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quarta-feira, 4 de maio de 2011

O triunfo do crioulo doido

Por Klauber Cristofen Pires

“Não se fazem mais trunfos como antigamente”. Coloquei entre aspas porque, em princípio, seria este o título para o texto que segue. Preferi algo mais politicamente incorreto, e a alusão ao famoso samba brasileiro veio bem a calhar. Bem, quase, porque, ao fazer uso do termo “crioulo”, estaria a reconhecer por uma via implícita e indireta a sua naturalidade em terras do novo mundo. Porém, nada é perfeito e assim ficou mais divertido.


Sim, meus amigos, um triunfo é uma questão de forma e requer seu ritual, com todo o protocolo bem cumprido, mas até mesmo tais providências de segundo escalão dizem muito dos povos e governantes.

Na antiga Roma, também se celebravam os trunfos, com grande pompa, sim, mas também com alguns atos simbólicos que muito bem poderiam ser revividos nos dias de hoje. O leitor poderá se deliciar com duas magníficas encenações deste tipo de evento, primeiro, assistindo à magnífica série da HBO, “Roma” e a segunda da magistral pena de Santiago Posteguillo, La Traición de Roma.

Da esplêndida obra televisiva surge a cena em que aparece Julio César, trajado em garboso traje sobre a sua biga, vestes estas que muitos historiadores afirmam ter sido caríssimas, mesmo para quem ele era. O rosto todo em vermelho, como o rito exige, a multidão em polvorosa, os monumentos cuidadosamente lavados, os estandartes estendidos e o rei dos gauleses trajado a caráter, com as suas vestes de soberano, sendo exibido em um carro aberto, que logo a seguir seria o local de sua execução, para a apoteose do evento.

No terceiro livro da trilogia de Posteguillo, com extrema riqueza de detalhes, descreve-se a cena em que o proconsul Públio Cornélio Cipião aparece nas ruas também trajado solenemente, tendo o rosto completamente maquiado de vermelho. Com ele vão à frente o senado, as sacerdotisas, os pífaros e os demais artistas, e atrás de si vão, galhardamente uniformizadas e desarmadas as outrora malditas e hoje gloriosas V e VI legiões (Em Roma, somente as Legiões Urbanae podiam portar armas). O senado vai à frente para lembrar ao povo todo que toda a autoridade dele se emana, por mais triunfal que seja a comemoração da vitória do cônsul. A este respeito, um cuidado extremamente precioso consiste em atribuir ao escravo que carrega os louros sobre a cabeça do cônsul a tarefa de gritar-lhe aos ouvidos constantemente de que ele não passa de um homem mortal: " - Respíce post te! Hominem te essse memento!" (Olha pra trás e vês que és só um homem!); " - Memento mori! Memento Mori" (Lembra que vais morrer! Lembra que vbais morrer!). Por fim, o troféu trazido dos campos de batalha, o rei Sífax, dos númidas, cuja execução consiste em ser atirado da rocha Tarpéia, para delírio festivo das massas.

Tivessem degolado Osama Bin Laden na Quinta Avenida sob uma chuva de papel picado ou atirado-no do alto do Monte Rushmore, aquele onde estão esculpidos os bustos dos presidentes George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt, e Abraham Lincoln, e eu ainda teria achado o ato mais solene, transparente e público do que lançar o cadáver às águas do mar para que nunca mais alguém ousasse conferir a sua identidade.

Parece, pois, que longínqua Roma, a maior potência do mundo antigo, a quem hoje julgamos como atroz e bárbara, está dando um banho tanto de transparência quanto de ética pública à sua correspondente do mundo atual, a despeito de toda a tecnologia a serviço da informação. Hoje assistimos a um trunfo sem a exibição do vencido, que pelo contrário, deu-se-lhe logo um fim, e em compensação, com a divinização do culto à personalidade do chefe do poder executivo, aquele que se diz escolhido por eleitores que experimentaram uma “epifania” descida dos céus . Se o personagem de Tom Hanks no filme Náufrago lesse isto, teimaria comigo dizendo que inverti as coisas...

Como eu gostaria de hoje ser um mordomo da Casa Branca e poder sussurrar ao pé do seu ouvido a cada acepipe servido...”- tu é só um féla, rapá!”

Nota: "Vocês sentirão uma luz vindo do alto, experimentarão uma epifania e uma voz de dentro lhes dirá: Eu tenho de votar em Barack Obama”. Ver em Millagres da Fé Obâmica, em http://www.olavodecarvalho.org/semana/081101msm.html

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