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sábado, 27 de dezembro de 2014

O Paradoxo do valor e o socialismo

Por V. Camorim
    

O passado não pode ser esquecido porque ele esta no nosso presente e, se não tirarmos a devida lição para consertá-lo ele tende a permanecer pelo futuro afora. Isto está resumido no que me disseram a certo momento que um problema mal resolvido no passado tem tudo para ser uma fabulosa encrenca no futuro.

Carl Menger.     
Economista austríaco, fundador da escola austríaca. Desenvolveu a teoria subjetiva do valor, a teoria da utilidade marginal, ligando-a à satisfação dos desejos humanos; o que refutou definitivamente a teoria do valor trabalho concebida impropriamente por Adam Smith e David Ricardo, do que se apropriou Karl Marx para erigir e desenvolver o monstruoso universo que suas sandices propiciaram.    
                                                                                
                                                                                                     
Quando nos deparamos com as noticias que enchem as páginas dos jornais, dos canais de televisão, das revistas que nos dão conta que vivemos hoje em uma tremenda bagunça onde muitos clamam que estamos na rota do socialismo, na rota de colisão com o desastre que foram os seus experimentos, isto tudo vem a minha cabeça.

Há mais de um século se tenta sem sucesso a implantação do socialismo. Apesar disso não cessa as investidas para mais uma vez torna-lo realidade. Seus defensores esgrimem o mesmo argumento de que aquilo que fracassou não era o verdadeiro socialismo, o que justifica uma nova investida. Porque não tem dado certo, qual a sua razão? Ninguém faz esta pergunta e muito menos leva em consideração que é um assunto eminentemente econômico. Não é política, social, moral ou religiosa. Embora tenha as suas implicações. Não dá certo porque não levam em consideração as inexoráveis leis da economia. Mas quanto a sua origem vem de um outro ponto, de uma dúvida que se tentou resolver e não se tendo sucesso favoreceu o seu surgimento. Fato que tanto os que lutam a seu favor quanto aos que condenam devem ter em consideração. Este problema não resolvido foi denominado de o aparente paradoxo do valor.
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Os economistas clássicos se defrontaram com um problema de difícil solução. Já atravessara os séculos e novamente se impunha. O que valia mais, o ouro ou o pão, o diamante ou a água. Era como a reedição do enigma grego: “decifra-me ou te devoro”.  

Diferente de Édipo que decifrou o enigma e a esfinge se lançou ao mar para não mais perturbar os habitantes de Corinto, os economistas clássicos não puderam resolvê-lo e o paradoxo terminou dando corda para que a teoria do valor trabalho continuasse reinando, perturbando até hoje. A dificuldade de se chegar a este raciocínio era que a economia clássica continuava presa ao conceito do valor trabalho. A idéia era que o trabalho era a medida do valor que media todas as coisas. Tanto Adam Smith como David Ricardo de certa maneira contribuíram com esta doutrina que levava inevitavelmente ao socialismo. Argumentava-se na época que se o trabalho é a fonte do valor então o capitalista é um gatuno que se apropria indevidamente do trabalho não pago ao trabalhador. O ganho do capitalista era injusto. Quanto ao proprietário da terra, a sua renda era igualmente injusta, é um dom da natureza e não poderia ter justificativa alguma de ficar com sua renda visto inclusive de não ser produto do trabalho humano.

Logo a renda deve ser reduzida ou eliminada e distribuída aos que não tem terra. A condenação do sistema capitalista vinha logo em seguida com o argumento sustentado por Malthus, que a sociedade era limitada pela capacidade da produção agrícola o que resultava em períodos de escassez que atingiam em cheio a classe trabalhadora sendo necessário a intervenção do governo com programas sociais para dirimir seu sofrimento.  

