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segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O Instituto da Responsabilidade deturpado pelo estado



O estado abusa ao cobrar impostos e encargos de terceiros que não lhes deram causa.
Por Klauber Cristofen Pires




Venho aos leitores trazer uma discussão sobre dois assuntos que têm provocado extrema inconformidade e indignação às pessoas que contratam serviços terceirizados: a “responsabilidade solidária previdenciária” e a “responsabilidade subsidiária trabalhista”.
Em todo o Brasil, milhares de pessoas têm provado o gosto amargo do sentimento de injustiça, por terem de pagar por algo que não fizeram e que não tinham conhecimento. É sabido que a lei não autoriza alguém de se esquivar à sua letra alegando ignorância, mas aqui justamente comprova-se a extrema agressão ao direito natural, vez que se trata de algo que um cidadão médio, sensato e responsável, não tem como se precaver, a não ser que seja um expert em contabilidade ou direito.
Ambas as formas de responsabilidade referem-se à substituição de um devedor de créditos previdenciários ou trabalhistas por outro que o estado indique em seu lugar.
A responsabilidade por créditos previdenciários é dita “solidária” para prover o estado da prerrogativa de cobrar o crédito previdenciário tanto da empresa prestadora de serviços quanto da que lhe contratou (a “tomadora de serviços”), sem que haja uma ordem de preferência pré-definida. Foi implantada pelo art. 31 da Lei nº 8.212./91 e suas alterações posteriores.
A responsabilidade trabalhista, por sua vez, é dita subsidiária porque o trabalhador há de receber primeiramente da empresa prestadora de serviços, devendo recorrer posteriormente ao tomador de serviços em caso de impossibilidade ou insuficiência deste de satisfazer os créditos trabalhistas. Não tem origem legal, mas sim judicial, por meio do enunciado nº 331 do TSTi.
A ideologia de ambas, a responsabilidade solidária previdenciária e a responsabilidade subsidiária trabalhista - firma-se no conceito de que é necessário alargar as fontes de arrecadação, com a finalidade de suprir as demandas da Previdência Social e os direitos dos empregados, mui conhecidos no ambiente jurídico pela denominação sociológica de “hiposuficientes”.
De fato, utilizando-se desta ratio, legitima-se a vontade da lei. Mas qual é esta razão? É aquela que diz que, estando o direito de uma pessoa pobre não satisfeito, poderá o estado obrigar qualquer pessoa a cumpri-lo. Porém, isto não me parece muito diferente do tempo em que os reis impunham derramas ao povo pelo só fato de serem nobres. Cireneu não era discípulo de Jesus Cristo, mas foi obrigado a carregar o madeiro infame somente pelo fato de que ele estava ali por perto.
A doutrina tradicional do direito, fundada com base nos costumes e estes, por sua vez, no direito natural, houve por consagrar a “responsabilidade” a entes que estão naturalmente conectados aos seus substituídos: assim é o caso dos pais em relação aos filhos, e dos tutores e curadores para com os pupilos e curatelados, por exemplo. Entretanto, com o avanço do positivismo de Hans Kelsen e das teorias socialistas sobre o estado, temos testemunhado a deturpação da razão de ser deste instituto jurídico ao vê-lo alastrado para vários fins díspares, fundados somente com base na prevalência do jus imperis estatal, que legitima sua vontade como fundamento de validade bastante e suficiente.
Assim é que se explica o fato de haver emergido triunfante nos dias atuais a alegativa de que exista um vínculo entre um tomador e um prestador de serviços terceirizados. Na verdade, não há, nem sequer por um raciocínio forçado. A figura artificialmente criada do tomador de serviços nada mais é do que a do cliente ou do consumidor comum. Se eu contrato um serviço de jardinagem, meu objetivo é obter um jardim bem cuidado e em essência, isto em nada difere de contratar um corte de cabelo, a lavagem do meu carro, uma cirurgia de coração ou a produção de uma festa de aniversário. Por acaso alguém pode imaginar um cliente reter 11% de sua conta no restaurante a título de recolhimento do INSS, sob o argumento de resguardar-se da responsabilidade solidária com relação aos cozinheiros e garçons?
Levado o particularismo legal ao rumo da lógica, então temos que um empregado de uma empresa de serviços terceirizados passa a gozar do direito de possuir dois patrões, em franca vantagem ao de uma padaria, que fica só com um. Vejam a que paradoxo nos conduz a neurose igualitarista estatal.
O caso da responsabilidade subsidiária trabalhista remete a sociedade ao inferno dantesco da insegurança jurídica, porque jamais alguém haverá de saber se um dia poderá ou não ser convocado pela Justiça do trabalho a assumir o papel de fiador de qualquer prestador de serviços contratado lá em algum lugar do passado.
