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domingo, 23 de junho de 2013

Elite predatória

A qual elite deve ser aplicado esse conceito?

José Osvaldo de Meira Penna

O conceito admirável de "elite predatória" foi lançado pelo ilustre presidente do PT, dr. José Genoíno, e a ele já tive ocasião de me referir anteriormente. A idéia de ser o Brasil governado por uma elite predatória é politicamente correta, havendo apenas discrepâncias sobre o verdadeiro sentido da expressão. Indubitavelmente, é o nosso país dominado por uma certa casta cujo caráter "predatório" pode ser julgado de maneira diversa, conforme nos alinhemos por preconceitos coletivistas; por interesses corporativistas ou por idéias liberais concernentes às vantagens de um "Estado Mínimo" onde possa ser limitada a capacidade da aludida elite de exercer sua atividade nefasta. Outra certeza que se me impõe é que tanto José Genoíno como este seu amigo a ela (elite) pertencemos - ele, como político militante: eu, como funcionário público aposentado. O conceito corresponde estritamente à noção de "patrimonialismo" de Max Weber.


Patrimonialista é a sociedade em que o Estado precede ou se coloca acima do grupo social cuja segurança, ordem pública e legitimidade deve garantir. No patrimonialismo, a sociedade serve e financia o Estado, em vez do que geralmente ocorre numa sociedade democrática livre e séria, do tipo racional-legal. Ora, sempre foi o predomínio do Estado predador uma característica distintiva da sociedade brasileira, desde o desembarque luso na Terra dos Papagaios. Fato inédito na História universal: o Brasil já se tornara patrimônio da Coroa portuguesa em 1494, antes mesmo de ser "descoberto". Lembrem-se que o primeiro documento oficial de nossa história, a carta de Pero Vaz de Caminha, continha um pormenor tipicamente patrimonialista: o pedido do missivista ao venturoso d. Manuel para que a um parente seu presenteasse com um emprego. Daí por diante, capitães gerais, vice-reis, governadores, ministros e funcionários que se seguiram, ao longo dos séculos, não foram escolhidos entre os súditos da coroa em virtude de um sistema "contratualista", propriamente meritocrático, mas por indicação do soberano. O teste do Quociente de Inteligência (QI), para recrutamento da "elite", funciona aqui, principalmente, pelo sistema definido na expressão galhofeira "Quem Indicou".

O soberano, seja ele rei, imperador, ditador ou presidente, é essencialmente, aquele que distribui prebendas e empregos. O contraste é grande com o modo como se formaram, por exemplo, os Estados Unidos da América. Ali, salvo algumas exceções como o Maryland e a Virginia, os Estados se constituíram espontaneamente por imigrantes europeus que, democraticamente, determinavam suas instituições governamentais. A tradição era antiga. Vinha da Magna Carta de 1215 e das várias "revoluções" que estabeleceram o princípio "não há taxação sem representação". O controle dos impostos pelos representantes do povo - no taxation without representation - é essencial num regime democrático "representativo". Os americanos se rebelaram e, em 1776, proclamaram a independência exatamente porque o governo londrino taxara seu consumo de chá e sal, sem que gozassem de representação no Parlamento de Londres que lhes impunha o peso fiscal. Aliás, no próprio Brasil, nossa primeira tentativa, na Inconfidência de Ouro Preto, se originou no desejo de não alimentarmos o famigerado apetite da Coroa portuguesa pelo ouro das Minas Gerais.

Em 1808, foi o Brasil invadido por uma chusma de nobres e burocratas lisboetas que acompanhavam d. João VI. O filho desse monarca vitoriosamente proclamou a Independência e assegurou a unidade do nosso extenso Berço Esplêndido sem que, no entanto, jamais um regime representativo, liberal democrático, houvesse fincado raízes profundas de natureza contratualista. As coisas, aqui, sempre tenderam para a manutenção de uma economia política mercantilista e patrimonialista. O 15 de Novembro reforçou a tentação autoritária da tese positivista relativa à "Ditadura Republicana" e, em 1930, uma falsa "revolução liberal" impôs concretamente o domínio personalista de Getúlio Vargas que duraria 15 anos. O regime militar de 1964, depois de uma frustrada tentativa liberal sob o governo Castello Branco e a administração técnica de Bulhões e Roberto Campos, degenerou na paranóia estatizante de Ernesto Geisel - tendo sido o monstruoso dinossauro assim criado legitimado na Constituição dos "miseráveis" do "dr." Ulysses, um bando patético de bem-intencionados e românticos legiferantes que encheu a Carta Magna de absurdos e contraditórios "direitos", tendentes a estimular o apetite do Leviatã.

