissem na América os vícios do Velho Mundo, eles já vieram incubados com os primeiros colonizadores, tal como o vírus que acompanha um viajor por onde quer que vá. E assim prossegue o autor (p.73):



"Nem todos os fundadores quiseram limitar o poder do governo federal. Um grupo de homens politicamente ambiciosos desejavam um forte governo central que poderia instituir o corrupto sistema mercantilista britânico na América, sabendo que tal sistema inevitavelmente proveria um substancial poder político àqueles que o governassem. Alexander Hamilton foi o mais famoso advogado deste ponto de vista, por ter favorecido as políticas das tarifas protecionistas, subsídios pagos pelos contribuintes para empresas privadas de construção de canais e estradas, e um sistema monetário conduzido pelo governo que pudesse financiar tal patrocínio."



Toda a vida pública de Hamilton foi marcada pelo clientelismo, pela corrupção desenfreada e para o uso da máquina pública para o atendimento dos seus interesses pessoais. As obras de construção de canais e estradas, pelas quais fluíam somente privilégios e negociatas, alongavam-se interminavelmente, a ponto de alguns estados, tendo sofrido severa crise de empobrecimento, as terem proibido terminantemente. Como o primeiro chefe do Banco dos Estados Unidos, sua administração sofrível deu lugar imediatamente a uma crise inflacionária que teve como resposta de alguns entes federados a instauração de medidas retaliatórias - especialmente tributos pesadíssimos - que encorajassem esta instituição a abandonar seus respectivos territórios, e assim perdurou a sua péssima fama até tivesse sido finalmente liquidado pelo presidente Andrew Jackson, um firme defensor da constituição e um implacável inimigo desta entidade.



Outros seguidores de Hamilton foram também John Adams e imagine, Abraham Lincoln. Desde a independência, os Estados Unidos da América vêm sofrido com o avanço dos defensores de grupos de interesse, às vezes interrompendo seus progressos, às vezes até mesmo fazendo-os retroceder, mas, infelizmente, no balanço geral, a liberdade vem perdendo espaço para um estado cada vez mais agigantado, lento, ineficiente, perdulário e corrupto.



Somente com o retorno do prestígio cultural da defesa da liberdade individual e do capitalismo pelas pessoas comuns este caminho para o brejo poderá encontrar alguma bifurcação para a terra firme e de ares benfazejos. Este é o grande desafio dos americanos, e por que não dizer, o nosso também.

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