Páginas

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O que é ser um “Canalha”?


“O brasileiro, quando não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte”- Nelson Rodrigues


Gustavo Miquelin Fernandes

A pergunta encimada não é retórica. Nem pede uma descrição muito detalhada, ou apenas nominológica, semiótica ou semântica. Tento uma leve conceitual-descritiva – pelo menos é essa minha intenção neste pequeno texto.
A canalhocracia pulula – e esta ideia já tenho como líquida e certa, mais líquida que  água, mais certa que o pensamento (cogito ergo sum). E toma conta, e subjuga, e domina e prospera. É onipresente e semi-onipotente. Atraente demais, há de se confessar. Mas não para mim!

O bom é que já há resistências, mudas, bem verdade, mas existentes.
Canalhas, vendedores de pipopa, puxa-saco e tiririca têm em tudo quanto é lugar... É uma verdadeira hematopoiese acelerada e elevada à quinta potência, onde a célula-mãe é a própria mentalidade terceiro-mundista, devidamente retroalimentada, mesclada a um complexo de vira-latas engororobado com um vitimismo secular, plenamente injustificável. E tudo sob a batuta e aplausos caudalosos dos grandes intelectuais tupiniquins.
A constatação: em todo ser há um canalha, menos no Rousseau, que se postava acima do mundo, dos co-cidadãos, de tudo que andava por pernas e pensava. Rousseau não era um canalha, definitivamente. Nem os condenados pelo STF e salvos pelos Embargos Infringentes. É bom fazer essa ressalva. Quero ser muito justo. Afinal, muita justiça nunca é demais para um ser que se pretenda um não-canalha.
Eu não sou um canalha, nem quero ser, e foi há muito pouco que descobri isso e assim quero permanecer.
Para começo de conversa, é bom se adéqüe o corpus do debate: canalhas, não no sentido desses homens que, em suas relações afetivas, agem como adolescentes recém sexualizados, dando prova completa da mentalidade juvenil que insiste em imperar em suas inseguranças ao apostar em relações amorosas. Não falo disso, não é minha especialidade. Eu nem tenho especialidade. Olha aí, eu aqui apostando num tecnicismo pra lá de canalha. Estou sendo canalha. Esse bacilo pega...
 O perfeito canalha é um mago operador do politicamente correto. Ele o estudou, conhece em profundidade, tem o domínio dessa canalhice toda (que é vulgar) e a todos induz, e faz prosperar essa ideologia garotice. Ele ainda não compreendeu que há pessoas melhores que outras em certas coisas, e outras piores. O mundo opera em desnível e desigualdade que é ínsita. Eu sou melhor que você em desenhar aviões. Mas você é melhor que eu em fazer bolas de chicletes. Ele não convive bem com a diferença; joga todos na vala comum e passa o trator.  A massa amorfa que sobra, devidamente nivelada, são todos, iguaizinhos, sem reconhecimentos dos méritos e deméritos. O respeito ante a desigualdade não pode existir. Há que se fazer mágicas.
O preconceito é terrível, existente sim, e inaceitável, mas o canalha jamais pensou em combatê-lo. Ele não quer ideias, quer bandeiras. Simples assim.
Ele é arrogante. Não podemos ensinar nada para um legítimo canalha. Ele sabe tudo. Ele não escuta, só fala. Ele não aprende, pois que tem o status quaestione de tudo que existe no Universo infinito. Um semi-deus encarnado para o benefício da Humanidade. 
As contraditas ou divergências são levadas pelo canalha à conta de ideologias classistas e do medíocre discurso polilogístico.
A confissão de ignorância para todos os não-canalhas deve ser feita diariamente, afastando eventuais qualidades que não portamos, ou sabedoria ou iluminação pessoal que jamais alçaremos. A burrice, ainda que modesta ou menor, sempre será nossa companheira de todas as horas.
O canalha não pensa assim. Sua atitude diária é afirmação total do que pensa que sabe – e tudo sabe. E a auto-confiança às vezes pode ser a grande vilã nessa estorinha.  
Ele - o canalha Classe A - é subserviente. Mas apenas com seus superiores. Seja esse superior o sentido que se queira emprestar. Com os “pequenos”, arrogante, com os “grandes”, humilde: e faz igual ao gatinho manhoso, aproxima-se carinhosamente se esfrega todo e levanta o rabo. É a pior humilhação que existe.
E canalha adora ser humilhado dessa forma. Conhece alguém assim?
Ele é dinheirista. Seu valor moral é o vil metal e apenas isso, não conhece outros elementos que empregam sentido à vida. Dinheiro, reconheço, é extremamente importante, mas jamais razão de viver, pra ninguém. Experimente dar um bilhão para um condenado à prisão perpétua...
 Jamais confundir dinheirismo com capitalismo. Um é um sistema filosófico de vida,  o outro, sistema econômico de produção. Conceitos que, dada a elementariedade, nem vou explicitar.
Ele é egocêntrico, mas isso demanda um raciocínio mais estratégico para obter tal percepção, dado o discurso humanista que sói envernizar a ação dessas pessoas. Ninguém amará mais a Humanidade que a si próprio – essa deve ser a regra número um para a detecção desses elementos. Hoje abundam exemplos de gente que prega a repartição de rendas, a ecologia, e paradoxalmente, recebem verbas de origem ilícitas, anonimamente. Devemos, analisar os “bons-moços” com redobrado cuidado. 
Ele é palpiteiro. Não que a democracia vocal não permita isso. Permite. A exteriorização do pensamento é coisa saudável e faz parte do jogo, inserindo-se na liberdade constitucional de expressão. Mas há que se ter um mínimo de arcabouço intelectual para sair falando e influenciando, sob pena de afronta a uma ética comum. A alteridade que devemos ter, em posição de elevado respeito ao outro, não permite que façamos do auto-egano um bem coletivo. Socializar ignorância é mau-caratismo puro.   
Ele acha chique ser “filósofo de botequim”, “sábio de ficheiro” ou um “erudito de almanaque”. O canalha corre atrás desses títulos como o tarado corre atrás de uma bela perna. A honestidade intelectual passa longe da figura canalhocrática.
A beleza jamais consiste em ser culto, e sim, em ser sábio. A primeira como intrumentalização da segunda. O canalha não sabe disso...
O canalha tem boa operação da língua e rudimentares conhecimentos em Lógica o que dá um verniz de coerência no discurso (demão única, ok?). Cai quem quer? Não. Cai muita gente. No país da educação sabotada é assim – por infelicidade.
Assim, ele cumpre seu papel antieducacional. Propagando a miséria intelectual e a burrice como forma de sobrevivência no mundo dito pós-moderno.  A “revolução pedagógica”, bem descrita por Pascal Bernardin visa formatar mentalidades para um projeto pré-constituído, engajando pessoas e a própria Ciência neste mesmo esquema. Leiam o livro mais famoso desse autor!
A canalhocracia quer fazer de todos um dócil cachorrinho de Pavlov, aquele que adorava um bifinho e salivava muito quando via a iguaria. Ninguém pode ser experimento de nada, a vida é feita pra ser enfrentada, com bastante liberdade e um profundo comprometimento ético e alteridade, que alguns acrescentam o predicado “cristã” a isso nada me oponho.   
A educação verdadeira é um grande bem que a liberdade oferece, ou poderia oferecer, tanto que I. Kant, talvez exagerando um pouco, asseverou: “O homem não é nada além daquilo que a educação faz dele” e “É no problema da educação que assenta o grande segredo do aperfeiçoamento da humanidade.”
O canalha adora a hegemonia, e faz dela uma muleta a suas deficiências intelecto-morais e também uma busca incessante, visando ao projeto de poder (micro, que seja) já que a mesma totalidade individual o socorre sempre, em apoio e legitimação a suas mais audaciosas empreitadas.  Não sabe “brigar” sozinho.
O ser-canalha é coletivista, simplesmente, esquece que dentre o todo, o éter, o universo, existem pessoas, que sofrem, pensam e são a razão de ser da vida (embora desconheçamos totalmente o que é “razão”, “ser”, “vida”). Pensam o mundo com especial atenção à entidades abstratas (povo, nação pátria, coletividade, trabalhadores, operários, classes). E esquecem do principal, o ser em si, os indivíduos, a micro-partícula existencial. O fim último da existência é teoricamente por eles sacrificado em prol de entidades virtuais e fictícias, muitas de existência duvidosa.
Também, pela elementariedade, não vou diferenciar individualismo de egoísta.
Agora ser anti-individualista e defender entes-fantasmas, isso sim, a meu ver, é errado. Defender coisas que não existem. Precisamos acusar essa realidade.
Enquanto Rousseau, que era canalha, dizia tínhamos que abrir mão de parcela de liberdade a favor de não sei quantas pessoas, em beneficio de um tal de bem comum, Kant já era pelo individualismo, focando o ser como finalidade e não meio para se atingir não sei o quê.
A entidade canalhística é utópica. Desses que constroem castelos no céu e não assentam um tijolinho no chão. Sonham com uma realidade impossível e fazem questão de convencer a todos, não se dobrando ao todo histórico que aponta para uma realidade bem diferente.
O canalha é um analfabeto político, não sei se, nos mesmos termos que Bertolt Brecht escreveu, já que o mesmo era um analfabeto político consumado.
Ele diz em “O Analfabeto Político”:

