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quarta-feira, 26 de março de 2014

Marco Civil: Impotência Jurídica

Por  · 25/03/2014


Muitos se preocupam com as conseqüências das decisões tomadas pelo Governo e das regulamentações Estatais, mas muitos esquecem – inclusive os que lutam por mais liberdades civis e econômicas – que essas medidas são essencialmente imorais e antiéticas.

Não importa quanto um senhor de engenho trate bem um escravo, ser um escravo, per si, é algo errado. Ruim não são os resultados do poder, ruim é ter poder.

Como o grande jornalista Paulo Eduardo Martins salientou em sua breve crítica ao Projeto de Lei nº 2.126 de 2011 – que acaba de ser eleito e aprovado por ampla maioria pela Câmara dos Deputados -, a letra da lei e talvez até aqueles que a elaboraram e defendem, possuem boas intenções nas regulamentações que pretendem fazer, mas isso garante que os resultados serão benéficos para o cidadão brasileiro, ou ainda: garante que fazer um controle “do bem” é justo? Muito improvável.
O acesso à justiça é direito fundamental, “garantido” pela constituição e defendido pela totalidade dos juristas do país, embora na prática seja diferente. Boa parte dos cidadãos brasileiros não sabem quais são seus direitos, como reclamá-los e não possuem dinheiro para contratar advogados. A solução apresentada pelo Estado é a assessoria jurídica pública, que fica praticamente impossibilitada de atender a gigante demanda.
Os cidadãos que não possuem voz perante a força estatal da justiça brasileira ganham poder na internet. Exemplo disso é que os consumidores que usam o Twitter para reclamar obtêm uma resposta até 8,4 mil vezes mais rápida do que se procurassem ajuda pelo Procon. O Estado admite a insuficiência do consumidor, “declara seus direitos”, afirma que estes dependem de força estatal para serem garantidos, e falha miseravelmente perante a inovação e a ordem espontânea. Anarquia não é caos, mas eficiência voluntária.
Para sair do óbvio afirmando que tentar implementar o Marco Civil para defender os consumidores ou aqueles que são mais “frágeis” irá fazer justamente o oposto, ou que os países que adotaram qualquer tipo de controle da internet são aqueles mais ditatoriais e menos livres, afirmo que o Marco Civil não pode ser aceitável, nem que ele realmente defenda-os ou faça algum bem.
A internet é o exemplo perfeito de que nem tudo que é público é necessariamente estatal, ou “gratuito”, afinal, qualquer um pode acessá-la, com custos relativamente baixos – que só não são mais baratos devido ao oligopólio das grandes empresas de telecomunicação, garantido pela limitação de novas empresas no mercado graças à ANATEL. Sem concorrência, o consumidor fica com poucas opções, os oligopolistas cobram o quanto preferem e oferecem um serviço com qualidades duvidosas.
marcocivil
Poder Estatal, patrocínio privado, prejuízo público.
E mais, a influência dos usuários da rede em relação aos demais pouco depende de algum poder financeiro, mas da qualidade do conteúdo. Não é à toa que sites financiados com dinheiro público não obtém a mesma popularidade que blogs sem fins lucrativos ou meros vlogs no youtube.
O cidadão brasileiro possui na internet liberdade intelectual e financeira, pode se expressar como preferir e não depende de dinheiro para obter poder de influência ou atingir seus objetivos. Diferente do que acontece no direito, onde o cidadão comum deve se adaptar às idéias estagnadas e quase nunca consegue garantir seus direitos sem grana, o cidadão juridicamente impotente, busca na internet – a qual possui infinitas possibilidades, todas privadas – uma maneira de se informar e se tornar menos vulnerável.
Você realmente quer que alguém decida o que você pode ou não ver no Google? Se várias empresas controlando sozinhas a internet seria um cenário terrível, imagine um só governo. O Governo obtém o poder de concessão de emissoras de TV aberta e rádio, com garantias de conteúdo priorizando o “interesse social” da população expressos na Constituição Federal de 1988. A Carta Magna Brasileira determina:
“Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:
I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;
III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;
IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”
Não são necessários nem 5 minutos assistindo à TV ou ouvindo o rádio para perceber que o Poder Governamental e suas regulamentações não são capazes de respeitar nem o conjunto de normas mais importantes do país, nem quando são criadas com a justificação de que será em prol da população. E se a Constituição Federal perde força diante dos interesses das empresas lobistas e dos demais agentes político-administrativos do Estado, uma lei ordinária como o Marco Civil será só a via expressa para controle do melhor, mais livre e mais imparcial meio de comunicação.
dont spy on me
Regulação, um mal per si.
O artigo 9º do Projeto de Lei trata da polêmica “neutralidade da rede”, porém, se você ler com atenção os detalhes desse texto normativo, poderá concluir o seguinte:
Ao determinar o dever de tratamento isonômico das empresas de transmissão, comutação e roteamento, com base em pacotes de dados, conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação, o regulador implica necessariamente em afirmar que é possível um órgão estatal obter todo o conhecimento disponível acerca desses termos que envolvem um grande grau de conhecimento técnico, para julgar, utilizando um grande número de funcionários e dinheiro público, o que seria de fato esse tratamento isonômico (sem levar em consideração as distinções entre isonomia material e formal).
Além de afirmar que é capaz de julgar o que é e não é isonômico, garante o monopólio desse julgamento; só a sua regulação pode afirmar qual serviço é isonômico, e pior e mais preocupante: declara expressamente que apenas a isonomia é justa! Isso impede que um consumidor contrate um serviço sabendo não ser isonômico, mas que ache justo.
Fazendo um paralelo com meu artigo sobre a proibição de suplementos pela ANVISA, percebe-se que naquele caso o Estado diz ter a capacidade técnica para julgar o que é ou não saudável, e não deixa o cidadão consumir aquilo que quer e ache justo, mesmo quando este sabe que não está consumindo algo saudável; no caso presente o Governo declara ter a capacidade técnica total para julgar o que é ou não isonômico, e não deixa o cidadão consumir o que quer e ache justo, mesmo este sabendo não obter um serviço isonômico.
O § 1º do art. 9º dá poder de regulamentação da internet para os Decretos, e o § 3º do mesmo artigo afirma que “é vedado bloquear, monitorar, filtrar ou analisar o conteúdo dos pacotes de dados”. Parece até piada, uma vez que essa regra se aplicaria apenas aos prestadores de serviços, já que o Governo brasileiro não perderá a oportunidade de bloquear, monitorar, filtrar e analisar todo o conteúdo disponível para determinar o que seria mais “isonômico”.
O § 2º utiliza uma série de termos subjetivos como “indispensável”, “agir com proporcionalidade”, “abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais” para aumentar o alcance do seu poder, flexibilizar as normas quando necessário para o “interesse público” e abrir possibilidades para promulgação de mais algumas centenas de leis, decretos, regulamentos e contendas judiciais.
Esses tipos de medidas para defender a “neutralidade” ferem totalmente o princípio da liberdade contratual, o qual determina o direito do cidadão contratar, desde que de forma consensual e com um objeto lícito, escolher seu co-contratante e estabelecer livremente o conteúdo do contrato.
Nesse sentido seria defeso contratar serviços de internet com limitações ou adaptações que são visadas para os clientes. Por exemplo: um escritório de advocacia não poderia contratar um serviço que limitasse o acesso à redes sociais e privilegiasse o acesso à pesquisas e o download de arquivos; uma casa de jogos não seria capaz de contratar uma operadora que disponibilizasse apenas pacotes de dados para jogos on-line, porém com grande eficiência; um cliente que pouco se interessa em navegar em sites não poderia contratar uma empresa para prestar o serviço com dados exclusivos para Netflix, com muito mais rapidez e qualidade, mesmo que seja essa a intenção daquele que contrata. Apenas o isonômico seria permitido, e isonomia não é justiça.
Um caso concreto de não isonomia, que foi ajustada de acordo com as preferências dos clientes, sem intervenção estatal, foi o acordo judicial feito por Netflix e Comcast.
Esse vídeo é um pequeno e didático resumo que reflete o analisado no texto:


