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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

As doces concepções autoritaristas da democracia segundo Yoani Sánchez


Vocês já notaram que, desde seu desembarque, à Sra Yoani Sánchez a mídia deslumbrada praticamente tem lhe concedido o monopólio da autoridade para falar sobre assuntos relacionados a direitos humanos, economia e política? 

Por Klauber Cristofen Pires


É como se tudo o que já sobejamente soubéssemos sobre aquela infeliz ilha e seu regime monstruoso repentinamente se quedasse caduco. Vale agora o que distinta dissidente passar a dizer, inclusive, como tem sido recorrente, que “em Cuba vige não um sistema socialista, mas sim um capitalismo selvagem, familiar, militar”: 

1 - Reportagem do Jornal nacional do dia 29/12/2011, intitulada “Cubanos usam mensagens de texto para driblar a censura e a repressão política”:

"Existe uma confusão. Isto não é comunismo, nem socialismo. É um capitalismo de estado, de clã familiar, um capitalismo militar,"

2 - Entrevista concedida ao canal Globo News, em 22-01-2012, provavelmente em sua casa, em Havana:

E eu me lembro que um dos elementos fundamentais para catalogar uma sociedade socialista era que os meios de produção estivessem nas mãos dos operários, que as pessoas pudessem decidir o que fabricar, a que preço vender e o que fazer com o dinheiro resultante. Cuba não é assim. Em Cuba, temos um grande patrão, o patrão capitalista, que é o Estado, o governo, partido, que decide o que fazer com os recursos da nação. E eu acredito que começaram a desmontar esses mitos, porque querem que os cubanos enfrentem dilema que é falso: "o socialismo de hoje ou o capitalismo de amanhã". Não senhor! Já estamos em um capitalismo brutal e selvagem , onde um litro de leite custa um dólar e oitenta centavos. E o que queremos é tratar de fazer um sistema mais inclusivo, mais cidadão, também com mais possibilidades para aqueles que não têm acesso á moeda e convertê-la. Como se chama esse sistema? Eu não sei. Eu sou filóloga mas não gosto de colocar nome nos sistemas políticos. Mas sei que este não é o caminho. Raul Castro está desmontando o fidelismo. Raul Castro está enterrando Fidel Castro. Mas se não quer crer no discurso político, disse que não. Diria que está querendo mantê-lo vivo. E essa é a grande contradição de Raul.  Pobre Raul, porque é um governante que não pode culpar o governo anterior pelos problemas. Isso é terrível. Normalmente, quando um governo chega ao poder, sempre trata de fazer uma linha divisória para dizer que o que veio atrás cometeu esse ou aquele erro. Raul Castro não pode. Tem de carregar os erros do seu irmão, enterrar o seu irmão e entregar a ele mesmo.

3 –Pronunciamento recente no Brasil:

"Não creio que em Cuba haja um socialismo e que tenhamos estado nunca perto do comunismo", afirmou. "Em Cuba vivemos um capitalismo de Estado, um capitalismo de clã familiar, onde o patrão não é o rico, nem o dono da terra, nem o burguês, mas o governo". (Exame.com)

Notem a estranha uniformidade de suas declarações em períodos de tempo bem espaçados, repetidas à moda de um mantra; não dá pra pelo menos desconfiar de que suas palavras não sejam fruto de um treinamento prévio?

Há quem a tenha defendido – gente boa, até – argumentando que as palavras têm vida própria e independente de quem as profere, e que, portanto, elas devem ser julgadas pela carga de verdade que contém, e que no caso, a distinta dissidente tem defendido a democracia, a liberdade e os direitos humanos. Há quem ainda, mais ou menos na mesma linha, tem se indignado com as críticas que lhe têm sido dirigidas por possuir uma bela moradia, um notebook e um “YPhone”, hehehe...

Sobre um argumento ter vida própria de seu dono, eu concordo, mas somente em parte. Primeiro, porque desconfio como um cão de guarda ganindo e babando daqueles que vivem em desacordo com o que pregam;  segundo, porque palavrórios “pasteurizados” podem mais omitir que revelar, ou ainda, revelar o que se pretende dizer sem proferir pela boca; e por fim, quando a massiva exposição do agente tem o efeito de ofuscar e obscurecer quem tem coisas mais sérias e relevantes a denunciar.

