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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Obrigação ou Monopólio?

Por Klauber Cristofen Pires

O que propõe evidenciar aqui é a inversão linguística que se opera para viabilizar um discurso falacioso, qual seja, o de que o estado irá cuidar das pessoas, oferecendo-lhes saúde, educação, segurança, moradia e outras garantias que somente são pagas com as migalhas que sobram depois de tomadas dos cidadãos à força e consumidas às fartas pelos "obrigados".






Preste atenção na seguinte proposição: "João se compromete a pagar a Pedro uma certa quantia durante o tempo em que este estiver cursando a faculdade". De acordo com o estipulado, João é investido de um ônus com relação a Pedro. Contabilmente falando, temos uma saída (um despesa) na conta de João e uma entrada (receita) na de Pedro. Economicamente falando, o primeiro empobrece, e o segundo, enriquece. 

Agora, vamos tentar reformular a sentença acima, da seguinte forma: "João se compromete a vender a Pedro os produtos de sua loja". Bom, nesta segunda fórmula, quem realmente carrega um ônus? Claro está que é Pedro aqui quem se obriga, neste caso, a comprar os seus bens na loja de João, ainda que a ele sobre, secundariamente, a obrigação - pelo menos em tese  - de ter as suas mercadorias em estoque. Possivelmente o leitor há de reclamar contra a falta de nexo contida neste caso hipotético, e não sem razão. Trata-se de um absurdo tão grande que tentar elaborá-lo para fins didáticos já constitui um desafio. Não obstante, um exemplo cotidiano que pode se aproximar é o do flanelinha de se "auto-emprega" para guardar o seu carro, ou o da gang que "vende" seus serviços de segurança (contra ela mesma).

Eu disse absurdo, porque se trata de algo impensável entre pessoas com direitos iguais. Porém, quando uma das partes exerce uma supremacia sobre a outra, as coisas são bastante diferentes. É o caso do estado. Nas faculdades, tais bizarrices consagram-se em louvadas matérias de Direito Constitucional. Graças à novilíngua orwelliana, o monopólio - ou o simples poder de se auto-empregar, mesmo sem o atributo da exclusividade - transforma-se em "dever" ou "obrigação". A nossa Constituição é pródiga em expressões de sentido invertido: vide o siginificado que dá ao vocábulo "contribuição".

O termo "obrigação", tal como impresso na Carta Magna, é aquele em que eu sou obrigado a pagar ao estado, pelo preço que ele estipular, pela prestação dos seus serviços, sem dar-me o direito de abdicar deles, ou sem dar-me o direito de escolher outra alternativa. Uma obrigação em que a qualidade dos seus serviços não é medida pelos usuários, mas pelos próprios fornecedores.

O estado é "obrigado" a me prestar serviços de segurança, pelos quais me cobra o que quer, ao mesmo tempo em que me proíbe de me defender com a minha própria arma . Se a polícia não chegar na hora, eu não tenho o direito de processá-la, de tal modo que a falta de viaturas, por exemplo, pode ser uma desculpa plenamente plausível. Lembro-me de uma vez em que alguns cidadãos pediram socorro a um policial que estava dentro de um PM box, e este alegou que não podia sair dali, porque havia recebido ordens de...justamente guardar aquela cabine...

O estado é "obrigado" a me prestar serviços de educação, pelos quais simplesmente me confisca o dinheiro na fonte, ao mesmo tempo em que me proibe de educar os meus filhos segundo as minhas próprias convicções. Se os professores se ocupam mais em ensinar ideologia ou passar a vida fazendo greve, ou se a escola não tem luz nem carteiras, eu não posso processá-la.

O estado é "obrigado" a me vender uma água e de coletar o meu esgoto, que garante, sem pestanejar, serem "tratados". Pela água "potável" que me fornece, ou pelo esgoto que ele simplesmente despeja nos rios e mares sem porcaria de beneficiamento algum, por estes serviços eu devo pagar, independentemente de ter ou não uma fonte em minha propriedade da mais pura e cristalina água mineral ou a mais moderna unidade de tratamento anti-séptico.

Basta de exemplos. Os acima são suficientemente ilustrativos, e uma lista exaustiva ocuparia uma enciclopédia. Mas há outro aspecto a ser considerado: nas escolas militares, os veteranos costumam declarar os direitos dos calouros, comumente chamados de "bichos" ou "feras", segundo o seguinte rol: Art. 1º - "Bicho" não tem direito; Art. 2º - "Bicho não pode abusar do direito definido no art. 1º". Engraçado? Pois é o que ocorre com todos nós, com relação aos serviços que o estado "se obriga" a prestar, desde que, de tempos em tempos, se põe a perseguir os cidadãos por consumir muita água, muita luz ou rodar muito com o seu carro, e assim por diante.

O que propõe evidenciar aqui é a inversão linguística que se opera para viabilizar um discurso falacioso, qual seja, o de que o estado irá cuidar das pessoas, oferecendo-lhes saúde, educação, segurança, moradia e outras garantias que somente são pagas com as migalhas que sobram depois de tomadas dos cidadãos à força e consumidas às fartas pelos "obrigados".

Compreendido tal desvio de raciocínio, torna-se límpido como é o cidadão que serve ao estado, pela obrigação que lhe é atribuída de sustentá-lo, e sem direito a alternativas ou a reclamações.  As passeatas e greves de funcionários públicos recorrem em seus discursos inflamados à prestação do serviço público "gratuito" e "de qualidade", justamente como um cartel ou um monopólio, somente porque as pessoas se deixam enganar pela graciosidade inexistente ou pela qualidade que não têm como comparar por não terem às mãos o dinheiro que lhes foi confiscado pelos impostos e com o qual poderiam fazer as suas escolhas.

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