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sábado, 15 de fevereiro de 2014

Regulação ou Expropriação?

(Texto antigo que republico, por permanecer atual)

Por Klauber Cristofen Pires

O filósofo alemão Hans Hermann-Hoppe, incrédulo da democracia, define-a como o sistema em que todos têm o direito de decidir sobre a sorte da propriedade de um indivíduo – exceto ele próprio, claro. Ler os argumentos do autor de “Democracy – a God that Failed” (Democracia – o Deus que Faliu) nos leva concordar com seu ponto de vista, embora um certo senso de desespero faça com que nos amarremos à idéia da democracia, assim como uma pessoa que sente medo de altura se agarra a qualquer objeto, torturada por suas vertigens. Isto acontece tão somente por não enxergarmos nenhuma outra forma melhor de organização da sociedade, seguindo a idéia de Sir Winston Churchill. Confesso que eu mesmo não encontrei até hoje a fórmula ideal e, bem, igualmente, não gosto lá muito de mirantes.

Creio que Hoppe tenha sido o primeiro a denunciar este lado corrompido e deturpado da democracia, pelo menos segundo a denúncia da fórmula que é seu vício original: permitir a todos que decidam sobre a vida, o trabalho e a propriedade de um só. Será que toda democracia levará um dia à tirania? Bom, hoje temos, infelizmente, o caso dos Estados Unidos, a nação que melhor se protegeu desde a origem contra isto mas que ano após ano, tem passado de uma nação de liberdades a um estado de bem estar social e que acabou elegendo um Lula “melhor” ainda que o nosso. Fica difícil prever.

Um sistema democrático tem o condão de legitimar qualquer violação que cometa o estado contra o ser humano tão e unicamente com base na sua vontade, isto é, consubstanciada na lei. A lei, por assim dizer, torna-se a medida formadora da moralidade. A lei acaba por fazer os homens, ao invés de os homens fazerem as leis.

No caso de estados altamente desenvolvidos, como o nosso (desenvolvido aqui sob uma acepção peculiar, se o leitor bem me entende), nem a lei se torna necessária. Os seus desdobramentos, sob a forma de atos administrativos com força regulatória, atualmente já fazem todo o serviço, e as mais das vezes extrapolam da lei e da Constituição. Esta técnica do “se colar, colou”, é extremamente vantajosa para os governantes: primeiro, é rápida, pois dispensa o processo legislativo ordinário. Segundo, isenta o governante do custo político, pois ele alega que as medidas adotadas foram geradas por um corpo técnico, e contra a técnica não há discussão. Terceiro, os eventuais inconformados podem até recorrer à justiça, mas isto, além de moroso e custoso, é inglório, vez que as decisões, via de regra, valem apenas para o caso concreto e a medida administrativa fica com o lucro da imensa maioria que se conforma. Eis, portanto, a fórmula da democracia, sob a modalidade de “tirania ideal”.

Tendo lido na seção cartas dos leitores, do jornal “O Liberal”, de sábado, dia 11 de julho de 2009, deparo-me com a missiva intitulada “Tribunal da Inquisição”, da lavra do Sr Mário Rubens de Souza Rodrigues. Perspicaz, ele comenta sobre o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que o MPF empurrou goela abaixo dos produtores rurais – em especial, os pecuaristas – do estado do Pará, medida que pode simplesmente causar a maior crise econômica jamais vista neste estado:

“Bom, um leitor descontextualizado vai acreditar que o TAC laborado é um grande passo para regularização fundiária e ambiental dos produtores, acreditando que os produtores cumprirão com suas diretrizes, mas, para os produtores, o TAC é uma faca no pescoço, uma arma na cabeça ou um beco sem saída, pois o pacto desnuda de compromisso os órgãos que são responsáveis pela emissão dos documentos exigidos. Para o leitor ter uma idéia do estardalhaço, o Incra não outorga documento fundiário há mais de 30 anos, mas o TAC exige prazo de 5 anos. A SEMA outorga LAR em prazo de 36 meses, isto é, se o produtor já possuir o documento fundiário. Lá se vão mais 33 anos ou a idade de Cristo, quanto (sic) que o TAC dá prazo de 24 meses. E para finalizar, sem documento fundiário e georreferenciamento da área produtiva, jamais será protocolado o Cadastro Ambiental Rural. Ou tudo isso é loucura ou no Pará se instalou o Tribunal da Inquisição.”

