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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

A mentalidade do Socialismo Conservadorista



É correto que o município corte a grama do quintal do cidadão à sua revelia, como acontece no Canadá?
Por Klauber Cristofen Pires

Em certa ocasião, estava eu a conversar com alguns amigos e sem lembrar-me agora a origem do debate - porque toda boa conversa potencializada pelo catalisador etílico começa de um jeito, usualmente “política”, e termina de outro, usualmente “mulheres” – ocorreu-me comentar sobre o que eu considerei um absurdo, isto é, ter tido conhecimento por um imigrante brasileiro no Canadá que as prefeituras de lá “avocam” para si próprias o dever do proprietário do imóvel de aparar a grama do seu quintal, caso ele não o faça, sendo que depois enviam-lhe a conta do serviço, acompanhada de uma significativa multa.
Como resposta de um deles, que decerto ungiu-se de autoridade por ter vivido durante alguns anos da Irlanda, ouvi o apoio à brutal discricionariedade estatal, sob a alegação de que o indivíduo que deixa a grama de seu quintal crescer provoca a diminuição do valor das propriedades vizinhas...
Aí, caros leitores, encontra-se uma clássica falácia coletivista travestida de proteção à propriedade privada.
Para solucionar o equívoco do nosso amigo, basta considerarmos uma situação inversa como fórmula de reductio ad absurdum: imaginemos que uma modificação no estado da minha propriedade não produza um esperável decréscimo no valor das propriedades vizinhas, como a grama por cortar enseja, mas sim um acréscimo, digamos, por abrigar valiosas esculturas. Teria eu então o direito de cobrar dos meus vizinhos algum tipo de compensação, digo, por exemplo, royalties ou como fazem os governos, “contribuições de melhorias”?
Certo há que existem condomínios privados que possuem regulamentos sobre a construção e a manutenção da aparência das casas e quintais, mas aí o que temos é um sistema absolutamente legítimo, porque contratual: os donos se comprometem previamente a adotar uma determinada estética em comum acordo.
Embora estejamos tratando aqui de bens residenciais e não de meios de produção, a mentalidade que alimenta este tipo falho de raciocínio, fundada sobre a reivindicação de legitimidade da preservação do valor da propriedade, é a mesma para a qual o filósofo Hans-Hermann Hoppe atribuiu a classificação de “socialismo do tipo conservadorista”. O conservadorismo econômico é o pai das guildas, das regulações estatais impostas com o objetivo de restringir ao máximo a participação de novos concorrentes no mercado e até mesmo da engenharia comportamental.
De sua lavrai:
Contrariamente, o conservadorismo considera apropriado e legítimo para uma classe de proprietários já estabelecidos o direito de barrar qualquer mudança social que estes venham a considerar como uma ameaça à posição relativa que ocupam na hierarquia social de renda e riqueza, mesmo que os vários donos-usuários individuais dos vários fatores de produção não tenham contratado isto sob nenhum acordo de tal natureza.”
O que a Escola Austríaca de Economia nos ensina é que o direito natural da propriedade prevê aos donos a prerrogativa de defender a integridade física delas contra a a agressão por terceiros. Ora, desde que o valor é um fenômeno puramente intersubjetivo, então não pode logicamente ser enquadrado como uma peça integrante do conceito de propriedade. Ou seria correto reconhecer o direito de alguém de manipular a opinião dos outros?
Segundo o filósofo alemão, as estratégias preferidas do socialismo conservadorista são o controle de preços, a regulação dos processos de produção e o controle comportamental. No caso dos bens imóveis, que é o objeto da análise que está sendo feita aqui, todos estes ingredientes são verificáveis: o controle de preços é o próprio objetivo da lei municipal que possivelmente foi promulgada por força de algum lobby dos atuais moradores; a regulação dos processos de produção configura-se no estabelecimento do modelo padrão das residências, fora do qual seus donos são desencorajados a tentar, e o controle comportamental está em fazerem as pessoas crerem de per se que o design estatal preestabelecido é o melhor possível.
Certamente que um país como o Canadá possui um padrão de vida exemplar, mas isto por si só não se traduz em uma justificativa. Não são poucos os cidadãos daquele país que reclamam de carências não monetizáveis em suas vidas. O que estas pessoas estão reclamando é que embora seus bolsos estejam cheios, suas vidas restam vazias, porque o estado vem se intrometendo nas áreas mais íntimas dos cidadãos. Com efeito, um estado que se põe a cortar a grama dos seus administrados não há de enxergar nenhum óbice em decidir adiante limpar-lhes a caixa d'água, pintar os muros na cor que bem entender, arrumar a garagem, organizar a lista de compras e ora bolas, até mesmo vigiar se os homens estão urinando sentados...
