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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Bem explicado: por que papel-moeda não é dinheiro


Papel-moeda não é dinheiro porque não é mercadoria (não tem valor intrínseco), não é raro e não é aceito de forma espontânea e universal.  

Por Klauber Cristofen Pires
Prezados leitores,
As crises que têm convulsionado os Estados Unidos e que atualmente vão assolando a Europa têm causas já bem conhecidas, especialmente pelos economistas chamados de “austríacos”, muito embora continuem sendo negadas por razões de interesse da parte de certos grupos que compartilham o poder.
Não se enganem, o Brasil está muito longe da alegada imunidade que o governo tem proclamado. Em outras palavras, nós somos eles amanhã.
O propósito das linhas a seguir é explicar de uma maneira bem didática e fácil aos leitores um pouco mais leigos as três principais razões pelas quais o Ocidente passa por mais essa fogueira tão pouco depois da “irracional prosperidade”, segundo as palavras de um dos principais responsáveis por tal estado de coisas, o ex-presidente do Banco Central norte-americano, Alan Greenspan.
Cabem os méritos a Ludwig von Mises por ter descoberto por que ocorrem os chamados “ciclos econômicos”, conhecidos em inglês pela expressão “Boom-Bust” (“boom” = explosão, no sentido de grande momento de prosperidade; “bust”= explosão ou estouro também, mas agora com o sentido inverso, isto é, de golpe, pancada, ou mais precisamente, quebra e falência).
Apenas como um aposto, digne-se mencionar o quanto os defensores dos ideais socialistas prezam os “ciclos econômicos”, que segundo eles, refletem não mais do que as contradições do capitalismo e a sua natural propensão histórica a ser substituído pela implantação do socialismo (“devenir histórico”). Todavia, o que precisa ser desmascarado é que os ciclos econômicos são o resultado de intervenções estatais concebidas justamente à moda socialista, mais especificamente sob as teorias keynesianas.
A saga da moeda percorreu por milênios um caminho tortuoso marcado por erros e acertos, bem como, em certa medida, também pelas condições tecnológicas disponíveis. A humanidade, em seus atos comerciais, deu um grande passo à frente ao descobrir as vantagens das triangulações das trocas, mediante a realização de transações com uma mercadoria que fosse universalmente aceitável e divisível (Um boi, por exemplo, seria inviável para adquirir, digamos, uma peça de roupa cujo valor de troca fosse menor). Daí por diante, tornou-se questão de aprimorá-la.
O antigo império romano já fez uso do sal para tal fim, daí a origem do termo “salário”, que era pago aos seus soldados. Entretanto, hoje esta mercadoria, embora ainda universalmente aceitável, demandaria grandes quantidades físicas para adquirir bens de pouco valor, donde se conclui que outra qualidade desejável para a moeda é a de ser relativamente rara.
Por fim, consagrou-se o ouro, pelas seguintes razões: é uma mercadoria (isto é, possui um valor intrínseco); é relativamente raro, é divisível (cunhável em moedas e barras de diferentes tamanhos), e é universalmente aceito de modo espontâneo.
Nos dias atuais, entretanto, não realizamos mais transações em ouro, mas por algo que recebe o nome de papel-moeda de curso forçado. Para que ninguém tenha dúvidas, trata-se de um mero pedaço de papel pintado (com alguns artifícios para dificultar a sua falsificação por terceiros), que não possui um valor intrínseco nenhum, não é relativamente raro (já explico adiante e detalhadamente por quê), e não é universalmente aceito de forma espontânea, mas ao contrário, tem a sua circulação tornada obrigatória pelo seu emissor, e é válido apenas em seu território (salvo algumas exceções, e ainda assim limitadas, como o dólar, ouro e o yen).
Vamos agora ás consequências práticas da diferença entre o padrão-ouro e o papel-moeda.
Por primeiro, quem tem moedas de ouro, tem as mesmas moedas em qualquer lugar do mundo. Pode ser que este ou aquele bem ou serviço custem mais caro em um país do que em outro, o que é muito normal, haja vista a diferença de disponibilidades de recursos naturais entre eles. Ainda assim, a pessoa que detiver uma certa quantia em ouro permanecerá com ela, que é sua propriedade e que tem valor.
Muito ao contrário, quem tem, digamos, reais em mãos, dificilmente há de conseguir trocá-los no exterior, a não ser em certos países vizinhos e mediante relações de troca bem desfavoráveis, de modo que, se alguém decidir fazer uma viagem para a Austrália, já terá chegado lá com uma significativa perda do seu poder aquisitivo antes mesmo de comprar um mero cartão postal.
A bem da verdade, manter reais consigo no próprio Brasil já implica em perda de poder aquisitivo, por conta do primeiro fator causador de crises que Mises apontou: o poder estatal de imprimir dinheiro.