Aqui está a prova inconteste do que os produtores – rurais ou urbanos – devem entender. A maior tática que esta gente consegue vislumbrar é mobilizarem-se para em conjunto buscarem o poder judiciário, mais ou menos como os judeus que procurassem o estado nazista para a defesa dos seus direitos. Ainda não perceberam que até mesmo os seus advogados não vão lhes defender, mas entregar as suas cabeças de bandeja aos carrascos. Nem que eles realmente quisessem poderiam fazer diferente: afinal, raciocinam em termos do sistema jurídico vigente, este por sua vez construído sobre uma base ideológica hegemônica, e segundo o qual a propriedade tem uma função social a cumprir, sendo as intervenções estatais sobre a propriedade não mais que medidas legítimas a bem da regulação do mercado, a fim de lhe sanar as “distorções”.

Ainda que contrário à “regulação” e à “intervenção”, pelo menos estas deveriam se ater em disciplinar os mercados, isto é, limitar-se a estabelecer as regras do jogo. Com o tempo, todavia, “regulação” e “intervenção” foram dando lugar à “expropriação”. Hoje, os produtores rurais do Pará reclamam que a lei lhes exija a reserva de aproximadamente 80% da área de suas propriedades para fins de preservação ambiental. Todavia, isto só acontece porque muito antes diversos atos de expropriação foram perpetrados sem que ninguém se pusesse em defesa da propriedade privada e do valor intrínseco – não avaliável pelo Incra nem por ninguém - da propriedade privada.

Ora, se a propriedade privada é justamente o instituto que serve para dizer ao estado: “- tu mandas lá nas tuas negas, aqui tu me respeitas”, toda e qualquer tentativa de expropriação haveria de ser rechaçada ao primeiro sinal de aparecer no mundo jurídico. Todavia, o estado, bem sucedido em manipular maiorias contra minorias, foi aos poucos, por meio de revezamento, retirando de cada setor da sociedade a parcela de poder que almejava. Os indivíduos sempre acederam ao estado neste mister porque acreditavam que ele estava fazendo aquilo que estas pessoas queriam que ele fizesse. Estas pessoas aceitavam a derrogação do direito dos outros e a concomitante mão forte do estado porque pensavam em termos de suas próprias convicções. Hoje, os cubanos se ressentem do regime opressivo que lhe dá ganas de fugir a nado daquela ilha-presídio, mas milhares assistiram e aplaudiram julgamentos sumários e execuções em estádios. Em suma, agiram como cúmplices.

A lei que instituiu aquelas indecorosas propagandas nas carteiras de cigarro, por exemplo, agiu com inequívoca expropriação. Ela deveria pertencer, desde sempre, ao fabricante do cigarro, e em seqüência, ao atacadista, ao varejista e ao consumidor. A cada uma destas figuras deveria ter sido mantido intacto o direito de usar aquela banda da carteira como bem lhe aprouvesse. O fabricante poderia enaltecer as qualidades do seu produto ou quiçá, divulgar um novo modelo de carro, assim como também os futuros proprietários, no instante em que a propriedade sobre este bem lhes tivesse sido licitamente transmitida. Eventualmente, um determinado uso privado deste veículo de divulgação poderia melhor ajudar as pessoas com câncer – fumantes ou não – com melhores resultados do que o SUS e seu desempenho “próximo da perfeição”.

O mais curioso neste caso é a extrema indecência da propaganda governamental, ao exibir pessoas mutiladas, moribundas ou impotentes, critérios de decoro que o estado não aplica para si próprio ao mesmo tempo em que os exige da propaganda privada comum, a ponto de proibir, no auge do ridículo, os comerciais de cerveja em que apareciam bichinhos engraçados.

As pessoas que aplaudiram tal medida não pensaram nem por um minuto que a propriedade privada estava sendo confiscada, e gerando com ela a jurisprudência e a permissão tácita para que novas leis confiscatórias da propriedade fossem emitidas, desta vez contra elas próprias, na parte da vida em que se encontrassem como minoria, eventualmente, por exemplo, como produtoras rurais na Amazônia.

Sem tomar como certo de que o estado age com intencional projeto de confiscar a propriedade privada, utilizando-se de argumentos tais como o ambiental somente por pretexto, não haverá saída para quem nesta terra (refiro-me ao Brasil) deseje trabalhar e produzir. Sem que os produtores – rurais ou urbanos – não caiam em si do quanto de expropriação já sofreram e sem que denunciem publica e maciçamente esta manobra, na forma de uma assumida permanente guerra das idéias – todo e qualquer grito isolado e casual aparecerá nos jornais como um ridículo bate-pé de malfeitores fora-da-lei.

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