Agora, desenhando para os crédulos e sonsos: Se alguém olhasse para uma rica mansão americana lá pelo tempo da independência, provavelmente exclamaria: “- eis a casa de um empreendedor competente e respeitado por sua comunidade”. No Brasil atual, um país apenas majoritariamente socialista, sua impressão seria mais ou menos esta: “– esta casa pode ser de um rico empresário, mas é mais provável que seja de um político corrupto”. Em Cuba, por sua vez, necessariamente há que ceder: “- esta casa pertence a um figurão beneficiário do regime”. Já vi também gente se estendendo em sua defesa à blogueira, sustentando que o elevador do apartamento dela tem problemas crônicos, e que ela também sofre com falta de luz e de água. Isto também acontece comigo, aqui no Brasil, e eu também posso dizer que sou mais ou menos razoavelmente privilegiado. É uma questão de proporções: um beneficiário do regime cubano vive melhor do que os seus concidadãos, muito embora seu padrão de vida seja inferior a um sujeito da classe média brasileira, como eu, ou do que um de classe pobre ou média baixa dos Estados Unidos. Será que deu, enfim, para entender?

Permita-se-me agora concentrar-me no motivo principal deste artigo: vou demostrar aos leitores que as doces e meigas palavras da Sra Yoani Sánchez revelam, no mínimo, um desconhecimento do que fala tamanho que desmereceria sua fabulosa exposição, principalmente porque nenhum dos verdadeiros dissidentes proclamaria tais absurdidades, e nas proximidades do provado, as consequências autoritaristas de seu pensamento:

A - Em Cuba não vige um socialismo, mas um capitalismo selvagem, militar, familiar, porque o patrão é o governo:  Bom, se for assim, então de súbito Cuba, Coréia do Norte, Vietnã e os regimes da União Soviética e da China da era Mao são capitalistas. Porém, em um regime capitalista, ninguém é obrigado a empregar ou ser empregado, bem como uma pessoa pode simultaneamente ter dois patrões ou ser empregado numa firma e ser patroa de outra. Além disso, os salários, via de regra, são negociados conforme valores de mercado. Como, pois, Cuba poderia ser capitalista, se não há opção a não ser trabalhar pelo governo pelo que este se dispuser a pagar?

O que Yoani Sánchez desconhece ou oculta é que, ao contrário da defesa utópica de uma sociedade sem classes, um regime socialista sempre há de ser, irrecorrivelmente, piramidal, hierárquico e militar. O próprio Karl Marx e seus contemporâneos anteviram uma estrutura militarizada para o seu modelo.  

Porém, quem traz uma excelente lição sobre a insolúvel natureza hierárquica é Hans-Hermann Hoppe. “declarar todos como co-proprietários de tudo resolve os problemas das diferenças de propriedade apenas nominalmente, mas não resolve o real problema subjacente: diferenças de poder para controlar.”. (Uma teoria sobre Socialismo e capitalismo, p.18). 

Segundo o filósofo alemão, em uma sociedade socialista um empresário tem o poder de adquirir os insumos que achar melhor para a fabricação de seus bens. Em uma sociedade socialista, porém, não há proprietários, mas administradores, que não podem tomar decisões sozinhos, mas antes, devem previamente perguntar à toda a sociedade se as suas necessidades correspondem às prioridades do momento. No entanto, uma consulta assim revela-se na prática impossível, senão pelo método de fazê-lo aos seus representantes imediatos, que por sua vez levarão aos seus superiores até que,  por fim, os problemas sejam todos encaminhados à cúpula do regime. A ela, portanto, é que finalmente sempre caberão as decisões finais sobre qualquer assunto, mesmo que seja comprar botões para camisas, se quadrados ou redondos, se vermelhos ou azuis, se de plástico ou lata. 
Em uma economia baseada na propriedade privada, o proprietário determina o que deve ser feito com os meios de produção. Em uma economia socializada isto não mais acontece, já que não há mais nenhum dono

