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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Absurdo! Câmara está para aprovar lei que libera biografias não autorizadas!


Se a Constituição já me garante a liberdade de expressão com exercício imediato e independentemente de posterior regulação, porque eu preciso de uma lei para exercer meu direito?

Por Klauber Cristofen Pires


Estão vendo a que situação chegamos?  Agora o jornalista destemido Joselito Müller precisa ficar afirmando que suas pilhérias não não fatos reais, enquanto eu tenho de ficar explicando que notícias reais não são piadas. Não se engane: isto é um fato comum em ditaduras.

Acreditem ou não, mas é nisso que dá quando uma democracia decai ao ponto da demagogia populista: um bando de inúteis que não entende patavinas de constituição e de leis.

Aos fatos: a Câmara dos Deputados está para aprovar um projeto de lei que libera a publicação de biografias não autorizadas. No entanto, esta lei é absolutamente desnecessária. Atentem para o Art. 5º e incisos IV, V e IX, em harmonia com o § 1º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
...
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
...
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.


Chama-se de recepção ao fenômeno jurídico pelo qual uma lei anterior à promulgação da nova constituição continua válida se estiver de acordo com esta. Todo o imbróglio tem sido causado pelo art. 20 do novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002) que  automaticamente deveria ter sido não recepcionado e prevê:

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Ocorre que os "valentes" combatentes da ditadura e da censura, aqueles que outrora cantavam "é proibido proibir", por questões que remetem à dificuldade que têm de lidar com o público e as liberdades individuais - sendo figuras públicas (!) - e até de olho num pra lá de burguês bom dinheiro, estão a censurar o trabalho jornalístico de sérios profissionais.

Pode-se aventar que o artigo supracitado não ofenda a Constituição, desde que se aplique a posteriori, pelo poder judiciário, tendo por objetivo retirar de circulação os textos ou imagens ofensivos justamente como forma  de defender a pessoa ofendida contra a injúria, calúnia ou difamação já praticada.

No entanto, resta a expressão "ou se se destinarem a fins comerciais", que remete irrecorrivelmente à censura prévia, dependente da licença do biografado. Talvez o STF opte por declarar a constitucionalidade do artigo 20 com supressão desta última parte, e se assim o fizer terá sabiamente harmonizado a lei com a Constituição. Entretanto, hoje já não se pode prever nada de juízes que legislam com base em suas concepções ideológicas e se acham agentes de transformação da sociedade. 


Se fosse necessário que qualquer biografia fosse autorizada, já nenhuma delas teria valor, por seria editada a favor do biografado. Seriam como jornais estatais, tais como o Granma cubano ou a Agência Brasil.

A rigor, em um exercício de reductio ad absurdum, absolutamente nenhuma notícia sobre quem quer que seja poderia ser publicada, já que seria uma forma parcial de uma biografia. 

A lei sã já previa tanto a liberdade de expressão e de atividade intelectual e de comunicação independentemente de licença, censura e até mesmo de regulamentação posterior, quanto a responsabilização por atos de injúria, calúnia e difamação.

Por fim, outro absurdo digno de nota na nova proposta de lei é a previsão de rito mais célere no sistema judiciário para estes casos, de autoria do Deputado Ronaldo Caiado (Dem). Se o rito ordinário da Justiça é lento, então que seja reformado para todos os cidadãos e para todos os casos. Qual o argumento capaz de afirmar que a causa de um biografado supostamente ofendido é mais importante do que a de qualquer outro cidadão? Trata-se de mais um particularismo que só virá a poluir ainda mais o sistema jurídico.

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