A teoria do valor trabalho jogada no ventilador desta maneira confrontava de modo abrangente todos os argumentos dos economistas clássicos que iam ficando na defensiva. De 1840 em diante o movimento pelo socialismo experimenta um tremendo avanço. A questão de o que vale mais, o ouro ou o pão, o diamante ou a água tinha um defeito logo de cara. Era abrangente, universal e carecia de precisão. Estava mais para uma pergunta metafísica e uma discussão bizantina. O problema, da forma como era formulada não poderia resultar em uma resposta que fosse satisfatória. Carl Menger explica que o homem troca sempre certa quantidade de um bem por outra quantidade do outro bem e em momentos específicos ordenando cada porção numa hierarquia do que mais se ajusta a sua satisfação.

Não escolhe entre o ouro e o pão, mas certa quantidade de ouro por certa quantidade de pão em um determinado momento específico que em outro pode não ser a mesma escolha. Procede desta mesma maneira com todos os outros bens que ele preza em cada momento ser importante para si cujo fim é aumentar a sua satisfação, elevar o seu bem estar ou satisfazer uma determinada necessidade.

O aparente paradoxo do valor foi enfim vencido em 1871, por Carl Menger, e ao que parece, demorando em aparecer, foi fatal. Chegou em uma época em que só poucos prestaram atenção e a relevara. No mesmo momento em que punha por terra toda idéia que alimentava a doutrina do socialismo este já se encontrava inteiramente revigorada e sem controle. A Alemanha dava inicio ao primeiro experimento do socialismo. A unificação da Alemanha e os programas de governo tendo a frente Bismarck era também um sinal da derrota do capitalismo. Agora era uma questão de tempo para o socialismo se espalhar como uma epidemia. A plataforma política do que seria o governo do futuro e que iria orientar as futuras gerações eram então lançadas e todas estavam de acordo que trabalhador era o grande injustiçado e que merecia o comando da historia. E não foram poucos que se apressaram para lutar por sua causa, sobretudo aqueles que nunca trabalharam na vida. Surge a idéia do governo forte, o planejamento central, a Previdência Social, o Seguro Desemprego e outras bondades que enaltece o trabalhador como a mola do progresso. 

O socialismo mais do que nunca se tornava o novo evangelho e todos se voltavam para Alemanha como a Meca do novo credo.  O mundo todo foi se contaminando e a era da “desconstrução” teve seu começo. Ao mesmo tempo em que o capitalismo progredia, a sua filosofia, o liberalismo, descia, se enfraquecia; em o socialismo subia, se fortalecia, como numa espécie de gangorra.

II

A teoria do valor objetivo não tinha unanimidade entre os economistas clássicos, mas não se conseguia explicar com clareza as suas falhas. Era um defeito do pensamento que acompanhava a humanidade. O trabalho era considerado como o criador da riqueza e do valor. Adam Smith se empenhou na solução do problema e não tendo resposta satisfatória deixou de lado.  David Ricardo entra em campo e depois de algum esforço na tentativa de resolver as suas contradições insolúveis, deixa igualmente de lado. Desta forma a economia clássica ficou marcada como a ciência dos custos, do homem de negócio que compra barato para vender caro, que procura produzir pelo menor preço para vender pelo maior preço, a ciência do lucro. Marx que não era inteligente o suficiente para perceber a falha da economia clássica entrou de cabeça no erro achando que tinha descoberto a pólvora. Construiu seu sistema que apesar de não ter nenhuma validade para a ciência econômica se tornou uma robusta ferramenta para a agitação política que tem perturbado nosso ambiente até hoje.
Embora a idéia do valor subjetivo tenha chegado tarde na arena onde se dava o combate das idéias, ela tornou possível responder algumas questões que embaraçava os homens até então, a saber o papel do estado ou governo

A teoria do valor subjetivo provocou uma revolução no modo de ver o mundo. Colocou o individuo na qualidade de consumidor, como o supremo comandante da economia ou mercado. A economia clássica tinha estacionado na idéia um tanto dúbia que o homem de negócio era o motor da economia. A aquisição desta nova ferramenta do raciocínio humano, a compreensão do valor subjetivo, fez ver que o homem de negocio tem apenas a direção da economia, pelo fato de que lhe cabe a combinação dos fatores de produção na criação do melhor pelo menor preço e que o supremo comandante, a quem ele realmente obedece, o que dá as ordens, é o consumidor. A correia de transmissão é o sistema de preços. Demoliu entre outras tantas falácias algo caro demais aos que tem o comando das rédeas do governo. Foi um recado bem claro: são desnecessários e até nocivos quando se imiscuem nos negócios. O governo deve ser proscrito dos negócios.

