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terça-feira, 7 de abril de 2015

A vergonhosa politização da tragédia

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Com grande tristeza, assistimos, no final de semana que passou, a redobradas demonstrações da presença ainda significativa da barbárie e da insensibilidade mais desumana entre nossos compatriotas. Em agosto do ano passado, já havíamos tido uma amostra disso com o acidente aéreo que vitimou o presidenciável Eduardo Campos, do Partido Socialista Brasileiro. Àquela altura, lamentamos, como todo brasileiro que se quer decente, as reações de pessoas de diferentes posições políticas, com diferentes tendências, que desrespeitaram a dor profunda de familiares e amigos, bem como o próprio valor da vida humana, ao celebrarem a morte daquele em quem enxergavam um adversário político. Agora, temos algo diferente: não foi o governador tucano de São Paulo, Geraldo Alckmin, quem faleceu na trágica queda de um helicóptero no último dia 2 de abril, às 17h10m, em um condomínio no município de Carapicuíba. A vítima não foi sequer uma liderança política, que, por isso mesmo, naturalmente colecionaria oponentes e desafetos; Thomaz Alckmin era tão-somente seu filho caçula, de 31 anos, casado desde 2011. E não estava sequer sozinho; também houve outras quatro vítimas. Três mecânicos e um piloto.
A repulsa que boa parte dos brasileiros sente pela classe política não deveria servir de justificativa para comemorar efusivamente a morte de qualquer parlamentar, qualquer governador de estado ou qualquer prefeito. Aliás, acrescentar advérbios não seria necessário; não deveria servir de justificativa para comemorar, fosse efusivamente ou timidamente. Mas sequer havia, naquele helicóptero, qualquer figura que se enquadrasse nessas categorias.  Não havia nenhum político. Eram apenas jovens adultos que seguiam com suas vidas, fossem quais fossem suas preferências eleitorais.
Pois quê! Não demorou muito para os cultistas do ódio colocarem as manguinhas de fora. Incapazes de enxergar naquelas vítimas as vidas humanas que partiram, vislumbraram apenas o instrumento para promover suas frias agendas políticas. Pablo Vilaça e Luciana Genro não foram os únicos, e houve até quem tenha sido menos sutil, embora, como figuras públicas, suas palavras façam mais barulho e, por isso, fica sendo maior ainda a responsabilidade que contraem. Testemunhamos diversos comentários fazendo pouco caso da dor da família de Alckmin, ou mesmo escarnecendo de seu sofrimento, especialmente nas redes sociais – onde, para alguns, existe ainda a proteção covarde do anonimato para que grasnem seus sentimentos mais repulsivos, mas a vergonha já é tão pouca que muitos nem sentiram necessidade de se ocultar.
Como urubus carniceiros, entenderam por bem fazer comparações entre essa e outras tragédias, e lançaram o torpe questionamento: por que lamentar “tanto” a morte do filho de Alckmin, e não “tanto” a morte do menino de dez anos vítima da bala perdida tempos antes? Por que lamentar “tanto” a morte do filho de Alckmin e não as centenas de mortes que acontecem todos os dias – segundo alguns, em São Paulo, por “culpa do governo dele”? A estes últimos, perguntamos: vocês se comprazem em enxergar nessa tragédia um “castigo” ao governador pela sua responsabilidade na área da segurança pública? Ainda que se entenda seja ele responsável, são esses os votos que vocês nutrem para com todos os políticos: que quaisquer pessoas de suas famílias, ou mesmo funcionários que não têm qualquer laço sanguíneo, pereçam para que sofram na pele o que outros sofreram? É isso que querem: vingança? Se não têm nenhuma compaixão pela dor do pai apenas por ele ser quem é, não lhes passa pela cabeça, não recebe de vocês nenhuma consideração, a dor da senhora Alckmin? Ou a dor da arquiteta Thais Fantato, com quem Thomaz era casado há apenas quatro anos? Vale a pena pagar o preço da dor dessas pessoas para que vocês tenham a oportunidade de dirigir impropérios e exibir em celebração a própria miséria moral na Internet?
A imprensa dá destaque ao falecimento do filho de Alckmin, como naturalmente dá destaque aos fatos que circundam personalidades com representatividade pública. Isso é tão natural que realmente não compreendemos a indignação. Não deveria ser motivo suficiente para que se mensure o tamanho da compaixão alheia; o cidadão de bem, que reconhece na vida humana a sacralidade inerente, não deixa de respeitá-la e nutrir empatia por ela, onde quer que se manifeste. Não deixa de valorizá-la onde quer que ela se veja desperdiçada pelos abusos, ou onde quer que as barbáries humanas a aviltem. Por isso mesmo, não há jovem, não há família, não há sujeito que, em sua condição ontológica, deva ter, para nós, maior ou menor valor. Não se viu qualquer voz questionando o lamento pelas mortes de crianças, jovens, adultos ou mulheres, todos os dias, Brasil afora, com os números alarmantes de homicídios culposos ou dolosos que apresentamos. Não se viu qualquer voz ou qualquer clamor, de nossa parte, reivindicando que o sangue dos filhos desta pátria verde e amarela, vertido a cada segundo ou minuto, em cada esquina onde imperam a miséria, a corrupção e a covardia da força bruta, seja desprezado. Não se viu qualquer voz, de nossa parte, se erguer para apontar o dedo a uma existência humana que se encerrou, para qualificá-la como digna de maior ou de menor valor, como mais ou menos digna das lágrimas ou da preocupação dos semelhantes.
Só o que se viu, eis a verdade, foram as vozes deles, dizendo que a tristeza que se abateu sobre a vida da família Alckmin deveria ser comparada a outras tristezas. Que não se basta, por si só. Que devemos paralisar nosso pensamento e refletir criticamente, desviar nossa atenção para vis conjecturas, quando estamos diante de um pai que sente o impacto da partida de seu filho. O que se viu foi a vergonhosa politização da tragédia. Incapazes de encaixar cada coisa em seu lugar, incapazes de encarar todas as vidas humanas como merecedoras do mesmo valor – em boa medida, temos entre eles os mesmos que acham que as vidas de negros, homossexuais ou mulheres devem ser objeto de maior preocupação do que quaisquer outras -, não enxergaram um pai de família. Enxergaram um oponente, a quem não se limitaram a dedicar os comentários críticos que têm o direito de tecer, no processo político; negaram-lhe também o respeito como ser humano. Ao fim das contas, nós o sabemos, esses mesmos apontarão o dedo para nós, que sustentamos a liberdade, a propriedade e a vida como valores fundamentais, e nos qualificarão como sendo os verdadeiros cultistas e semeadores do ódio.
A isso, respondamos com o exemplo: nós não relativizamos o valor da vida, nós sabemos enfrentar o oponente político na esfera da política. Nós não transformamos a agrura alheia em arma para um jogo, como se estivéssemos sobre um palanque num comício observando o baque que naturalmente atinge uma família. Não permitamos, pois, que isso mude; não permitamos que tamanha mediocridade moral tenha fôlego entre nós, liberais ou conservadores, se quisermos realmente desfraldar a bandeira da ética e do respeito público.

Sobre o autor

Lucas Berlanza
Acadêmico de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na UFRJ, e colunista do Instituto Liberal. Estagiou por dois anos na assessoria de imprensa da AGETRANSP-RJ. Sambista, escreveu sobre o Carnaval carioca para uma revista de cultura e entretenimento. Participante convidado ocasional de programas na Rádio Rio de Janeiro.
Matéria extraída do website do Instituto Liberal

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