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.
Sabe esses que atacam classe média e acusam disparates e que se tornam por isso motivos de chacota.
A canalhice verdadeira não tem limites de idade. Rui Barbosa já advertia isso. Jamais a quantidade grande ou a falta de idade significará maturidade: nunca a grande quantidade será atestado de ausência de canalhice nem sua falta, certidão positiva da mesma. A canalhice é atemporal, não conhece a variável “tempo” nem qualquer outro tipo. “Não se deixem enganar pelos cabelos brancos, pois os canalhas também envelhecem”, poetizou o jurista Rui.
E religiosidade afasta canalhice?
Eu ia responder, mas não vou mais. Creio não há necessidade.
E partido ou orientação política?
Liberais ou libertários jamais seriam canalhas? Claro que são e como são! E há muitos nessa situação. Pensar o contrário seria a grande prova da mega-canalhice desse que escreve.
E nacionalidade tem relação com o movimento canalhista?
Não. O brasileiro não é mais canalha que outro povo, definitivamente. Embora, os patriotas, sim, são. Sendo que “patriotismo é o último refúgio de um canalha” (Samuel Johnson), todos que se escondem atrás de títulos ou condições especiais, por sua natureza, o são, ipso facto.
Repilamos, assim, toda a ética e dogmática canalhísticas, absorvemos o melhor deles, entretanto.
É preciso termos nada de canalhas, apenas a coragem, que efetivamente eles têm. É preciso ter coragem pra ser um deles.

 A ética falha nem pensar.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá! Seja benvindo! Se você deseja comunicar-se, use o formulário de contato, no alto do blog. Não seja mal-educado.