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domingo, 23 de março de 2014

Congresso de Artes Liberais - Música, Astrologia e Cosmologia Simbólica

Publicado em 15/03/2014
Oitava palestra do I Congresso de Artes Liberais, realizado em 8 e 9 de março, em Porto Alegre.

Palestrantes: Clístenes Fernandes, Mário Carbonera e Marcelo Bihre

Nos comentários abaixo, resumo da palestra e bibliografia.



MÚSICA, ASTROLOGIA E COSMOLOGIA SIMBÓLICA


- Música: aplicação concreta da teoria do número; Astrologia: aplicação concreta da teoria do espaço.

- Se a gramática de que falamos aqui é muito mais abrangente do que se entende hoje por gramática, a música, por sua vez, deve ser mais especificada do que as pessoas entendem por isso.

- Todo mundo "adora música." Todo mundo tem alguma experiência com música, algo a dizer, algum parecer a dar, seu gosto, etc. E desperta as maiores reações de ira e cegas de paixão. "Ai, eu amo os Beatles, são a maior banda do mundo!" Não é isso o que se estuda em artes liberais. Não se trata também de compreender gêneros, nem com gosto musical de ninguém.  "Gosto é gosto, e não se discute." A frase está certa, mas tem coisas que sim, se discutem.

- Primeiro: a música tem um aspecto matemático. As teorias pitagóricas. Boécio. Nicômaco de Gerasa. Problema: toda essa tradição vem antes da história da música propriamente dita, com no máxima 1400 anos. Não sabemos que músicas eles escutavam. Temos só trechos teóricos e de crítica músical (República, Timeu, Política, p. ex.).

- Sendo também uma bela arte, busca um bem aprazível, a beleza, é fundamental ter esse contato empírico.

- A música sempre vem "atrasada" na cultura ocidental. Seu auge foi já na Idade Moderna. Musicalmente os romanos e gregos são pré-históricos. 

- A música escrita é um fruto da Idade Média. O ocidente exportou isso mais do que tudo, de tão útil que é. Até um marxista reconhece o seu valor.

- "Tocar de ouvido" não existe na verdadeira educação. Brasileiro acha normal não saber ler música. Vai na cerimônia religiosa cantar mais ou menos, alegando não ter voz, etc, como se isso fosse pré-requisito.

- Cantar é uma ação imprescindível para o homem. Dá pra viver sem rir, sem chorar, sem comer, sem tomar banho? Personagem do Nelson Rodrigues, um psicanalista que não fala, porque assim ganha a vida. Diversos estados da alma se dão através da música, não só receptiva, mas ativa.

- A música como bela arte é um pré-requisito para que entremos nela como arte liberal. A distinção entre empeiria e arte, como feita na palestra sobre Lógica. Todos nós falamos e pensamos, então é mais fácil começar no Trivium, mas no Quadrivium é preciso algo mais, o conhecimento empírico não basta. 

- É imprescindível: na Confraria nós temos que cantar. Precisamos desse acesso empírico à música.

- Não se trata de cantar em público. 

- Quando no período carolíngeo se estipulam os currículos liberais, estes não eram para pessoas que chegavam sem saber falar, escrever, etc. É uma educação média, como falamos. Não tem a ver com idade, é para todos. Esperava-se que os alunos chegassem tendo cantado a infância inteira, nos ritos religiosos, no campo, etc.

- Ao chegar na música como arte liberal, o sujeito sabe que som tem uma oitava. Assim como ao falar de um triângulo quadrilátero, etc. Estamos muito mais acostumados à segunda alusão. Isto tem que mudar. 

- Platão já dizia na República: antes de tudo, canto, música e ginástica. Ele não fala ali de um currículo estrito, obviamente. A República não é um projeto político. Quem não sabe ler acaba criando uma União Soviética, uma China, etc.

- "Ah, mas tô a cinco anos cantando e ainda desafino". Ué, assim como até hoje não desenhamos um quadrado perfeito numa demonstração. Nós temos que ser capaz de compreender a perfeição mental dos sons. Aliás, as músicas feitas com perfeição exata em computador soam estranhíssimas. A execução, buscando a perfeição da partitura, nunca é exata. Chesterton diz que não aguentaríamos contemplar a alegria de Deus.

- O arquiteto que estuda acústica, mas não sabe o que é música, e faz um anfiteatro horroroso para concertos, óperas, etc. Os teatros de Veneza e Florença eram construídos com todo uma longa educação liberal, como uma caixa de violino.

