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domingo, 23 de março de 2014

Congresso de Artes Liberais - O Homem Político e as Artes Liberais

Publicado em 15/03/2014
Terceira palestra do I Congresso de Artes Liberais, realizado em Porto Alegre nos dias 8 e 9 de março.

Palestrantes: Marcus Boeira, Rodrigo Naimayer e Renan Santos

Nos comentários abaixo, resumo da palestra e bibliografia.


O HOMEM POLÍTICO E AS ARTES LIBERAIS


- Um dos temas mais difíceis dentro do assunto Artes Liberais. Como a "filosofia racional", segundo Hugo de S. Vitor no Didascalicon, o conjunto do trivium, e a política podem andar juntas.

- A resposta já existe em Aristóteles. Ética a Nicômaco, livro VI, "A prudência é a virtude da razão prática e portanto é a virtude que ajuda alguém a bem deliberar sobre os meios devidos para realizar os bens humanos." Só que a virtude da prudência jamais poderá vir desacompanhada de uma etapa anterior, a technê, a ars. A prudência é a virtude própria da política.

- Artes Liberais: técnicas que conformam a inteligência humana. A pretensão das sete artes liberais é a unidade entre a inteligência (trivium) e a realidade (quadrivium). Platão e Aristóteles já falavam dessa unidade entre o espírito e a matéria, ou entre a mais nobre potência da alma, o nous, e o conhecimento da matéria extensa e secunda.

- A lógica busca a distinção entre verdade e falsidade e a apreensão da verdade dos entes.

- A gramática não é nada mais do que um organismo simbólico que busca representar a realidade e as estruturas da realidade, de uma maneira unificante, a que todos tenham um acesso comum aos mesmos objetos da experiência.

- A retórica, provavelmente dessas a arte mais transitiva, é aquela que, se apropriando da lógica e da gramática, conduzir os outros à verdade, transfigurando o meramente plausível em algo verdadeiro, real. Ela é diretiva, busca a transformação da doxa em episteme.

- Existe uma gnoseologia política. No De Anima, na Ética a Nicômaco e no Do Céu (obra de cosmologia), Aristóteles faz uma distinção entre as potências da alma: vegetativa, sensitiva e intelectiva, o nous, dentro da qual existem três operações apreende a verdade. Primeiro, uma operação meramente produtiva: racionalidade técnica, produzir algo extrínseco ao agente. Protreptico e Ética a Eudemo. Segunda operação: a destinada a apreender os bens humanos devidos e tornar o agente capaz de escolher os melhores. Não mais uma realização extrínseca, mas no próprio ato como tal. Por fim: a operação da razão teórica, mas própria do intelecto. A faculdade que apreende a verdade das coisas imutáveis e permanentes, desde as matemáticas até os transcendentais. Então, esses três níveis da inteligência como que já reproduzem os três níveis da realidade como tal e que de algum modo se manifestam no Trivium.

- O que estamos fazendo é unir o 3 ao 4, e portanto os pontos teologais aos pontos cardeais. Substância e matéria. Alma e corpo.

- Essa dicotomia está presente na realidade dos problemas que enfrentamos na vida. Essa tensão entre alma e corpo se apresenta na tensão da história de como os seres humanos viram as artes liberais. Não é à toa que o Trivium antecede o Quadrivium. É como Deus enxerga a realidade. A matéria é por definição segunda ao Logos. As artes liberais nos ensinam a respeitar esse itinerário divino, não com a pretensão de conhecer a realidade por completo, mas de estar aberto para ela.

- S. Tomás em "De regimine principium" diz que a prudência é a virtude por excelência de todo e qualquer governante que queira vislumbrar devido a si e aos outros. Ponte entre bem comum e bem particular, vislumbrar os meios devidos para tal. Recta ratio factibilium e recta ratio agibilium.

- As quatro virtudes cardeais: a fortaleza, a temperança, a prudência e a justiça. Não há uma preponderância da prudência, mas ela dirige todas as demais, especialmente para um bom governante.