B – “...um dos elementos fundamentais para catalogar uma sociedade socialista era que os meios de produção estivessem nas mãos dos operários, que as pessoas pudessem decidir o que fabricar, a que preço vender e o que fazer com o dinheiro resultante”: Bom, foi assim com as sociedades livres europeias há coisa de uns setecentos anos atrás. No entanto, houve uma evolução: as técnicas se aprimoraram; quem tinha uma oficina contratou mais gente, houve especialização de funções e com isto a criação de empregos mais sofisticados, até chegarmos onde estamos. E ressalte-se esta que é uma famosa mentira esquerdista: ninguém foi obrigado a deixar de ser artesão para ser operário; tais pessoas agiram assim voluntariamente, porque viram vantagem nisto, e a verdade é a de que, em sociedades legitimamente capitalistas, muitos empregados obtêm salários mais altos do que se vivessem como artesãos. Mesmo no Brasil, poucos são os que preferem viver como camelôs que trabalharem com carteira assinada, malgrado o baixo valor dos nossos salários, especialmente para funções de baixa escolaridade. 

Portanto, para que pudéssemos viver segundo a sociedade vislumbrada pela Sra. Yoani Sánches, necessário seria haver um estado que literalmente proibisse as pessoas de relacionarem-se livremente umas com as outras e principalmente, que as impedisse de prosperar. Que lindo e democrático, não é mesmo?

Vamos mais longe: consequentemente, a gigantesca produtividade da sociedade atual não seria mais possível, pois assim não geraria excedentes para a pesquisa e produção de bens de longo período de maturação: não haveria mais como produzir alimentos em massa, nem remédios, nem roupas e quiçá, muito menos, computadores e equipamentos médicos sofisticados, o que nos remeteria à eliminação da maior parte da população, possivelmente até àquela que vivia no Século XIII ou anterior. Seria a concretização do maior sonho dos ecofascistas. 

C - “Mas sei que este não é o caminho. Raul Castro está desmontando o fidelismo. Raul Castro está enterrando Fidel Castro. Mas se não quer crer no discurso político, disse que não. Diria que está querendo mantê-lo vivo”: Quem ninguém creia nesta mentira braba! Há cerca de um ano, o governo cubano regulamentou cerca de duzentas atividades de “trabalho por conta própria”, mas isto tem menos a ver com uma tentativa de inserção na economia de mercado do que livrar-se de milhares de pessoas que foram demitidas por conta da podridão da economia do regime socialista e que agora estão colocadas para sobreviver do próprio trabalho em um país onde os insumos não podem ser adquiridos livremente. Basta colher os noticiários do próprio Granma, que retratou os pronunciamentos de Raul Castro à época: o regime precisava livrar-se dos sanguessugas, como se os cidadãos cubanos  algum dia tivessem tido escolha que não trabalhar para o estado. Se fosse um discurso honesto de abertura da economia e das liberdades, teria sido num tom de esperança e de enaltecimento das oportunidades, com a facilitação necessária dos meios. 

D – “Pobre Raul, porque é um governante que não pode culpar o governo anterior pelos problemas. Isso é terrível. Normalmente, quando um governo chega ao poder, sempre trata de fazer uma linha divisória para dizer que o que veio atrás cometeu esse ou aquele erro. Raul Castro não pode”.: A Sra Yoani precisa saber que aos políticos sérios recomenda-se afastarem-se de tal tentação. Um político é eleito para um mandato para executar o que se propôs, e não para ficar se desculpando mediante alegações de “heranças malditas”. Aliás, este tem sido, sim, um verdadeiro ardil de todo regime socialista: fora o exemplo de Lula, cada novo ditador na União Soviética repudiava os seus antecessores como forma de passar uma borracha na história e assim legitimar-se a cometer iniquidades ainda piores. 

A cada dia, percebo mais claramente o papel desempenhado por esta sedizente dissidente cubana. Felicito-me porque muitos estão acordando para o fato. Hoje em dia, mentir está mais difícil.  

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