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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O efeito manada




Uma verdade dolorosa – e aqui peço muito para não ser mal interpretado - é que em parte aquelas vítimas deixaram-se morrer porque confiaram no poder do estado de regular as suas vidas.


Por Klauber Cristofen Pires 


Alguns leitores têm me solicitado uma palavra sobre a tragédia de Santa Maria/RS, especialmente quanto à questão do poder regulatório do estado, mister que aquiesci em atender somente com uma boa dose de relutância e depois de várias reflexões.

Quantos foram os que, imediatamente após o sinistro, puseram a garganta a serviço do oportunismo! Quem foi visto nos noticiários até hoje, não disse lá outra coisa que não reclamar do descaso das autoridades, da falta de fiscalização e ora bolas, de uma “política” ou de uma “lei” mais severa para o funcionamento de casas noturnas. Mesmo os jornalistas mais conscienciosos não escaparam da armadilha estatista.

Lembrem o especial destaque com que os noticiários televisivos aplicaram ao fato de que a dita boate “estaria” com seu alvará vencido. Como falta lógica e bom-senso a esses profissionais da informação! Por decerto, em suas burocráticas cabecinhas devem imaginar que o vencimento de um certificado tem o poder de invalidar as obras e a estrutura física que foi montada justamente por meio dele! Percebam como a hipótese de que a dita casa de eventos estar em dia com seu alvará não minimiza, mais ao contrário, agrava ainda mais a situação!

Em uma dessas reportagens, um perito em segurança informou porque tantas pessoas morreram nos banheiros, isto é, porque seguiram outras à frente caminhando em uma direção qualquer com alguma aparência de decisão, como se soubessem o que faziam, ao que denominou este típico comportamento em situações de pânico descontrolado de “efeito manada”. 

Pois eu digo, é exatamente isto o que acontece com essas bocas levianas!

Quando um brasileiro típico abre a boca para exigir mais ação por parte do estado, ignora solenemente que todo e qualquer dispositivo de segurança foi inventado pela iniciativa privada: extintores de incêndio, detectores de fumaça, sprinklers (chuveirinhos), portas abre-rápido e o que mais exista no mercado. Até mesmo a própria regulação estatal foi erigida copiando a regulação privada: grande parte das normas da ABNT derivou-se de associações puramente privadas, como a SAE – Society of Automotive Engineers.

Quando as primeiras leis sobre segurança no trabalho surgiram nos Estados Unidos, os trabalhadores há muito já usavam EPI – equipamento de proteção individual, pagavam seguro de vida e cumpriam procedimentos elaborados por seus patrões ou, indiretamente, por entidades certificadoras privadas, e claro, as crianças já estavam nas escolas.

O primeiro pensamento de um cidadão brasileiro ao ser sugerido sobre uma desregulamentação é a de que aí sim, os empresários, sequiosos de lucro fácil, colocariam toda a população em grande risco. O homem que se nutre de tal raciocínio desconfia dos seus semelhantes tal como aquele que acredita que toda mulher é “vaca”, com exceção de sua mãe. Deu pra perceber a contradição? 

Todavia, em uma sociedade livre, o mais certo é que naturalmente floresceriam não uma, mas várias entidades que aqui vou denominar de “certificadoras”, que estabeleceriam cada qual suas próprias normas privadas de segurança, e isto aconteceria não por benevolência pura e casta, mas simplesmente porque a segurança é um bem valioso. Isto tem acontecido desde o século XVIII, com a fundação do Lloyd Register of Shipping, em 1760, primeiramente no ramo da construção naval e marinha mercante e com o passar do tempo, com linhas férreas e plantas industriais. Entidades como o Lloyd Register, conhecidas como Sociedades Classificadoras, têm como patrimônio a reputação, uma árvore frondosa que cresce somente alguns milímetros a cada ano, mas capaz de tombar em um segundo, daí ser tão cuidadosamente zelada. Será que o Corpo de Bombeiros estadual ou a Secretaria de Obras do Município dependem da reputação para sobreviverem?

Com base em um sistema puramente contratual, a cada figura do malfadado sinistro, seriam atribuídas responsabilidades muito bem antecipadas e definidas, abrangendo os músicos, os proprietários do estabelecimento, a companhia se seguros e inclusive, os próprios clientes! Muito diferentemente dessa névoa cinzenta e amorfa que levará anos e anos até surgir alguma decisão judicial, e que mesmo quando vier, não logrará trazer justiça e principalmente, reparação. 