Inspirado em Oliveira Vianna, Ricardo Vélez Rodríguez descreve o Estado brasileiro, por esse motivo, como "orçamentívoro". Em vez do ímpeto liberal de reduzir os impostos, na base do não há taxação sem representação, os legisladores e governadores brasileiros tendem, invariavelmente, a aumentá-los. A carga já teria ultrapassado um terço do PIB, obrigando o Executivo a conter a fúria perdulária que se traduz em inflação, esbanjando perversa e arbitrariamente os recursos assim disponíveis. Os "servidores", em número excessivo, recebem seus salários, mas os serviços públicos são péssimos. O País progride lentamente graças ao ingente esforço do setor privado, assoberbado pelo chamado "custo Brasil". É a tendência oposta à que deveria orientar uma democracia verdadeiramente progressista, liberal e representativa, razão pela qual não se engana o dr. Genoíno, "olá, companheiro!", ao se referir à elite governante como predatória.

Mas a que se destina a opressora carga tributária? Uma parte mínima a manter serviços públicos monopolistas que dificilmente poderiam caber ao setor privado da economia. O maior peso é representado pelo sustento da "Nova Classe Ociosa" de políticos e burocratas que a guarnecem. Os "Donos do Poder" (Faoro e Schwarzman) e seus subalternos consideram o patrimônio público como "Coisa Nossa" (Oliveiros Ferreira). Pouco produzem e, na verdade, só discursos, papéis e carimbos - e, em muitos casos, apenas consomem. Falam grandiloqüentemente em "justiça social", mas de tal maneira que o Estado acaba se transformando no que Octavio Paz qualificava como um "Ogro Filantrópico" - sendo o produto da filantropia consumido internamente. Assim prosperam os "marajás" - membros do que, na antiga URSS, se denominava a Nomenklatura. O País já teria ido à falência não fossem os empresários "capitalistas", isto é, justamente aquela classe "burguesa" que, galharda e desesperadamente, resiste à "opção preferencial" pelo enriquecimento dos 10 ou 12 milhões de membros do setor público.

Quem são estes? São os membros dos Três Poderes federais - 500 deputados, 70 senadores, milhares de juízes, governadores, ministros, generais, almirantes, embaixadores, 6 mil prefeitos e respectivos abundantes secretários, 2 mil ou 3 mil deputados estaduais, 60 mil vereadores - enfim, um número indeterminado de "altos funcionários" com DAS, além de uma multidão incalculável de barnabés e Marias Candelárias, com seus dependentes, na ativa ou aposentados - o número exato sendo desconhecido precisamente porque não interessa ao IBGE (por motivos óbvios) recenseá-los como tal. A lei da omertà é estrita e não perdoa. Falo com conhecimento de causa, pois, há 65 anos, sou membro da aludida classe e sei que é perigoso abrir o bico.

A parte superior da classe dominante consumidora - o cérebro minúsculo do gigantesco brontossauro - é uma coterie ou uma patota que se locupleta com alta remuneração por ela mesmo fixada (e sempre tendente a aumentar). É uma "famiglia" de formação semelhante à que, há séculos, cresceu no fértil solo da Sicília. Ela goza de privilégios especiais contra o Estado de Direito que impera nas democracias liberais. Alguns exemplos. Segundo um editorial do JB (7/11/2001), um deputado federal ganha R$ 1.332.000 por ano e um senador da República, R$ 25.560.000, o que inclui salários, casa, domésticos, luz, água, telefone, assessores (grande parte da própria família), passagens aéreas, automóveis, viagens ao exterior com diárias, etc. O privilégio comporta, ainda, o de ficar acima da lei. O jovem assassino do índio pataxó, filho de um magistrado de Brasília, classificado em 65° lugar em concurso (coitadinho!) foi contratado para o tribunal pelo próprio pai com um salário de R$ 1.300, embora só houvesse 12 vagas (Correio Braziliense, 22/12/01). Esse tipo de Justiça, em termos "minervinos", demonstra que a desigualdade que contamina toda a estrutura social brasileira não resulta do poder econômico, mas sim do poder político. Outro exemplo é o do artigo da Constituição que estabelece "todos são iguais perante a lei" e todos têm "direito à saúde" (art.196). Façam um cálculo e considerem se os 174 milhões de brasileiros podem gozar do mesmo grau de tratamento intensivo em hospital de elite que foi dispensado ao presidente Tancredo Neves e ao governador Covas, em suas moléstias fatais.

Sejamos realistas! Se há discrepâncias na repartição dos benefícios sociais que favorecem a Nomenklatura, torna-se mais fácil a definição de quem compõe a "elite predatória" brasileira: não são os que pagam os impostos, mas os que vivem do produto dos impostos pagos pelos outros."

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