- A música nos impõe um limite. O intelecto pode conceber perfeições, mas a música nos põe um freio, ajudando-nos a por um freio na nossa mania de matematizar as coisas. Não adianta fazer um piano que toca 47 oitavas acima do dó central. Nossa audição tem naturalmente um limite superior e um inferior.

- É inegável que a proporção numérica está por trás da ordem e beleza musical. As proporções da natureza, como vistas no vídeo da palestra sobre Aritmética e Geometria. A diferença entre a construção de igrejas no Brasil a partir dos anos 50 e as igrejas medievais. 

- A música, sendo uma criação humana, também busca ordem e proporção. O homem é o sub-criador. Deus também é músico.

- Wagner foi uma das figuras mais abomináveis que já existiram, mas sua música era incrível. Seguia ainda uma tradição que vem desde Pitágoras.

- A ética também busca ordem e proporção, mas nas ações. Os 10 mandamentos são como parâmetros musicais. 

- Ordem não significa constância uniforme. Nem Pitágoras afirmou isso.

- Dante associa a Astrologia ao planeta Saturno, o que mais demora para fazer sua revolução. É uma arte para pessoas idosas, que observaram bastante o céu e a si mesmos. 

- Como ensina Aristóteles, o primeiro trabalho é investigar os vários sentidos de um termo. "Astrologia", neste caso.

- A ciência que estuda os astros hoje é "Astronomia", e "Astrologia" é uma superstição dos antigos, com sua visão mágica. 

- Ptolomeu, "o geocêntrico". Já dividia astronomia (descrição dos movimentos celestes) e astrologia (correspondências entre o movimento supralunar e o sublunar). O primeiro é pela "Sintaxis", ou Almagesto; e o segundo no "Tetrabiblos". Citação deste: "O primeiro estudo mencionado já foi explicado na Sintaxe i da forma mais extensa possível, pois ele é completo em si mesmo, e de utilidade essencial mesmo sem ser combinado com o segundo, ao qual este estudo será devotado, e que não é igualmente auto-suficiente. O presente trabalho deve, no entanto, ser regulado pela devida atenção à verdade que a filosofia exige; e, uma vez que a qualidade material dos objetos que sofrem a ação dos astros os torna fracos e variáveis, e difíceis de ser apreendidos de forma acurada, não podem ser apresentadas aqui regras positivas ou infalíveis". Ou seja, essa segunda ciência é muito mais probabilística, enquanto a primeira é que era demonstrável e matemática! "(como foram apresentadas ao detalharmos a primeira doutrina, que é sempre governada pelas mesmas leis imutáveis); enquanto, por outro lado, não devemos omitir uma observação cuidadosa da maioria daqueles eventos gerais cujas causas podem ser evidentemente rastreadas até o Ambiente." 

- A influência do mundo celeste sobre o terrestre é até hoje assumido. O movimento das marés, etc. Estudos encontrando correlações entre as fases da Lua e a violência, loucura, etc.

- A Astrologia moderna acha que cada planeta envia como que raiozinhos que vão conduzindo a vida da pessoa. Não se trata disso. Trata-se de correspondências simbólicas, de saber ler o céu a olho nu. Como já foi reforçado, o conhecimento empírico deve preceder. Vivendo nas cidades, nós perdemos a noção do que é o céu noturno. É fonte genuína de maravilhamento.

- A mudança do calor, da vegetação, do clima. Hoje em dia a gente sabe que a alteração do clima se deve aos capitalistas, enquanto as pessoas simplórias acreditavam que se devia ao Sol...

- Os planetas se movem na faixa da eclíptica (23 graus de inclinação com relação ao equador). Os equinócios. O horóscopo.

- Agricultura e medicina. Os quatro elementos (fogo, ar, água, terra) e os quatro humores (colérico, sanguíneo, fleumático, melancólico). A pessoa tem todos os 4 humores (sangue, bile amarela, fleuma e bile negra), e a combinação deles é que dá num temperamento (por isso o nome). Hoje a gente interpreta de forma simplificada. Shakespeare lançava mão desses grande quadro descritivo.