Sim, prezados leitores! Uma verdade dolorosa – e aqui peço bastante para não ser mal interpretado - é que em parte aquelas vítimas deixaram-se morrer porque confiaram no poder do estado de regular as suas vidas; em outras palavras, delegaram ao ente estatal uma responsabilidade personalíssima! 

Querem um exemplo? Ainda hoje minha filha de 11 anos pede para divertir-se em alguns brinquedos de um famoso parque de diversões que periodicamente vem a Belém. Todavia, não lhe dou permissão, eis que não aprovo a segurança daquele estabelecimento e não confio na responsabilidade dos seus donos. Quando vejo aqueles equipamentos com porcas e parafusos desgastados, fios elétricos espalhados pelo chão, a superlotação e a absoluta inexistência de uma turma especializada em segurança e controle de danos, percebo claramente que estou diante de uma máquina da morte, esperando apenas que o demônio lhe faça uma visita. 

Há tempos atrás, em uma reportagem sobre moradias de risco, uma cidadã norte-americana traduziu exatamente o tipo de comportamento que nos falta: ela havia dito que no lado baixo do seu bairro os aluguéis eram mais baratos, mas o seguro, bem mais caro, de modo que assim preferia continuar morando na parte alta da cidade. Enquanto isto, os brasileiros vão se equilibrando em morros e outras áreas de risco, e caso se vejam de frente com o infortúnio, lá vem o estado com perigosos incentivos como o aluguel social e outras formas de indenização, garantias que são pagas principalmente com o dinheiro de quem toma atitudes seguras e não recebe nenhum mimo por tanto.

Claro é que são poucas as pessoas que possuem conhecimentos técnicos suficientes sobre segurança, mas algo que elas podem fazer facilmente é escolher firmas certificadoras, a exemplo das sociedades classificadoras, assim como escolhem uma grife de roupas. Quem opta por uma grife confia no bom gosto que ela promete. Assim, qualquer pessoa poderia verificar, à porta do estabelecimento, se ele obedece às normas privadas da entidade certificadora em que ela confia, porque mais bem reputada.

Bom, exatamente nada neste mundo é certo, e este artigo certamente não advoga que um sistema puramente privado seria perfeito. Todavia, os incentivos e os gravames são muito mais bem definidos e corretamente alocados do que o sistema de regulação estatal. Na pior das hipóteses, uma quantia a título de indenização por morte seria previamente estipulada, o que não traz as vidas perdidas de volta, mas minimiza os efeitos materiais de quem dependia dos seus entes queridos. No sistema estatal, a fórmula é mormente substituída por multas a serem pagas para o estado, e não para os clientes prejudicados.

Como brasileiros, poucas escolhas temos já que a regulação de segurança é quase toda estatal. No entanto, se você entendeu e concordou com os argumentos acima expostos, prepare-se para viver uma vida mais responsável – eu digo, mais individualmente responsável. Já ouviu falar em direção defensiva, aquela em que você dirige prestando atenção às barbeiragens alheias no trânsito? Pois bem: adote o conceito de “cidadania defensiva”, isto é, precavendo-se contra as barbeiragens dos políticos e dos agentes públicos. É o que você pode fazer por si e sua família. 



3 comentários:

  1. No texto o Sr. menciona que: "Quando as primeiras leis sobre segurança no trabalho surgiram nos Estados Unidos, os trabalhadores há muito já usavam EPI..." Sou engenheiro de segurança do trabalho e sempre ouvi e li que as normas de segurança foram criadas pelo estado e impostas aos empresários. Não fosse assim, teríamos milhões de operários mutilados, pois os malvados capitalista jamais se preocupariam com o bem estar de seus empregados. Onde posso encontrar mais informações sobre esta história americana na área de segurança do trabalho. Me interessa muito saber mais sobre isto. Obrigado.

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  2. Sr Jerônimo Otoni,

    Os livros "American Story" , do historiador americano Gary Garrett, e se não me falha a memória, "How the Capitalism Saved America", de Thomas DiLorenzo, podem auxiliá-lo com as informações desejadas. Atenciosamente,

    Klauber C. Pires

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  3. caro klauber,

    Não existe lei contra a estupides, ainda mais quando ela é grande a ponto de ser inacredditável.
    O material usado para revestimento acústico da Kiss e sabe Deus de quantas outros recintos no país é um combustível de foguete, usado pela nasa no extinto programa de ônibus espaciais, e em uso como propelente por muitos outros modelos mundo afora.
    Se tivessem usado pólvora para revestimento, teria demorado mais para queimar..
    Agora me diga, qual proprietário, tendo essa informação, concordaria com tamanho disparate?
    E qual lei que impede que o mesmo se repita onde quer que esse material esteje em uso?

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