- Três níveis de autoridade/juízo. Toda autoridade política é precedida por duas outras. Três níveis de julgamento. (Fédon, Eurípedes, Aristófanes nas Aves, Shakespeare). Primeiro: a consciência, o primeiro tribunal para o agente. A sínderese (Tomas, questão 58), hábito moral que vai acostumando a memória ao sabor pelas virtudes e pelo bem. Um panorama sobre o qual a imaginação se embasa. Entre a consciência e a comunidade deve haver uma instância intermediária, mais próxima: a própria família, os vizinhos, o bairro, etc. O princípio da subsidiariedade. Terceiro: a comunidade. A eudaimonia de Aristóteles, o bem comum de uma cidade. É a própria junção entre a ética e a política.

- O itinerário do agente para o fim social. Transição entre o homem político e a polis, entre o fim doméstico, particular e cognitivo e o fim político.

- Três pontos indispensáveis para o bom sucesso dessa transição. Primeiro, a linguagem. Acima da poética, temos a retórica, que tem como objeto a verdade, mas não a verdade, nua, dura e crua, como é o caso da lógica, senão a verdade como que borrada na imaginação. É uma imagem da verdade. Por isso se define pela plausibilidade e verossimilhança.

- q. 94 da Summa, 1. A vida política tem um caráter determinativo. É o campo onde a deliberação coletiva, com diferentes linguagens retóricas, recursos prováveis, etc, vão no confronto superando essas camadas e desvelando a verdade prática, como chama Aristóteles, aquilo que é o bem devido numa dada comunidade numa dada circunstância. A retórica faz esse trabalho "sujo".

- Segundo ponto: (Prof. César Saldanha) instituições políticas. É impossível transitar da consciência para a decisão sem o caráter mediador delas. Voegelin e Hauriou: elas tem finalidade representativa, representar certos símbolos da ordem e da existência que estruturam certa ordem de comportamentos humanos possíveis e desejáveis numa sociedade. A ordem interior da alma conquistada pelas artes liberais é colocada na convivência humana pelas instituições, convidando os indivíduos ainda desordenados em si mesmos a conviver pacífica e ordenadamente em busca ao fim da alma ordenada. A educação primária. O fim dela hoje em dia. Cada vez mais essa necessidade imperiosa de educar nossos filhos. Somos essa instituição chamada FAMÍLIA.

- E o que fazer com a perda do senso de bem? O que fazer quando a autoridade de um país é, por exemplo, o Sr. Dráuzio Varella? Ora, o bem é o atrativo da vontade. Só que a vontade não é o mero querer, ela tem níveis de realização. (Q. 58 e 62) Existe uma primeira etapa: o apetite imediato para a satisfação de certas necessidades. Mas a segunda forma (voluntas ut natura) diz respeito ao bem enquanto objeto de eleição. Por cima de uma coisa há algo que o Cornélio Fabro chamava de "querer querer". S. Paulo "Às vezes faço o mal que quero e o bem que não quero".

- A amizade. Não existe política sem amizade. Carl Schmitt dizia que a política é um campo de batalha entre amigos e inimigos e suas várias oposições no cenário social. Nenhuma oposição é tão radical como a entre amigos e inimigos. Não falamos de um inimigo em particular, mas a uma massa concreta de indivíduos que projetam formas de aquisição de poder antagônicas à sua. Quem fala muito da ligação entre a linguagem e a guerra é o Rosenstock-Huessy: uma das doenças da linguagem principia a guerra. É quando moções da alma não são passadas adiante para um próximo que surge a disputa, pois deixa de haver uma compreensão do que acontece naquele sujeito. A linguagem é instrumento da unidade política. Dois lados de uma guerra geralmente utilizam conceitos e expressões retóricas totalmente antagônicas.

- Os seres humanos são animais políticos, Aristóteles. Evoca o seguinte: a política é a primeira instância de acesso do humano à realidade. René Girard e o desejo mimético, a propensão do homem a imitar e acolher certos modelos representativos da sua pretensão de ordem. Territorialidade e hierarquia.