E assim fundamentou-se pela primeira vez a observação de que o Estado ou governo tem apenas uma única função que é garantir o livre funcionamento do mercado. Que deve se restringir apenas à atividade de proteção dos indivíduos produtivos contra ataques de qualquer ordem, promovendo a paz, a segurança e a justiça. Se permanecerem fora dos negócios e se ocuparem apenas na produção da segurança fazem bem a todos exceto àqueles que têm atitude anti-social. Mas se se imiscuem na economia, não fazem outra coisa senão favorecer uns poucos em detrimento de muitos, criando privilégios. A sua interferência sempre implica numa proibição e numa restrição do escopo do mercado criando escassez. Implica também ser confisco e nunca doação provocando inevitavelmente o atraso da economia e a corrupção generalizada.

A interferência ou regulação da economia por parte do governo significa também uma degradação na moral que aos poucos contamina todo o tecido social.

Forneceu a base para a compreensão que o estado ou governo são apenas meios para se garantir um ambiente para que os indivíduos possam escolher livremente e em segurança o que melhor possam se ajustar as suas necessidades. O desejo de manter um limite no poder do governante negligenciando o fato de que este deve ficar fora dos negócios, fora da economia, mostra uma falsa compreensão do problema. Dar poderes de regular a economia ao governo é o mesmo que lhe dar poderes de regular os indivíduos e torna-lo subalternos. Com este poder o governo se torna uma entidade autônoma, com vida e vontade própria. O individuo que for alçado a sua direção não se fará de rogado em exercê-lo em toda a sua plenitude, pois é uma questão de tempo até ele perceber que os eleitores colocaram em suas mãos um poder quase ilimitado.

Cria-se um governo intervencionista cuja força é por demais poderosa para que possa ser contido por preceito moral ou religioso. O Estado e governo limitado implicam na negação do poder de se imiscuir nos negócios alheios, que é algo privado dos indivíduos e que só a eles competem a escolha do que considerem melhor pra si. Estado ou governo e a economia são coisas distintas. Os indivíduos, para que possam contar com a ordem e a lei em seu próprio beneficio, devem manter o estado ou governo da mesma maneira que mantém um fornecedor de serviço de segurança, que seja seu subordinado e não o contrário, como se fosse o seu mandatário ou patrão.

Se os economistas clássicos tivessem resolvido este aparente paradoxo, era bem provável que não tivéssemos convivendo com este problema. O fato é que tudo que resulta desta falha se enraizou e até aqueles que se posicionam contra o socialismo e suas manifestações, e lutam bravamente contra os partidos que os adotaram, estão quase sempre influenciados por seus dogmas que nem se apercebem. As eleições passadas, por exemplo, se pode ver que não são poucos os que ainda não se aperceberam que o governo, mudando com este ou aquele candidato, não mudaria a natureza do governo intervencionista e a continuidade em direção ao desastre. O que deve mudar não é o governo, mas as idéias.  Não se trata porem de mudar a idéia das massas, mas dos intelectuais, pois são eles que despejam sobre as massas o conteúdo das idéias que eles simplificam e que elas, as massas, adotam.  

As massas não têm idéia própria. Seguem as que lhes fornece os intelectuais que captam as idéias dos filósofos e dos ideólogos.

V. Camorim, 66, autodidata, é colaborador de LIBERTATUM.

*Escrito como reflexão crítica ao ensaio “Restaurando o Liberalismo” de James Buchanan, publicado em LIBERTATUM.



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