No longo prazo, entretanto, a difusão de tal comportamento há de estender-se inexoravelmente para o campo econômico, e é aí que se poderá verificar uma queda gradual – mesmo que no princípio apenas relativa – do nível dos padrões de vida, uma vez que os inovadores serão permanentemente criminalizados.
No Brasil, dificilmente alguém há de encontrar uma lei semelhante no âmbito civil, mas na álea econômica o conservadorismo exerce uma profunda e arraigada influência – daí nosso relativo empobrecimento. Praticamente ninguém consegue abrir qualquer negócio ou exercer qualquer profissão sem que antes tenha de pedir permissão aos atuais donos.
No setor empresarial, prevalecem os lobbyes que apoiam os aumentos de impostos, de exigências burocráticas e de leis particularistas. A isto tenho denominado de “dumping tributário e administrativo”, pois que se trata de efetiva e realmente eficaz prática de dumping, uma vez que ao contrário da prática tradicionalmente conhecida por este termo, são os consumidores e os cidadãos os que pagam pelos custos de tal empreitada, e não a empresa desleal, sendo que os retornos são bem mais garantidos. Seus principais beneficiários são as grandes empresas, visto que se valem da economia de escala para conquistar mais lucro por quantidade, mesmo às custas de um menor lucro por unidade. Se alguém aqui se sentir um pouco confuso, vale esclarecer que não me refiro à economia de escala pura e simples, isto é, aquela que envolva um aprimoramento dos métodos de produção, de transporte e de comercialização. Refiro-me, sim, ao ambiente artificialmente modificado que leva os concorrentes menores à sucumbência por não possuírem poder econômico para atender às mais variadas e constantes exigências burocráticas e tributárias. Para empresas grandes, manter imensos departamentos contábeis e jurídicos torna-se relativamente menos custoso, sem dizer que ainda podem contar com os atalhos que um labiríntico sistema tributário pode provê-las.
No setor dos serviços, quem dá as cartas são os conselhos de classe ou ordens profissionais. No Brasil, estas entidades adquiriram status de autarquias, e usualmente legislam em causa própria, à revelia da Constituição e das leis, e o pior, sem um pingo de representatividade política; adotam posturas políticas sem autorização expressa dos seus associados; perseguem profissionais desafetos e estendem suas asas aos que pertencem à “panela”, como a gíria muito bem ilustra; estipulam taxas e multas, cassam registros e fecham estabelecimentos. Descendentes diretas das guildas, tem na OAB o exemplo mais acabado de corporativismo, que faz do exame de proficiência seu principal mecanismo de de seleção ideológica e limitação da concorrência no mercado de trabalho. Atualmente, tramita no Congresso um projeto de lei que promete estabelecer o exame de proficiência também para os profissionais de saúde. Os mais desfavorecidos neste esquema são os profissionais que não logram poder exercer seu ofício e os consumidores, que acabam sempre pagando mais caro.
No serviço público, nos últimos anos prosperou a política de criação de cargos especializados que se encastelam em um conjunto de atribuições privativas e concursos públicos específicos, as mais das vezes puramente ficcionais. Dentro deste quadro, torna-se difícil aos governos racionalizar a lotação, o tamanho e as funções dos órgãos, alocando entre os próprios os servidores de uns e de outros conforme as necessidades conjunturais, bem como harmonizar sua política salarial com o mercado de trabalho privado.
Na questão trabalhista, criam-se diariamente as mais diversas exigências, até o ponto da impraticabilidade. Querem um exemplo? Desafio qualquer pessoa a me apresentar uma escala contínua de turnos de serviços absolutamente conforme a lei e que seja viável do ponto de vista econômico. A proliferação de direitos trabalhistas desfavorece em uma ponta principalmente os desempregados e os trabalhadores menos especializados, uma vez que o corte de produtividade esteja abaixo do custo de mantê-los empregados, e na ponta oposta os trabalhadores mais preparados e especializados, vez que as negociações em bloco roubam-lhes o diferencial mercadológico para pagar os salários dos mais encostados.
Como tem nos ensinado Ludwig von Mises, o que precisamos fazer para melhorar este estado de coisas é substituir as ideias equivocadas por ideias corretas e sensatas. E tudo começa com uma mudança de mentalidade, mesmo que nasça de algo tão comezinho quanto a intervenção municipal de cortar a grama à revelia do proprietário...
iHOPPE, Hans Hermann: Uma teoria sobre o Socialismo e o Capitalismo. Instituto Ludwig von Mises Brasil, São Paulo, 1ª ed.,2010

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