por Temba Nolutshungu
Eu fiquei sabendo da existência do Muro de Berlim, sem consciência de seu significado politico, logo após sua construção em 1961. No início da da década de 1960, eu estava em minha dentição política, começando a ter consciência das forças que regem o mundo. O pervasivo sistema do apartheid que vigia na época inevitavelmente politizou muitos de nós. Nesse mesmo período, o socialismo parecia oferecer uma solução atraente para a situação que prevalecia em meu país natal. O governo sul-africano exibia um ódio sistemático e profundamente arraigado do comunismo, e isso se manifestava quase diariamente em propaganda gerada pela rede de telecomunicações à disposição dos vários órgãos estatais. O sentimento anticomunista ganhava eco na imprensa relativamente livre, cujos donos e gestores eram brancos. Então, para os negros, a equação era simples. Os opressores, que haviam infligido tanto sofrimento ao nosso povo, odiavam o comunismo. O que o inimigo odiava devia ser bom para nós, o povo oprimido. Afinal, o comunismo girava em torno de uma sociedade sem classes e do compartilhamento de todas as coisas.
Conforme eu amadurecia politicamente, mergulhei em um meticuloso estudo da filosofia do comunismo. Simultaneamente, comecei a me fazer perguntas relacionadas a como o comunismo funcionava na prática. Era difícil encontrar respostas críveis, e a falta de respostas estimulava minha curiosidade. Descobri o Muro de Berlim, que havia sido construído pelo governo da Alemanha Oriental para impedir que os habitantes do paraíso dos trabalhadores — a Alemanha comunista — fugissem para o Ocidente capitalista, que tipificava a exploração do homem pelo homem. Antes da construção do muro em 1961, a Alemanha Oriental passara por uma dramática perda de sua população para o Ocidente, incluindo milhares de jovens instruídos: uma "evasão de cérebros" de proporções monumentais. Depois da construção da parede, com seus postos de guarda, trincheiras e postos de inspeção, milhares de indivíduos arriscaram a vida em suas tentativas de atravessá-lo em direção a Berlim Ocidental. Perturbou-me descobrir que os refugiados era pessoas de todas as esferas da vida: artistas, cientistas, estudantes e profissionais, entre outros. Eles pareciam não se deixar deter pela ameaça de morte em sua busca por atravessar o muro, desafiando a lei comunista.
Comecei a ver o Muro de Berlim como sintomático dos méritos e deméritos dos dois sistemas contrastantes, a democracia capitalista e a ditadura comunista ("ditadura do proletariado"). Após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha Ocidental capitalista gradualmente se alçou ao posto de segunda maior economia do mundo, enquanto a Alemanha Oriental parecia presa em um marasmo econômico. A Alemanha Ocidental era um país livre e democrático, enquanto a Alemanha Oriental era claramente um Estado policial. Lancei meu olhar precoce para as Coréias do Sul e do Norte. O mesmo cenário era patentemente óbvio. Como na Alemanha: o mesmo povo, a mesma cultura, a mesma língua, e famílias divididas entre os lados da fronteira. Mas tantas flagrantes incompatibilidades! Não era de admirar — percebi — as tentativas desesperadas dos indivíduos de escapar das garras do comunismo no Norte para a democracia capitalista no Sul precisavam de um estudo mais atento.
Na África, na maior parte dos movimentos de libertação, que procuravam derrubar o repressivo colonialismo europeu pela força, abraçavam variações do comunismo ou do socialismo. Uma vez do poder, e tornados partidos políticos, esses movimentos implementavam políticas econômicas voltadas para uma perspectiva socialista. Tornou-se gradualmente mais claro que essas políticas prejudicavam grandemente o bem-estar do povo.
Mas por um bom tempo a visão do nirvana que o socialismo traria, junto com uma consciência das injustiças evidentes do passado colonial (que eram atribuídas em grande parte aos interesses capitalistas), ganharam tempo para o sistema e levaram as pessoas a aguentar o sofrimento consequente. A visão sedutora da propriedade dos meios de produção pelo povo, por mediação do Estado, tinha apelo para muitos, e ainda o tem em alguns círculos na África do Sul.
