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quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Na França, tarifaço é abolido



hollande_2512942b.jpgA proposta era o carro-chefe do programa de governo de François Hollande para chegar ao Palácio do Eliseu: um imposto de 75% para todos aqueles que têm renda superior a um milhão de euros

Era uma proposta que, diziam, iria trazer novos brios à social-democracia europeia, daria novo sustento ao estado de bem-estar social francês, e iria reduzir as crescentes desigualdades na pátria de Piketty.

O país passaria a ser uma referência planetária que o resto do mundo inexoravelmente acabaria sendo forçado a abraçar, após Reagan e Thatcher terem enterrado, ainda nos anos 1980, a prática de se aplicar altíssimas alíquotas máximas sobre a renda.

No entanto, a realidade foi semelhante à do bebê de Rosemary.  O hollandazo foi um completo fiasco: além de ter provocado um enorme êxodo fiscal (do qual o ator Gerard Depardieu se tornou o exemplo mais famoso) e de ter recebido reprimendas do Supremo Tribunal francês — que decretou, no final de 2013, que a alíquota era confiscatória e obrigou o governo a substituí-la por um equivalente imposto sobre as empresas com vencimentos anuais superiores a um milhão de euros —, conseguiu também fazer com que o próprio Hollande recuasse e revertesse sua reforma fiscal.

Assim, desde o dia 1º de janeiro de 2015, o hollandazo desapareceu do panorama tributário francês.  E quem fez o anúncio, com três meses de antecedência, foi o próprio primeiro-ministro Manuel Valls em Londres (isso mesmo, em Londres, a capital europeia que mais recebe refugiados fiscais da França).  Já o Ministro das Finanças, Emmanuel Macron, disse que tal tributação transformava a França em uma "Cuba sem o sol". [Nota do IMB: "curiosamente", tal notícia foi suprimida da mídia brasileira].

O fato é que a abolição desse tarifaço mal será sentida pelo Tesouro francês: a alíquota afetava apenas mil pessoas e proporcionava somente 250 milhões de euros a mais de arrecadação.  Para se ter uma ideia, 250 milhões de euros não representam nem 0,4% do déficit fiscal do governo espanhol de 2013, e não chegam nem a 0,05% de todo o gasto público da Espanha, que é um país mais pobre.

Em nenhum país ocidental os ricos arcam exclusivamente com os impostos; quem realmente fica com o grande fardo é a classe média.  Não há, em nenhuma sociedade, um número grande o bastante de ricos que possam custear sozinhos os gigantescos gastos efetuados pelos estados assistencialistas ocidentais.  A base do financiamento do gasto público é a agressiva tributação que, na prática, recai sobre as classes médias.

E, não por acaso, este foi o aspecto mais terrível do hollandazo: a anestesia tributária a que submetia o cidadão médio francês.  Com efeito, a França é um inferno fiscal notavelmente pior até mesmo que os países latinos europeus.  O cidadão médio francês aceita servilmente que o estado siga confiscando sua renda a mãos abertas simplesmente porque, acima de tudo, ele ingenuamente acredita que "os de cima" pagam muito mais do que ele próprio, que o sistema redistribui a renda com justiça e de maneira vertical, e que, no fundo, ele próprio é um dos beneficiados deste perverso esquema fiscal.

A realidade, no entanto, é exatamente oposta: os estados de bem-estar social são meros esquemas de redistribuição horizontal de renda.  Ao passo que as pessoas acreditam que vivem do confisco do dinheiro dos ricos, a realidade é que Pedro vive do dinheiro que rouba de Paulo e Paulo vive do dinheiro que rouba de Pedro. 

Um comportamento que não apenas é moralmente corruptor, como também é totalmente irracional, ineficiente e destruidor das liberdades mais básicas: em vez de termos total autonomia para gerenciar o dinheiro que ganhamos com o suor do nosso rosto e escolher em que iremos gastá-lo (seja para escolher a escola de nossos filhos, o tipo de cobertura de saúde que melhor nos serve, ou o tipo de cultura que realmente queremos consumir), somos obrigados a entregar uma larga fatia desse nosso suado dinheiro a uma penca de burocratas que juram estar tomando nosso dinheiro para nosso próprio bem, sendo que a verdade — já demonstrada na prática — é que eles irão utilizar nosso dinheiro com o intuito de majorar o bem-estar deles próprios e dos grupos de interesse (lobbies empresariais e de funcionários públicos) que os rodeiam.

Impostos sobre os ricos são uma medida populista que têm apenas um objetivo: ampliar a aceitação social de um sistema tributário profundamente injusto e anti-social.  Embora seja duvidoso que a estatista sociedade francesa dê uma guinada liberal — ainda que seu atual primeiro-ministro reconheça, sem meias palavras, que o governo extrapolou os limites do bom senso —, os defensores da liberdade devem torcer para que a extinção desse imposto sobre os ricos ajude outras pessoas a entenderem o básico: não vivemos à custa do estado; é o estado que vive à custa de todos nós.

Juan Ramón Rallo é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

Matéria extraída do website do Instituto Ludwig von Mises Brasil - Breve publicaremos matéria dos mesmos autores que trata de reestatização de estrada na Inglaterra. 

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