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segunda-feira, 21 de março de 2011

A sociedade livre está muito além da justiça social.

Por Klauber Cristofen Pires

Rememorando aulas de sociologia, trago de Auguste Conte a preconceituosa idéia de uma justiça social organizada pelo estado. A sociologia foi criada literalmente por este doido varrido cuja vida angustiosa e atormentada já de per se retrataria com autenticidade suficiente o estado de confusão mental e angústia espiritual que lhe açoitavam incessantemente o ser. O quê de bom poderia trazer ao mundo uma pessoa tão mal-resolvida consigo própria? Que grande lição filosófica poderia nos legar um sujeito que vagava errante pelos descaminhos da loucura por conta da própria incúria em compreender a vida?

Embora tantos quantos outros sujeitos infelizes tenham findado suas pobres passagens no anonimato por terem se contentado com a esmola para a cachaça do dia, este passou à história por conta de um gancho bastante conveniente aos defensores do poder do estado: o de propor que conhecer a sociedade permitiria moldá-la ao gosto do governante de plantão. A palavra era "organizar", assim como quem conduz o gado para cá e para lá, ou como quem separa um boi para o corte, outro para a reprodução, a vaca para o leite e assim por diante.

Brincando seriamente, já cheguei a fazer uma interessante comparação entre os atletas cubanos e o campioníssimo gado brasileiro justamente quando os jornais brasileiros indagavam porque o regime castrista produzia tantos medalhistas, sendo que para tanto puxei esta nobre lição de Ludwig von Mises que vale a pena relembrar de tempos em tempos:

"Tem sido afirmado que as necessidades fisiológicas de todos os homens são idênticas e que essa igualdade pode servir de base para medir o grau de satisfação objetiva. Quem expressa tais opiniões e recomenda o uso desse critério na formulação de políticas governamentais na realidade está propondo que se tratem os homens da mesma maneira que um criador lida com seu gado. Tais reformadores não percebem que não há um princípio universal válido para todos os homens. O princípio que vier a ser escolhido dependerá dos objetivos que se quer atingir. O criador de gado não alimenta suas vacas com a intenção de fazê-las felizes, mas visando a objetivos específicos que ele mesmo estabelece. Pode preferir mais leite ou mais carne ou qualquer outra coisa. Que tipo de pessoas os criadores de homem querem formar: atletas ou matemáticos? soldados ou operários? Quem pretender fazer do homem a matéria-prima de um sistema preestabelecido de criação e alimentação na verdade está arrogando-se poderes despóticos e usando seus concidadãos como um meio para atingir seus próprios fins, que são indubitavelmente diferentes dos que eles mesmos pretenderiam atingir." (Ludwig von Mises, Ação Humana: Um Tratado de Economia, Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995, 2ª ed. p. 243.)

Organizar a sociedade tal como um rígido esquema hierárquico nos moldes militaristas sempre foi o ideal de justiça pensado por Comte e seguido pelo seu séquito esquerdista-positivista, passando por Durkheim, Marx, Adorno, Gramsci e os socialistas do século XXI. Segundo tal raciocínio, a colocação de um homem na sociedade "organizada" seria justa na medida do cargo que ocupasse segundo a organização estatal, e assim ele mesmo deveria se consolar em acreditar nesta verdade por mais dolorosa que fosse para a sua alma, para os seus sonhos e para a sua esperança, caso não lograsse galgar os melhores lugares. Em outras palavras, deveria assumir docilmente pertencer a uma categoria de cidadania de segunda ou terceira classe, ou de forma mais abrangente, o representante de uma subespécie abaixo da humana.

Como servidor público, eu vivo esta realidade, desde que o meu mundo profissional emula este mesmo esquema: neste ambiente, é mais do que comum às pessoas ultrapassarem o estrito conceito de emprego que exercem para balizarem inteiramente as suas vidas de acordo com o cargo que ocupam. Separam-se, assim, umas das outras, tais como se fosse por castas e definem as capacidades dos seus colegas resumindo-as conforme o concurso que tenham prestado. A própria estrutura governamental promove a proliferação desta conduta, ao desincentivar pesadamente a iniciativa pessoal em detrimento das competências privativamente atribuídas ao detentor deste ou aquele cargo público.

No livro Admirável Mundo Novo, o autor, Sir Aldous Huxley, traz a anestésica solução para o desconsolo individual capaz de estragar o belo e feliz "Lego" de peças humanas: treinar as mentes desde o berço mediante doses permanentes de sugestão durante o sono. Desta forma, por exemplo, os trabalhadores que exercessem atividades em lugares fechados e insalubres, tais como dutos de esgoto, acreditavam piamente que eram os seres mais realizados do mundo, justamente porque não conseguiam se adaptar confortavelmente a nenhum ambiente que não fora aquele. Julgavam, portanto, com base em si próprios, que todas as demais pessoas deveriam ser muito infelizes, por não poderem gozar a vida “entubada” que eles desfrutavam alegremente. Será esta realmente a solução final que devemos desejar aos nossos filhos?

Tudo o que tenho aqui explanado pode agora soar muito triste ao leitor, mas estender preconceitos de acordo com um entendimento particular ao qual se atribua o largo conceito de "justiça social" é, na verdade, muito mais comum do que parece. Não falta quem se indigne com o quanto o famoso jogador Ronaldo, "o fenômeno", tenha acumulado durante sua vida profissional, embora não pense em um minuto sequer que talvez nem a sua própria amantíssima mãe se aventurasse a pagar para vê-lo em campo.

Todavia, uma sociedade livre passa muito longe de qualquer regra estrita de justiça social. Quanto há de receber de salário um poeta? Será que deveríamos abrir a esta gente um plano de cargos e salários, conforme a qualidade de suas poesias, ou conforme a idade ou tempo de serviço? E quanto ao padres, estes homens que abdicam de suas vidas para tratar das almas alheias? Deveriam eles prestar concurso público? E os filósofos, ou os gênios, ou até mesmo os políticos?

Quem ousa restringir a sociedade a um esquema organizacional estrito descuida que a humanidade, graças a Deus, está muito, muito e muito além dos seu pobre materialismo e da consequente cultura de inveja e ressentimento que inevitavelmente há de lhe seguir, uma vez implementado como a régua para todos. O fato é que o sucesso ou o fracasso de alguém, em qualquer área da existência, não se vincula a aspectos de uma justiça qualquer que seja, objetiva ou subjetiva. São muitos os fatores que podem fazer rico um tolo ou pobre um cientista. Isto pouco está nas mãos dos homens, e o gigantesco tsunami que varreu o Japão recentemente nos mostra o quanto pequeninos somos diante da Providência Divina.

Obviamente, este artigo não prega a teoria da "Deixa a vida me levar"; o que fazemos conta, seja estudar, trabalhar ou exercer com habilidade alguma arte ou ofício. Acontece, sim, que nem o sucesso nem o fracasso são posições determináveis ex-ante. Que testemunhem os grandes generais da história, justamente aqueles que perderam suas batalhas para contrapares muito menos talentosos, mas que tiveram outros elementos a seu favor. Tudo isto indica, no fim, que estamos aqui neste orbe para fazermos o melhor que pudermos, com os recursos e chances que estiveram em nossas mãos. Daí o conselho cristão para que abdiquemos da inveja. Com efeito, será que aquele bem-nascido não haverá de sofrer provações tão mais sérias e desafiadoras do que o seu irmão da favela?

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