Foi somente com a experiência que se tornou claro para mim que a nacionalização dos bens produtivos não significa realmente que eles estão sob posse e controle do proletariado ou do povo, ou que sejam usados para benefício coletivo. Eles estão sob posse, controle e gestão do Estado, o que na realidade significa as elites ou facções elitistas que empunham o poder e controlam o Estado. Tornou-se aos poucos evidente que, assim como na Alemanha Oriental, na Coréia do Norte ou em outros países de persuasão comunista, a liderança desses Estados africanos socialistas era a única classe que derivava algum benefício das políticas de coletivização. Como no caso da Alemanha Oriental, eventualmente ficou claro que tentativas de impor sistemas comunistas na África eram economicamente insustentáveis, politicamente tirânicas e moralmente falidas.
Conforme comecei a submeter o sistema de apartheid a um exame mais minucioso, este me pareceu ser um sistema que tinha mais em comum com um Estado comunista do que com uma sociedade capitalista livre. O apartheid controlava cada aspecto das vidas dos negros, do nascimento à morte. Entre outras coisas, consistentemente com a política de segregação racial, declarava onde as pessoas negras podiam nascer, onde podiam morar, onde podiam manter um limitado comércio de subsistência, com todo tipo de condições restritivas; negava-lhes direitos de propriedade; decretava onde poderiam obter a forma de educação prescrita na lei, onde poderia trabalhar e que tipo de trabalho poderiam fazer, que hospitais e serviços podiam usar, como e quando podiam se mudar, e até mesmo onde podiam ser enterradas. Na verdade, os negros estavam na prática nacionalizados pelo governo do apartheid. O apartheid, um sistema ubíquo e imponente, era, como seus primos comunistas, economicamente insustentável, politicamente tirânico e moralmente repreensível; mas, assim como com o comunismo, os poucos que se beneficiavam rejeitavam veementemente essa caracterização do sistema.
Para mim, então, a queda do Muro de Berlim trouxe à tona algumas verdades muito importantes: que as pessoas valorizam a liberdade acima de qualquer ideologia; que um sistema que não reconheça esse atributo definitivo da natureza humana vai eventualmente sucumbir à pressão, em quanto tempo quer que seja; e que um sistema que funciona com base no que a natureza humana é, e não no que deveria ser, vai despertar o espírito de empreendimento que corre em todas as culturas e todas as nações. Isso está encapsulado nas palavras de Svetlana Alliluyeva, filha de Stalin, que disse: "É a natureza humana que rege o mundo, e não governos e regimes."
O comunismo corrói a liberdade humana. Em seu zelo por redistribuir recursos, abolir a propriedade privada dos meios de produção e reengendrar a estrutura da sociedade, ele necessariamente recorre ao uso da força. Subsequentemente, nega aos indivíduos a liberdade de agir em seu próprio interesse e lhes nega o fruto de seu próprio trabalho e iniciativa. Não é surpreendente, portanto, que os líderes comunistas como Stalin, Mao Ze Dong, Pol Pot, Eric Honecker, Nikolai Ceauscescu, e muitos, muitos outros foram obrigados a fiar-se tão frequentemente em coerção, violência e aparatos de espionagem para manter seus regimes, no processo chacinando milhões em seus próprios povos. Lenin, usando uma metáfora agora infame, lembrou a seus seguidores que não se pode fazer um omelete sem quebrar os ovos.
Meu entendimento da história do Muro de Berlim, das circunstâncias que cercam sua histórica abertura em 9 de novembro de 1989 e sua subsequente destruição por demanda popular contribuíram fundamentalmente para minha própria metamorfose ideológica. Para mim, a história do Muro simboliza a verdade de que uma sociedade livre, baseada na propriedade privada dos meios de produção, é a melhor forma de oferecer o que as pessoas querem.
Devo acrescentar que, para os africanos, defrontados com uma pletora de barreiras comerciais e medidas protecionistas que obstruem o livre fluxo de seus produtos para a Europa, pode parecer que, apesar de a parede ter desaparecido, a mentalidade de fortaleza persiste na Europa sob outras formas. O Muro de Berlim das tarifas protecionistas obstrui o livre fluxo de produtos africanos principalmente, mas não só, agrícolas, para os mercados europeus. Esse muro também precisa ser derrubado.
Matéria extraída do website do Instituto Ordem Livre
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