Da parte dos fiscais do trabalho, o que tenho recebido como resposta é que no Brasil prevalece uma superutilização de serviços terceirizados por parte das empresas. Notem como a usurpação de competências aqui é exercida sem o menor pejo. Refiro-me à substituição do juízo do empresário pelo dos oficiais do governo. Aliás, nem há de se falar em pudor ou constrangimento onde resta absolutamente ausente a consciência sobre o assunto.
A terceirização de serviços nasceu de forma espontânea, como fruto das vantagens advindas da especialização de funções. Por exemplo, é bem mais barato a uma firma de segurança selecionar e treinar guardas do que a uma loja de brinquedos, daí que a escolha por contratar uma empresa para cobrir certas necessidades-meio pode ser uma alternativa criativa e economicamente mais eficiente, vindo a resultar em produtos melhores e mais baratos para os consumidores, ou pode, ao contrário, resultar mal-sucedida. Não obstante, é ao empresário que cabe decidir sobre a conveniência e oportunidade de lançar mão de tal estratégia.
Vale destacar que o próprio estado tem feito uso abusivo de serviços terceirizados, não exatamente para valer-se das vantagens naturais que tal forma de gestão propicia, mas justamente como meio de furtar-se à contratação de servidores sob o regime estatutário, com todos os ônus que acarreta e que foram criados pelo próprio estado! Ainda muito pior, tem criado enorme confusão, a ponto mesmo de em alguns órgãos terem sido emitidas normas de pagamento direto dos salários e encargos dos funcionários das firmas por eles contratadas, medidas estas que contrariam a própria razão de contratar tais serviços e que suscitam indícios de vínculos empregatícios que podem vir a ser apresentados como prova perante a Justiça Federal.
Importante ressaltar que os trabalhadores já contam com exacerbado privilégio no concurso de credores, segundo o caput do art. 186 do CTN: "O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho”.
Reflitamos: o legislador que colocou os créditos trabalhistas acima do concurso de credores pensou com isto em proteger os direitos dos assalariados da empresa falida, privilegiando-os em relação aos empresários (os credores). Olvidou, todavia, que também os colocou em ordem de precedência em relação aos empregados dos credores, porque eles também precisam receber salários, que afinal, vêm dos lucros de seus patrões. Como sempre, mais uma vez temos o exemplo de como o estado premia os ineficientes e pune os responsáveis, diligentes e inovadores.
O legislador, desta forma, equiparou os trabalhadores da empresa falida ao urubu-rei, o majestoso pássaro carniceiro que desfruta da carcaça sozinho, restando aos urubus “plebeus” as sobras somente após bastar-se em sua refeição. Olvidou que os funcionários da empresa falida compartilhavam com o patrão deles da responsabilidade pela má condução dos negócios. Isto é especialmente contraditório quando lembramos que os políticos e sindicalistas vêm cobrar dos empresários que paguem bonificações de participação nos lucros aos seus empregados.
Os legisladores não podem ter o poder de legislar ao bel-prazer. A formação de uma assembleia constituinte pressupõe um colegiado de pessoas que representa uma sociedade de homens e mulheres livres. A elaboração de leis que constituam agressões à vida, à liberdade e à propriedade destas pessoas significa invalidar a constituição almejada, por transformar estes atributos inalienáveis em precárias concessões. Trata-se de um verdadeiro golpe e de uma autêntica inversão de titularidade do poder, isto é, do povo para os governantes.
O espírito da lei naturalmente justa que reza que nenhuma pena passará da pessoa do condenado (CF/88, art. 5º, XLV) não se extingue na estrita esfera penal, mas é o próprio corolário da liberdade, ao afirmar que cada um será responsabilizado pelos seus próprios atos voluntários. Se alguém tiver de ser responsabilizado por atos de outros, esta pessoa não é homem ou mulher livre, mas um servo ou um escravo, ou pior, um capacho. O mesmo se dá por alguém que venha a ser responsabilizado por atos que não escolhe para si, a não ser aqueles estritamente necessários para defender o sistema que lhe garante a vida, a liberdade e a propriedade.

i TST Enunciado nº 331 - Revisão da Súmula nº 256 - Res. 23/1993, DJ 21, 28.12.1993 e 04.01.1994 - Alterada (Inciso IV) - Res. 96/2000, DJ 18, 19 e 20.09.2000 - Mantida - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Contrato de Prestação de Serviços - Legalidade
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). (Revisão do Enunciado nº 256 - TST)
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20-06-1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Alterado pela Res. 96/2000, DJ 18.09.2000).

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