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terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

A solução para a escassez de água
racionamento.jpgComentário do IMB:

A partitura é sempre a mesma.  Basta termos um ano em que o nível de chuvas está abaixo do esperado, e o governo já começa a emitir alertas lúgubres sobre como essa seca irá afetar de maneira pungente toda uma determinada região.

Curiosamente, se você observar o histórico dos discursos do governo, verá que todo e qualquer local do país está sempre vivenciando ou uma enchente catastrófica ou uma seca catastrófica.  Em nenhum momento o governo diz que o país está vivenciando "a quantidade certa de chuvas". 


Atualmente, para o governo federal, o país é visto como uma terra árida que oscila entre uma seca persistente e uma seca mais amena. 

No estado de São Paulo, a empresa estatal responsável pela distribuição de água está aplicando, ainda que de forma velada, um racionamento.  Já se diz abertamente que, "se as atuais condições persistirem", será necessário um racionamento mais intenso. 

Se as atuais condições persistirem?  Trata-se de uma suposição interessante.  Por essa mesma lógica, durante a próxima temporada de chuvas poderíamos dizer, que "se essas condições persistirem, será necessária a construção de uma arca".
Condições climáticas nunca persistem.  Elas mudam.  E burocratas odeiam esse fato.
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Seria plausível supor que burocratas adoram secas.  Um período de seca lhes confere poder, e não apenas sobre o uso agregado da água.  Burocratas adoram saber que estão no controle até dos mínimos detalhas das vidas das pessoas.  Sob um racionamento, eles ordenam às pessoas que tomem banhos mais curtos.  Eles ordenam às pessoas que deem menos descargas.  Eles tentam impor um profundo senso de culpa no cidadão que lava o carro ou que simplesmente rega suas plantas.

Secas podem transformar até mesmo o mais inocente e ingênuo funcionário público em um equivalente moral a um agente de Gestapo, que emite decretos, impõe multas e, no extremo, corta o próprio fornecimento de água — e tudo em nome do interesse público.
Secas tornam todas as pessoas dependentes do estado.  Todos são obrigados a obedecer às suas ordens e a seguir suas leis, tipo, "Prédios de números pares podem utilizar um volume X de água entre 7 e 11h, e prédios de números impares podem utilizar esse mesmo volume entre 15 e 19h".  Consequentemente, secas podem jogar um vizinho contra o outro, e transformar as pessoas em uma "classe de criminosos", que têm de se rebaixar a tomar banho escondidos para que ninguém perceba que ele está gastando uma quota de água superior àquela determinada pelo estado.

Esse comportamento estatal tem um nome: o ódio ao "consumismo".  Ao passo que as pessoas querem ter opções sobre como gastar seu dinheiro, burocratas querem que elas sofram constantemente e estejam continuamente cientes de que estão utilizando um produto sobre o qual o estado está no controle; as pessoas não devem confiar no sistema de preços para balizar seu padrão de consumo, mas sim obedecer a regulamentações e restrições estatais.

Perceba que uma seca nunca termina oficialmente.  Durante o auge da seca, os jornais ficam repletos de alertas lúgubres sobre uma iminente catástrofe.  Porém, quando a seca é substituída por chuvas torrenciais — e isso invariavelmente ocorre —, não há nenhuma reportagem na imprensa falando algo do tipo "Graças a Deus a seca acabou.  As pessoas agora podem consumir o tanto de água que estiverem dispostas a pagar."
Nunca.  Eles nunca dizem isso.  Eles preferem que carreguemos conosco aquela sensação de que a seca nunca de fato acabou, já que, afinal, ela pode voltar novamente.

O cerne do problema aqui nada tem a ver com chuvas ou com a alteração de padrões meteorológicos.  Com efeito, o tempo está em contínua mudança desde a alvorada do universo.  O que realmente cria o problema da escassez de água é a propriedade estatal dos meios de produção, bem como o atual e totalmente irracional sistema utilizado, no qual os preços não se alteram independentemente da disponibilidade de água.  Não há uma preocupação nem com lucros e nem com prejuízos.  Logo, não há um verdadeiro cálculo econômico balizando as operações da estatal.  Os preços são determinados pelo governo, de acordo com conveniências políticas e eleitorais; e não por indicadores extra-mercado.

Pense na diferença entre esse sistema estatal e um sistema de mercado.  Diariamente, nós consumidores somos induzidos a consumir todos os tipos de bens de consumo imagináveis: desde carros, celulares, computadores e apetrechos eletrônicos até alface e mandioca.  Há uma constante calibragem entre oferta e demanda.  Se um produtor tentar precificar excessivamente um determinado produto para tentar aumentar seus lucros, outro empreendedor entrará em cena e, por causa de seus preços menores, irá se apropriar dos consumidores que o primeiro perdeu.  A inovação está em todos os cantos, de modo que um aumento na oferta é continuamente necessário para atender a demanda.  Caso contrário, o empreendedor vai à falência.  Nenhum lucro é permanente.  O lucro está continuamente ameaçado.  No mundo atual, a ameaça pode surgir da noite para o dia.