Não é possível criar ouro. Há quem diga que isto seja possível, mas mesmo assim, seria anti-econômico (gastar-se-ia mais com o processo do que com o resultado). Porém, é possível imprimir mais notas, e é isto o que os governos mais fazem para custear seus gastos cada vez maiores.
Imprimir mais notas implica em realizar uma espécie de tributação, porque cada nota que temos em mãos, por tornar-se menos rara, perderá uma parte do seu valor de compra. É como se recebêssemos diariamente como salário um copo de leite e dia após dia o governo fosse adicionando, progressivamente, um pouco mais de água ao leite, com a finalidade de prover mais copos a mais pessoas. Em determinado dia, o copo de cada um permaneceria cheio, mas então de uma mistura praticamente transparente formada basicamente por água com algumas gotinhas de leite.
Arrecadar tributos sob a forma de expansão monetária (impressão de notas, ou mais modernamente, por meros comandos eletrônicos) é algo que os governos prezam e não abrem mão, por ser muito mais discreto do que decretar formalmente aumentos dos impostos, o que seria impossível no padrão-ouro.
Não bastante, outra forma de criar riqueza do nada, ou melhor, uma aparência de riqueza, prosperou com a invenção do papel-moeda: as chamadas reservas fracionárias bancárias. Tratam-se de operações contábeis efetuadas pelos bancos segundo as quais se possibilita que o mesmo dinheiro que foi emprestado a João o seja também a Márcio, Paulo, Juliana, e assim por diante, praticamente sem solução de continuidade.
Se alguém vender um mesmo lote de terra a João e em seguida a José, ninguém duvidará que este sujeito praticou um ato de estelionato. Contudo, os bancos fazem exatamente isto, e o fazem sob proteção legal (às vezes ilegal também, eis que prosperam denúncias de vendas “a granel” de títulos de papel que dizem representar ouro físico!).
Com mais dinheiro impresso pelo governo ou mais créditos oferecidos pelos bancos sem que haja uma verdadeira produção de riqueza que lhes legitime, os beneficiários disputarão no mercado pela mesma quantidade de bens produzidos. Agora basta raciocinar com base na lei da oferta e da procura: se há mais pessoas disputando os mesmos bens, é óbvio que estes últimos aumentarão de preço.
Além disso, no antigo padrão-ouro os bancos somente podiam emprestar dinheiro a terceiros mediante contrato com os donos dos depósitos, sendo que, ao autorizarem suas disponibilidades, viam-se automaticamente sem elas. Desta forma, quem tomasse empréstimos tinha as matérias-primas para seus investimentos sob condição de oferta (e portanto, de preço) inalterada, já que os emprestadores ficaram temporariamente desprovidos exatamente daquelas quantias. Na verdade, ambos, emprestadores e tomadores tinham por acordo tácito justamente isto: segurar voluntariamente o consumo para investir e lucrar com o resultado futuro.
Porém, no atual sistema de papel-moeda e crédito praticamente ilimitado, as matérias-primas não estão à disposição dos investidores, porque os emprestadores continuam com o mesmo poder de compra, quiçá até mesmo aumentado. Isto significa que seus investimentos custarão mais caro do que o esperado, se não tiverem de esperar que se tornem fisicamente disponíveis. Isto fará com que os investimentos se malogrem, e daí, as crises.
Ainda, isto não é toda a desgraça a ser contada. No antigo regime do padrão-ouro, detinha moedas de ouro quem trabalhava e produzia, ou quem deles recebesse alguma quantia, e o governo possuía exatamente o fruto da arrecadação dos impostos, que não podiam ser majorados ilimitadamente sob pena de revolta ou colapso de toda a economia. Com o novo poder de criar dinheiro do nada, mediante a simples impressão de cédulas de papel, a cada dia os governos puderam aumentar seus gastos com funcionários públicos, aposentados, pensionistas e beneficiários de programas assistenciais, e foram neste rumo transformando significativamente a estrutura social, ao criar a cada dia mais pessoas dependentes. E isto é absolutamente o que está acontecendo na Europa, um país que possui mais pessoas recebendo salários como funcionários públicos ou aposentadorias ou pensões do que gente trabalhando e produzindo.
Aos amigos leitores que ultimamente têm assistido às chocantes cenas de revoltas na Grécia, podem ter certeza de uma coisa: quem por lá carrega o piano nas costas não participou de nenhum daqueles atos de vandalismo.
Resumindo, para fechar: impressão de dinheiro falso, empréstimo falso de dinheiro falso e estilo falso de vida e de estrutura social. Não é imprevisível de que um dia um grande acerto de contas teria de vir à tona. Veio.  

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