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quinta-feira, 8 de março de 2012

O Paradoxal Direito de Propriedade no Brasil


Enquanto o autêntico direito de propriedade – a propriedade natural de bens físicos – vai dia a dia se tornando uma quimera, o discutível e fictício direito de propriedade autoral vai ganhando um status de super-propriedade.
Por Klauber Cristofen Pires

A notícia veiculada pelo jornal O Globo de que o Ecad notificou o blog Caligraffiti a pagar direitos autorais simplesmente por hospedar vídeos do You Tube merece uma reflexão.
Trata-se de um blog particular, que embora desfrute de uma razoável visitação, não possui fins lucrativos. De acordo com a matéria, seus donos foram cobrados em R$ 352,59 mensais por terem sido enquadrados na prática de “webcasting” – transmissão de programas originários da própria internet. Há ainda outras categorias, até mesmo ao cúmulo do absurdo de taxarem um mero fundo musical.
O Ecad é uma instituição privada com poderes delegados por lei, o que a coloca em um status equivalente ao de uma autarquia, e reúne nove associações ligadas à defesa dos direitos autoriais: Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes), UBC (União Brasileira de Compositores), Socinpro (Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais), Amar (Associação de Músicos Arranjadores e Regentes), Sbacem (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores de Música), Sicam (Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais), Sadembra (Sociedade Administradora Direitos e Execução Musical BR), Assim (Associação de Intérpretes e Músicos), e Abrac (Associação Brasileira de Autores, Compositores e Intérpretes).
Como método de funcionamento, o Ecad efetua a cobrança de valores por ele estipulados de rádios e TV's, restaurantes, bares, shows e festas, assim como até mesmo em hotéis e consultórios médicos, valores esses que em tese são redistribuídos aos compositores e músicos associados conforme um questionável sistema de proporção por amostragem.
Como já escrevi a respeito, tal método de funcionamento destoa um bom tanto das práticas comuns esperáveis em um livre mercado, porque desconhece o valor do preço e não remunera os artistas de forma objetiva. Direito de propriedade pressupõe preço: o preço do cantor A é diferente do preço do cantor B. Direito de propriedade pressupõe um elo direto entre o dono e a coisa: logo, o cantor A deveria receber (o seu preço) pela música A. No entanto, cada artista recebe um valor estipulado pelo órgão, de acordo com uma estimativa. Não tem sido por outra razão que abundam queixas de vários dos seus associados.
Tais dificuldades, até certo ponto previsíveis, conduzem-nos ao questionamento sobre a legitimidade da propriedade intelectual ou autoral. Considerando que o Ecad tem cobrado até mesmo de quem instala um rádio ou TV em seu estabelecimento – mesmo que estes próprios já lhe paguem os direitos autorais – vamos imaginar um extremo no qual um táxi ou mesmo um carro particular sintonize um canal de rádio, para agrado não só do motorista, mas também dos passageiros! Ou, ainda mais, vamos imaginar as festas particulares, onde são tocados os discos dos cantores preferidos. Que tal cobrar direitos autorais do sujeito que assobia uma música dentro de um ônibus lotado?
Há um outro fato bem interessante, ligado ao direito de propriedade de desenho industrial. Quando estes tipos derivados de direito de propriedade ainda não eram objeto de tanto preciosismo, os carros de antigamente, aqueles desenhados à mão e moldados em argila (clay), eram bastante diferentes uns dos outros. Mesmo num mercado ridiculamente fechado como era o Brasil, podíamos constatar grandes diferenças entre os modelos: um Opala era muito diferente de um Maverick, que era muito diferente de um Dodge Dart, que era muito diferente de um Brasília. Hoje, as silhuetas dos automóveis são praticamente indistinguíveis. Basicamente, um carro atual tem a forma de um ovo deitado. Os caros pequenos são ovos de galinha, e os SUV, de ganso. Mas, e os sedans? Mera anomalia genética do ovo: um ovo de duas pontas! Isto tudo, claro, sem falar dos automóveis piratas chineses, cópias ipsis literis descaradas de modelos consagrados.
Porém, o que há de mais paradoxal neste contexto é que, pari passu às cada vez mais extravagantes exações do Ecad, a fazer dos direitos autorais uma espécie de super-propriedade, o autêntico direito de propriedade, isto é, o direito de propriedade de bens físicos, nunca se viu tão diáfano, e diga-se, não sem uma poderosa contribuição justamente por parte da classe artística. “A burguesia fede!...A burguesia quer ficar rica...enquanto houver burguesia, não haverá poesia...”, cantava o Cazuza, que ainda exclamava: “eu sou burguês, mas eu sou artista”! Um artista que, bem representativo dos da sua classe, não se vexaria em tirar um pirulito da boca de uma menininha que cantasse uma de suas músicas, como cobrança a título de direito autoral, bem se diga! 

Um comentário:

  1. Quem tiver criado algo que se enquadre como um produto intelectual, o melhor que tem a fazer para protegê-lo contra a “pirataria”, praticada pelas pessoas que poderiam valorizá-lo, é escondê-lo no fundo de um baú, chaveá-lo e jogar fora a chave. No mundo artístico muita gente foi vítima disto, e hoje amargam o esquecimento. No entanto outros, cujos herdeiros não se deixaram levar pela sanha da propriedade intelectual, continuam vivos como o Elvis, o AbbA e o Agnaldo Timóteo, que resolveu produzir e vender os próprios discos, se mantendo ativo na carreira. Afinal, o que tem valor é o produto na mão do freguês, e não no baú do “proprietário”.

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