Agora, pense na diferença entre esse mercado, no qual você é estimulado a consumir cada vez mais, e o mercado estatal de provisão de água.  Neste mercado, o tema é sempre o mesmo: você está usando água em excesso.
Não é interessante?  Dado que todos os recursos existentes no planeta são escassos — o que significa que o minério de ferro necessário para fabricar o aço dos automóveis também pode acabar, assim como todos os alimentos existentes —, por que há esse apelo por racionamento apenas no mercado de fornecimento de água?  Simples: porque esse mercado não é de funcionamento livre.  E isso nada tem a ver com o produto em questão.  Se você duvida, vá ao supermercado ou à padaria mais perto de você e procure por uma garrafa de água.  Haverá várias marcas à sua disposição, cada uma delas implorando para você consumi-la.

Já no mercado estatal de água, seus "produtores" exigem que você conserve e racione. 
A propriedade e o gerenciamento estatais dos meios de produção são a principal razão desse comportamento.  Privatize — privatize completamente — a oferta de água e você verá uma mudança imediata nesse padrão.

E o motivo é muito simples.  Empresas privadas querem lucro.  Se elas perceberem que seus reservatórios ficarão vazios em decorrência de uma seca, elas terão de fazer novos investimentos, caso contrário elas simplesmente não terão água para fornecer e, consequentemente, não terão receitas e nem lucros.  Quanto mais alerta e voltada para o lucro essa empresa for, maior será sua antecipação nos investimentos necessários — ou seja, ela não deixará para investir apenas quando a seca se materializar.
No entanto, as pessoas imediatamente reagem a essa proposta dizendo que ela é maluca e insensível.  "Rios, lagos, reservatórios e represas não podem ser propriedade privada!  Os preços seriam extorsivos e os pobres seriam os mais prejudicados!"
É mesmo?  Mais prejudicados do que simplesmente não terem água para usar?  Isso é que é humanismo e amor aos pobres...

No que mais, em caso de aumento de preços em períodos de seca, não há por que dizer que os pobres seriam afetados.  E o motivo é simples: maior preço gera menor demanda (não é esse o objetivo dos conservacionistas?).  Se a tarifa de água subir, todas as pessoas irão reduzir seu consumo.  Com um consumo reduzido, não há aumento na conta a ser efetivamente paga.

Ou seja, os pobres não serão afetados por um aumento nos preços porque preços altos estimulam a redução do consumo; e, ao serem estimulados a reduzir seu consumo, o valor final de sua conta não será aumentado.

Sim, haverá uma queda na qualidade de vida, pois eles estarão utilizando menos água pelo mesmo preço.  Mas isso não é melhor do que uma total escassez do produto?
A total privatização da água é a melhor maneira para se evitar o desastre de um racionamento.  E, creiam, racionamentos serão rotineiros porque não há incentivos significativos para se conservar a água em seu atual estado socializado.  Uma transição para esse estado de coisas provavelmente será doloroso, dado que mais de um século de socialização da água terá de ser desfeito.  Mas é certo que esse processo seria relativamente rápido em relação ao longo e exasperante sofrimento que o socialismo no mercado de água ainda irá gerar.

Conclusão
O governo, ao contrário do livre mercado, sempre vê o consumidor como algo aborrecedor.  Ao passo que, no livre mercado, as empresas estão sempre ávidas por consumidores para os quais vender seus produtos, no setor público, o consumidor é apenas um irritante demandante, um usuário esbanjador de recursos escassos.  No livre mercado, o consumidor é o rei, e os ofertantes estão sempre se esforçando para ganhar mais consumidores, com os quais poderão lucrar caso forneçam bons serviços.  No setor público, cada consumidor é visto como alguém que está utilizando um bem em detrimento de outra pessoa.  No livre mercado, todos os envolvidos em uma transação voluntária ganham, e as empresas estão sempre ávidas para oferecer seus produtos ao consumidor.  No setor público, o consumidor é apenas uma chateação para os burocratas.

Seca é apenas outro nome para escassez.  O governo é capaz de criar uma escassez de qualquer produto por meio de seu gerenciamento burocrático.  Preços não respondem à lei da oferta e demanda, e uma total falta de investimento e inovação caracteriza o gerenciamento da água pelo governo.  Aliás, esse mesmo padrão de comportamento pode ser observado nos Correios, na educação estatal, na saúde estatal, na segurança estatal, na justiça estatal e em todas as outras áreas em que o governo detém um monopólio.  Não deveria ser surpresa nenhuma haver escassez de água.

Quando a água passar a ser fornecida por empresas operando em um ambiente concorrencial, batalhando para satisfazer os consumidores e com isso terem lucros, racionamentos serão coisas fictícias.  No atual arranjo, as empresas estatais ganham mais poder quando fazem os consumidores sofrer.  No livre mercado, tal arranjo é inconcebível.

Murray N. Rothbard (1926-1995) foi um decano da Escola Austríaca e o fundador do moderno libertarianismo. Também foi o vice-presidente acadêmico do Ludwig von Mises Institute e do Center for Libertarian Studies. 

Matéria extraída do website do Instituto Ludwig von Mises Brasil
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