- Marsilio Ficino dizia que, por ser muito saturnino, tinha de equilibrar isso com ações venusianas. Saturno é o humor filosófico por excelência, como diz Aristóteles no livro "Problemas". A pessoa que mergulha demais na vida de estudos torna-se como Saturno: pesada, lenta, separada, seca, introvertida. O "nerd". Para isso é preciso chamar a "influência" de Vênus. Goethe por exemplo interrompia seu trabalho para sair com sobrinhas e amigas para o campo.

- Teoria cosmológica do "Timeu": os elementos usados na criação do mundo pelo Demiurgo são o ser, o igual (equador, movimento das estrelas) e o diferente (eclíptica, movimento dos planetas, os "errantes"). Não há nada no universo que não esteja no homem. O homem, microcosmo que é, tem a eclíptica e o equador dentro de si. O conhecimento se funda sobre a semelhança. Conheço o calor porque tenho calor em mim, etc.

- Teoria mais esdrúxula: as almas contemplam o mundo desde as estrelas, até que, de tanto contemplar este mundo, acabam caindo no universo e, passando pelas esferas dos planetas, adquire uma faculdade de cada um. Saturno, a razão; Júpiter, a vontade; Marte, a irascibilidade; Sol, criatividade; Vênus, a concupiscência; Mercúrio, o discurso; Lua, a nutrição e fecundação, etc. 

- O bebê é como a Lua: um ser errante, mutável, etc. 

- O homem tem que harmonizar as esferas dentro de si. Usando a música, por exemplo.

- Movimento do fogo e do ar: subir; movimento da água e terra: descer; Éter, a quinta-essência, é circular, e por isso Aristóteles dizia que os astros seriam feitos de éter.

- O homem é errante. O labirinto de Creta. As cidades brasileiras. A Divina Comedia começa pela "selva selvaggia, aspra e forte". Dante tem de descer ao inferno e voltar para fazer esse esforço de harmonização e retificação da alma.

- Como todos podem ver, é preciso um trabalho de desintoxicação das nossas mentes para lidar com as artes liberais (o inferno e o purgatório de Dante).

- Pesquisas recentes confirmam que há uma harmonia natural entre os movimentos dos corpos celestes. Uma música inaudível.

- A preocupação hoje não é com a verdade, mas com o prestígio, com a produção acadêmica, com as verbas, etc. Confusão das partes com o todo que as transcende.

Pergunta:
Vocês acham que a derrocada da causa formal - como Aristóteles a entendia - e a predominância da causa material e eficiente nas ciências é a grande responsável pela má compreensão da correspondência entre fenômenos celestes e terrestres, imaginando que os astros "causam" como agentes humanos as coisas?
- Na verdade, mesmo assim, como tudo o que é explicado hoje em dia só é explicado matematicamente, tu só tem formalismo, no sentido grosseiro. Tudo é meramente a forma. O pessoal que gosta tanto de se intitular "materialista" fala de "elementos químicos", por exemplo, sendo que a distinção entre cada um deles é formal. Ué, onde foi parar a matéria? Se tudo é só matéria, não existe ciência nenhuma. Estatística não podem me garantir VERDADE, como vimos na palestra de Lógica. Galileu, Newton, Descartes e o bifurcacionismo. Para Descartes ou tudo é extenso ou subjetivo. Não é à toa que os cartesianos acusavam os próprios newtonianos de acreditarem em influência astral, porque, afinal de contas, ele dizia que os corpos atraíam-se à distância! Fritjof Capra e a quântica new age. Francis Bacon, o patrono da nova ciência, resume a questão ao dizer que "conhecimento é poder."
- Tudo depende muito do significado de "formal." A física matemática considera muito mais o aspecto formal, se tomarmos como modelo matemático diante das coisas como meras quantidades. Agora, no sentido aristotélico, sendo a forma aquilo que torna a coisa o que ela é, a sua identidade, então sim, a física matemática esqueceu a causa formal. E para Aristóteles a identidade da coisa inclui a cor, o sabor, o temperamento, lenta, etc. Na modernidade isso vai virar um subjetivismo, o "qualia."

Pergunta: Então o Newton era um astrólogo embusteiro?
- Pois é, os cartesianos acabaram perdendo a disputa com os newtonianos, principalmente quando os jesuítas os abraçaram. A própria teoria do Big Bang é de um padre jesuíta. Como a própria retórica já tinha caído muito, já havia sim o desmerecimento um do outro. Havia uma tara na época com os Elementos de Euclides, todo mundo queria apresentar as coisas "more geometrico."

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