O economista Daniel Marchi em seu texto publicado no site do Instituto Mises Brasil afirma:
“Em qualquer arranjo, o aparato estatal, na condição atual de supremo mediador dos conflitos, na prática assumiria o controle dos negócios, inclusive da circulação do conteúdo. Pior: impedida a livre celebração de contratos, o sistema de preços e os incentivos não trariam as informações necessárias para o bom funcionamento daquele que provavelmente é o mais complexo arranjo já produzido pela ação humana: a Internet.”
O mais assustador é ver grandes empreendedores, que conquistaram clientes e enriqueceram com a internet livre, defendendo a necessidade de um poder central controlando esse meio de comunicação. Pelo visto, quem já conquistou seu espaço, não faz questão que os demais, menos privilegiados, ganhem influência ou dinheiro na rede.
Por fim, recomendo que todos tomem conhecimento das críticas técnicas e utilitaristas em relação ao Marco Civil e os malefícios que este pode causar, pois do ponto de vista moral e jurídico, o Projeto de Lei é imoral e inconstitucional, entra em conflito com princípios do direito contratual, com normas de direito privado e com o direito da população.
Com a aprovação do projeto, o cidadão pobre, sem instrução ou conhecimentos sobre seus direitos, nesse contexto, possivelmente sem liberdade na internet, ficará uma vez mais impotente juridicamente. Nos resta a pressão popular, que já tem pouca força perante a burocracia e os interesses dos que possuem poder direto no sistema legislativo, para impedir que o Senado leve em diante esse projeto tão ineficaz e injusto.

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