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terça-feira, 24 de setembro de 2013

QUEM SABE QUANDO COMEÇOU A GLOBALIZAÇÃO?

QUEM SABE QUANDO COMEÇOU A GLOBALIZAÇÃO?
(Um pouco de história da economia)

:: FRANCISCO VIANNA (com base em matéria publicada pela revista The Economist)

Segunda feira, 23 de setembro de 2013

A "globalização" tornou-se a palavra de ordem das duas últimas décadas. O súbito aumento na troca de conhecimento, de comércio, de capital humano e financeiro, em todo o mundo, impulsionados pela inovação tecnológica – da Internet aos contêineres dos navios – tudo junto acabou jogando o termo às luzes da ribalta. Virou moda falar em globalização e, mais até, a noção se tornou um parâmetro de análise macro e microeconômica.

Alguns veem a globalização como uma coisa boa. De acordo com Amartya Sen, economista vencedor do Prêmio Nobel, a globalização "tem enriquecido o mundo cientificamente e culturalmente, e também beneficiou muitas pessoas economicamente". A ONU previu ainda que as forças da globalização podem ter o poder de erradicar a miséria e a pobreza extrema ao longo deste século 21.
Outros discordam. A globalização tem sido atacada pelos críticos da economia de livre mercado (leia-se socialistas), como os economistas Joseph Stiglitz e Ha-Joon Chang, que argumentam ser uma manobra dos países ricos (leia-se capitalistas e democráticos) para “perpetuar a desigualdade” no mundo, em vez de reduzi-la (como se a “igualdade” possa ser algo viável em qualquer época, em qualquer país  e sob qualquer regime).
Alguns acham que é possível uma combinação dessas duas correntes econômicas e políticas, algo que para muitos configura o que os americanos chamam de “wishful thinking”, que se pode traduzir por “pensamento faz de conta”, amplamente dissociado da realidade.
O Fundo Monetário Internacional admitiu em 2007 que os “níveis de desigualdade” podem ter aumentado pela introdução de novas tecnologias e o investimento de capital estrangeiro nos países em desenvolvimento. Nos países desenvolvidos, também há os que desconfiam da globalização, ao temerem que, muitas vezes, se permita que os empregadores migrem para lugares onde a mão de obra é mais barata ou onde haja mais segurança jurídica para a aplicação de seus capitais e a obtenção de seus lucros. Na França, por exemplo, a "globalização" e a "deslocação" tornaram-se termos pejorativos para as políticas de livre mercado. Em Abril de 2012, uma enquete conduzida pelo IFOP, um instituto de pesquisa de opinião, descobriu que apenas 22 % dos franceses achavam a globalização uma "coisa boa" para o seu país.
No entanto, os historiadores econômicos concordam em que a questão de saber se os benefícios da globalização superam as desvantagens é algo mais complicado do que isso. Para eles, a resposta depende de quando se creia que o processo de globalização começou. Mas por que isso importa, se a globalização começou a 20, 200 ou até 2.000 anos atrás?
A resposta é que é impossível dizer o quanto uma "coisa é boa", dentro de um processo que está na história, sem primeiro definir por quanto tempo isso vem acontecendo.
Os primeiros economistas certamente eram familiarizados com o conceito geral de que os mercados e as pessoas ao redor do mundo foram se tornando mais integrados ao longo do tempo. Embora o próprio Adam Smith nunca tenha usado a palavra, a globalização é um tema-chave em “A Riqueza das Nações”, uma de suas obras primas.
Sua descrição do desenvolvimento econômico tem como princípio fundamental a integração dos mercados ao longo do tempo. Como a divisão do trabalho permite a saída para expandir, a busca de especialização expande comércio e, gradualmente, une as comunidades de diferentes partes do mundo. A tendência é quase tão antiga quanto a própria civilização.
Divisões primitivas de trabalho, entre os "caçadores" e "pastores", por exemplo, cresceram como aldeias e as redes de comércio se expandiram para incluir especializações mais amplas e negócios mais variados. Eventualmente, armeiros para criar uma variação maior de arcos e flechas, carpinteiros para construir casas e utensílios e costureiras para fazer roupas, deram origem a artesãos especializados, trocando seus produtos por alimentos produzidos pelos caçadores, pastores, e agricultores.
Da mesma forma, as vilas, as cidades, os países e os continentes deram início ao comércio de mercadorias, uns com mais eficiência que outros, e os mercados tornaram-se mais integrados, aumentando a especialização do comércio e ampliando o uso do dinheiro. No início o capital financeiro era tudo e o capital humano valia quase nada, mas essa discrepância foi desaparecendo ao longo do século XX, principalmente, e hoje ambos têm praticamente o mesmo valor. Este processo que Smith descreve começa a soar um pouco como "globalização", mesmo que mais limitado à área geográfica do que a maioria das pessoas pensa hoje.
Adam Smith tinha um exemplo específico em mente quando falou sobre a integração dos mercados entre os continentes, europeu e americano. A descoberta dos nativos americanos pelos comerciantes europeus permitiu uma nova divisão do trabalho entre os dois continentes. Cita ele, como exemplo, que os nativos americanos, que se especializaram na caça, negociado peles e produtos de animais para "cobertores, armas de fogo e aguardente", fizeram com que esse comércio fosse lucrativo mesmo atravessando milhares de quilômetros de distância do velho mundo.
Alguns historiadores econômicos modernos contestam o argumento de Smith de que a descoberta das Américas por Cristóvão Colombo, em 1492, tenha acelerado o processo de globalização. Kevin O'Rourke e Jeffrey Williamson argumentou num artigo de 2002 que “a globalização só começou realmente no século XIX, quando uma súbita queda dos custos de transporte permitiu que os preços das mercadorias na Europa e na Ásia convergisse para a América. A descoberta da América e a descoberta do caminho para a Ásia dobrando o Cabo da Boa Esperança, feitas respectivamente por Cristovão Colombo e Vasco da Gama, tiveram muito pouco impacto sobre os preços dessas mercadorias”, argumentam eles.
