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quarta-feira, 25 de março de 2015

Filosofia, Religião e Mercado (II)

HIAGO REBELLO*
Aristoteles e socrates debate2

Uma vez que somos dependentes do passado para formular novas propostas, e já visto que noções imprescindíveis ao liberalismo, como a propriedade privada, foram enxertadas por noções teológicas, e estas por conceitos filosóficos da Antiguidade; cabe responder a questão levantada no último artigo: a religião seria necessária para o indivíduo ou apenas para o sistema?

Sistemas são dependentes das ações humanas. Sem homens, no caso dos preceitos econômicos, sequer podem ser criados, mas existe uma auto conservação do princípio liberal que, pela lógica, se impõe nas relações de mercado. Como já se sabe, o valor do produto é relativo aos gostos dos compradores. Por esse exato motivo, por exemplo, que água em um deserto pode valer mais que ouro: as circunstâncias mudam com o tempo ou local, e esse fato faz parte do sistema liberal de mercado, impondo-se sobre as relações que compõem o liberalismo clássico, mas não por força, e sim por lógica embasada na realidade e na natureza humana, seja cultural, metafísica ou biológica.
Assim como a lógica comanda o mercado liberal, esta totalmente dependente da filosofia antiga, a religião é fundamental em alguns conceitos importantes para o liberalismo, mas ela não tem, digamos, um caráter “imperator” na vida dos indivíduos liberais.

O sujeito que não é religioso, ou ateu, não deixa de ser liberal por conta disso. A religião exerce uma influência importante nos princípios do sistema, mas não abarca todo o sistema. A lógica aristotélica também é importantíssima para o liberalismo clássico, mas não é por isso que é necessário ser um aristotélico (na sua preferência filosófica) para ser um liberal, e o mesmo se aplica ao cristianismo.
Mas e os princípios? Há princípios cristãos que não devem ser deixados de lado. Milton Friedman, respondendo a uma pergunta sobre distribuição de riquezas – https://youtu.be/g-zgxrO4kWg?t=1m45s –, fala de como a sociedade funciona, juntamente com a justificativa para não taxar a 100% as heranças. O argumento de Friedman se resume que nossa sociedade não é individualista, apesar das análises liberais e da importância do indivíduo, e sim familiar e, assim, caso se taxassem 100% das heranças, iria-se desestimular a conquista da riqueza para a continuidade da própria família. Este esquema de herança, e o arranjo social, entorno da família no Ocidente só surge na Alta Idade Média[1] por conta da Igreja –  noções ontológicas, como a igualdade do ente homem e mulher também surgem nessa época contra a cosmovisão bárbara após o fim do Império Romano do Ocidente. Sem tal princípio, que tornara as famílias mais nucleares e independentes, fora outros atos, como os de promover mais a moral da Igreja na Europa ocidental pós-romana, não se imputariam noções de responsabilidade, cavalheirismo, respeito e individualidade (no contexto medieval) para tais sociedades.

A questão de tais princípios é que são intrinsicamente ligados à religião. O cristianismo, como um fenômeno que afeta todos os patamares da sociedade, o conserva e mantém; em uma sociedade que o renegue, também renegará princípios que vêm colados com a moral.
Por mais que um indivíduo possa manter os princípios morais cristãos sem acreditar no cristianismo, a sociedade não funciona de maneira semelhante. O corpo social, suas mudanças estruturais e essências, dependem de alicerces, de baluartes, que são as próprias instituições sociais, e as igrejas são parte, e uma parte muito profunda e importante, dessas instituições. Com uma propaganda anticristã exagerada, difamatória e desonesta, aos poucos, e por setores, a sociedade perde grandes influências que o cristianismo causa, e o mesmo vale para o liberalismo, pois ele depende de uma carga cultural anterior e constante para se configurar de maneira justa.
O indivíduo, e sua importância, assim como a propriedade privada, não sobrevivem em um quadro anticristão na sociedade, por mais que até mesmo alguns liberais assim sejam, em um longo prazo, as ideias têm suas consequências. Não se pode esperar demolir um grande prédio sem que se caiam entulhos e poeira embaixo dele.

Se a sociedade e sua moral é apenas algo metamórfico, e podendo ser resumida apenas nisso, não existem princípios invioláveis. O respeito à vida, propriedade, honestidade e justiça seriam apenas convenções sociais, e não passariam disso. Não existiria melhor nem pior, certo ou errado, mentira ou verdade, apenas convenções sociais relativistas e funcionalistas. É necessário conservar essa característica cristã para manter o liberalismo, mesmo que não se acredite no cristianismo. Sem a moral, e a teologia que a fundamenta, assim como a filosofia, tira-se uma carta base de um castelo de cartas, e o desmoronamento, confusão e mal é o que se obtém, e é catastrófico.
Na Revolução Francesa, mesmo com algumas ideias liberais em grande profusão, o mesmo desacerto foi cometido. Os revolucionários, loucos por mudanças e inovações, apenas conseguiram algo pior que o anterior, mais danos para suas causas e mais mazelas para todos, e sem discriminação. Conservar essa tradição que vem desde a Grécia e os mosteiros é a chave para manter o liberalismo.
Sem conservadorismo não há liberalismo.

NOTA 
[1] Ler o primeiro volume de “A História da Vida Privada”, com foco nos textos de P. Veyne, P. Brown e M. Rouche, caso se queira analisar a influência do cristianismo nas sociedades romana e franco-germânicas.
* Hiago Rebello está cursando o terceiro período em História, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro. 



Sobre o autor

Instituto Liberal
Instituição sem fins lucrativos
O Instituto Liberal é uma instituição sem fins lucrativos voltada para a pesquisa, produção e divulgação de idéias, teorias e conceitos que revelam as vantagens de uma sociedade organizada com base em uma ordem liberal.

Matéria extraída do website do Instituto Liberal

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