- Platão não distinguia a sabedoria teórica da prática. Fédon, Filebo, Banquete e no final do Mênon. A unidade entre a virtude da sabedoria teórica e a prática, entre as verdades imutáveis e as aparentes. A ironia é que Platão ficou como o "dualista" na história da filosofia.

- Q. 91. A autonomia da política (o campo da determinatio, per modum determinationis).

- A noção de "obrigação política" (Francisco de Vitória): a atividade de elucidar o bem comum, tornando sua linguagem retórica cada vez mais próxima da dialética e da lógica.

- Summa, Q. 96: citação. Voluntas bonorum . A regra da vida é o homem virtuoso. Então a política pressupõe uma certa educação anterior. Virtudes são hábitos, que só se adquirem quando alguém submete a sua irascibilidade e concupiscência ao mundo da razão. Não é fácil. Os tratados medievais, "speculum principiis", sobre o itinerário para a arte de governar.

Pergunta 1: as artes liberais são o bastante para a formação política?
Resposta: necessárias sim, suficientes não. Necessárias porque as artes do trivium são técnicas transitivas, portanto formativas. Buscam despertar algo que já está potencialmente dentro de cada ser humano, torná-las conscientes, em contato com a realidade. O quadrivium é que é informativo, colocar algo num terreno já previamente preparado. A boa política não acaba no trivium, começa nele. A vida é uma série de tensões, contradições, etc. A suficiência jamais vai ocorrer nesta vida.

Pergunta 2: e qual a contribuição da educação da imaginação?
Resposta: O belo enquanto transcendental é justamente a relação entre o verum e o bonum, e portanto a potência e a vontade como que unificadas. A imaginação amplia o horizonte da consciência em primeiro lugar, segundo dilata a memória e terceiro aumenta a capacidade cognitiva de apreender formas antes não vislumbradas. Existe uma musicalidade na imaginação, seu aspecto narrativo. A ordem social futura que imaginamos jamais pode ser desvinculada da noção de que não somos capazes de concretizar este mundo e esse mundo jamais pode estar descoberto de uma narrativa permanente de fundo, que é a eternidade. A imaginação bem educada é aquela que reconhece a tensão entre o tempo e a eternidade no seu interior. E é justamente isso que podemos chamar de projeto de salvação. A abertura confessional do homem para sua própria posição no mundo. A educação da imaginação é justamente a articulação entre o trivium (mente) e o quadrivium (matéria), a unidade profunda do real entre espírito e matéria.

Pergunta 3: estou educando em casa 3 meninas. Há a idéia de que a educação no lar dessocializa as pessoas, mas eu não vejo isso acontecer. O que vocês acham disso?
Resposta: isso é uma falácia completa. A maioria das crianças age socialmente num grupo que não extrapola 5 ou 6 crianças. Além disso, elas entram em contato com coisas absurdas e aviltantes. E além da educação no lar, há vários outros ambientes em que a criança pode participar: clube esportivo, etc. Ademais, sociabilidade é amizade. Qual o círculo social próprio do amor? a família. Temos três níveis de amor: por si, ao próximo e por aquilo que você não conhece, o mais fundamental de todos. Mas todos eles estão interligados. Agora, na escola só o que a criança terá é prática de bullying, será ensinada por marxismo cultural e as únicas manifestações de amizade serão xingamento, bofetada, fofoca, tirações de sarro, etc. Então, fazer homeschooling hoje em dia não é um direito, é quase um dever e uma necessidade. Quem não faz homeschooling, tem que fazer no mínimo um semi-homeschooling, conferir o que o filho está "aprendendo."

- George Duby e Regine Pernoud - história da mulher na educação. Durante boa parte da Idade Média, elas frequentaram muito mais os centros de educação do que os homens.

- O Imbecil Coletivo - o marxista hoje em dia não sabe nem que é marxista.

- O marxismo cultural vestido de rosa.
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