Mas há um importante mercado que os senhores O'Rourke e Williamson ignoraram em sua análise: o mercado da prata. Como as moedas europeias eram geralmente cunhadas com base no valor da prata, qualquer mudança no seu valor teria grandes efeitos sobre os preços no mercado europeu e asiático. O próprio Adam Smith argumentou que esta foi uma das maiores mudanças econômicas resultantes da descoberta das Américas:
“A descoberta das abundantes minas na América, reduziu, no século XVI, o valor do ouro e da prata na Europa em quase um terço do valor que tinham antes. Como dá menos trabalho levar esses metais da mina para o mercado, então, quando eles os levavam para lá, conseguiam comprar mais mão de obra e ter mais liquidez; tal revolução em seu valor, embora talvez o maior, de jeito nenhum é a única maneira entre as que a história nos dá alguma conta”.
The influx of about 150,000 tonnes of silver from Mexico and Bolivia by the Spanish and Portuguese Empires after 1500 reversed the downwards price trends of the medieval period. Instead, prices rose dramatically in Europe by a factor of six or seven times over the next 150 years as more silver chased the same amount of goods in Europe (see chart).
O fluxo de cerca de 150.000 toneladas de prata do México e da Bolívia pelos Impérios Espanhol e Português depois de 1500 inverteu as tendências de preços para baixo em relação aos praticados no período medieval. Em vez disso, os preços subiram drasticamente na Europa seis ou sete vezes ao longo dos 150 anos seguintes, na medida em que mais prata era prospectada e negociada pela mesma quantidade de bens na Europa (ver gráfico), configurando inflação.
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            O impacto resultante, que os historiadores chamam de "revolução dos preços", mudou radicalmente a face da Europa. Historiadores atribuem tudo, desde o domínio do império espanhol na Europa para o aumento repentino na caça às bruxas em torno do século XVI até os efeitos desestabilizadores da inflação sobre a sociedade europeia. E se não fosse o aumento súbito das importações de prata da Europa para a China e Índia, durante este período, a inflação europeia teria sido muito pior do que foi. A subida de preços só parou em cerca de 1650, quando o preço de cunhagem das moedas de prata na Europa caiu a um nível tão baixo que não era mais rentável importar o metal das Américas.
            A rápida convergência do mercado de prata no início do período moderno é apenas um exemplo de "globalização", garantem alguns historiadores. O economista especializado em história, alemão, Andre Gunder Frank, argumentava que o início da globalização pode ser rastreado à época do crescimento da integração comercial e de mercado entre a Suméria e as civilizações do Indo do terceiro milênio a C.
            As relações comerciais entre China e Europa primeiro cresceram durante a idade helenística, com novos aumentos da convergência do mercado global, que ocorreram quando os custos de transporte caíram no século XVI e mais rapidamente na era moderna da globalização, que os senhores O'Rourke e Williamson descrevem como depois de 1750. Já od historiadores globais, como Tony Hopkins e Christopher Bayly também destacaram a importância do intercâmbio não só comercial, mas também de ideias e de conhecimento durante os períodos de globalização pré- modernos.
            A globalização nem sempre tem sido um processo unidirecional. Há evidências de que também houve desintegração de mercados (ou “desglobalização”) em períodos tão variados como a Idade das Trevas (Média), no século XVII, e o período entre guerras no século XX. E há alguma evidência de que a globalização recuou na crise atual a partir de 2007. Parece que as expansões globais decrescem quando surgem as crises econômicas que são tanto mais severas quanto maior é o grau de globalização da economia internacional.
            Mas fica claro que a globalização não é simplesmente um processo que começou nas últimas duas décadas ou mesmo dos dois últimos séculos, como muita gente pensa e afirma. O fenômeno tem uma história que se estende por milhares de anos, começando com o primitivo sistema de trocas tribais e de grupos especializados de caçadores coletores de Smith com a aldeia mais próxima, e, eventualmente, evoluiu para as sociedades globalmente interconectadas de hoje.
            Se você acha que a globalização é uma "coisa boa" ou acha que não é, você deu o passo essencial para levar adiante a história econômica da humanidade.
            Quem se dedica a esses estudos do passado, anseia compreender o presente e racionalizar uma projeção para o futuro. Com o extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido ao longo dos últimos setenta anos, a história econômica do século XX e desse início de século XXI conseguiu estabelecer algumas verdades que jogaram no lixo a quase totalidade das teorias dos sociólogos alemães que criaram a “doutrina socialista” no fim do século XVIII e início do século XIX.
            Não obstante, ainda há grupos de pessoas e ativistas, principalmente nos países menos desenvolvidos, que querem ressuscitar regimes socialistas que jamais lograram qualquer resultado satisfatório em qualquer país do mundo.
            A pior insanidade é a que faz com que as pessoas esperem mudanças benéficas adotando sempre as mesmas práticas errôneas, tanto em suas vidas privadas como nos governos de seus países. 


  

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