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sábado, 18 de abril de 2015

Terceirização? Sim, por favor. E obrigado

 

terceirizar-voce-faz-isso-certo1.jpgEstamos observando uma grande mobilização em torno do tema da terceirização por causa da tramitação do Projeto de Lei (PL) 4330/2004, o qual amplia a permissão de terceirizações, permitindo a contratação de serviços terceirizados para qualquer atividade, sem estabelecer limites ao tipo de serviço que pode ser alvo de terceirização.
Por que a terceirização é importante
Para entender por que a terceirização é importante, é necessário apenas reconhecer seus benefícios históricos: a terceirização está intrinsecamente ligada à divisão do trabalho, que foi o que permitiu às sociedades modernas crescer, se desenvolver e elevar o padrão de vida de seus habitantes.
Se hoje um cidadão pobre em geral tem muito mais condições de vida do que uma pessoa comum da idade média, isso se deve em grande parte ao fato de que as atividades produtivas foram sendo gradativamente desagregadas e passaram a ser cada vez mais realizadas separadamente por aqueles que mais se especializaram em sua execução.
Ludwig von Mises resumiu esse processo:
Historicamente, a divisão do trabalho se originou em dois fatores da natureza: a desigualdade das capacidades e habilidades humanas, e a variedade das condições externas da vida humana na terra. [...] 
Jovens e velhos, homens e mulheres, crianças e adultos, todos cooperam entre si ao fazerem os melhores usos possíveis de suas várias habilidades. [...]
Uma vez que o trabalho foi dividido, a própria divisão exerce uma influência diferenciadora.  O fato de o trabalho ser dividido possibilita um maior aperfeiçoamento do talento individual, o que por si só já faz com que a cooperação seja ainda mais produtiva.  Por meio da cooperação, os homens são capazes de alcançar aquilo que estaria além de suas capacidades enquanto indivíduos, e até mesmo o trabalho que um indivíduo é capaz de realizar sozinho se torna mais produtivo.  [...]
O indivíduo se beneficia ao cooperar não somente com pessoas superiores a ele em determinadas capacidades, mas também com aquelas que são inferiores a ele em absolutamente todos os aspectos relevantes.
Ou seja, se hoje você não tem de costurar sua própria roupa, criar e plantar o que come, construir seu próprio meio de transporte, e assim por diante, é porque tais atividades foram terceirizadas, isto é, passaram a ser feitas por outras pessoas que foram se especializando nelas, aumentando assim a produtividade geral da sociedade e elevando sua renda e qualidade de vida.
Com o tempo, não apenas as atividades se diversificaram, como também as especialidades aumentaram, o que acarretou em uma maior qualidade e variedade de produtos. O iPhone que você usa, o Nike no seu pé, seu notebook, seu carro — todos esses produtos se beneficiam muito da terceirização para chegar ao seu alcance. E você não reclama disso. Você usa e acha bem legal ter tudo isso disponível hoje. Mas raramente buscamos compreender por que isso é possível.  Sim: divisão do trabalho, terceirização.

A terceirização, portanto, é um meio de se buscar maior eficiência produtiva. Essa maior eficiência permite que as empresas possam ser bem sucedidas e continuem a oferecer empregos, além de também elevarem a produtividade da mão-de-obra.  E isso, por sua vez, é um dos fatores-chave para elevar os rendimentos do trabalhador.

Quem está mais familiarizado com os dados da economia brasileira sabe, por exemplo, que um dos problemas crônicos do nosso país é a baixa produtividade da mão-de-obra. Garantir a liberdade para novos arranjos produtivos mais flexíveis, por meio da terceirização, é uma maneira de alcançar o aumento da produtividade que tanto nos faz falta. 

Mais ainda: garantir a liberdade de tais arranjos nada mais é do que garantir a liberdade de livre associação entre as partes; é garantir que acordos mutuamente consensuais possam ser realizados. E derrubar uma restrição a acordos voluntários é, por si só, benéfico. Sociedades mais justas, mais ricas e desenvolvidas são sociedades mais livres.

Adicionalmente, vale ressaltar que o PL potencialmente irá beneficiar aqueles trabalhadores mais vulneráveis, que querem oferta sua mão-de-obra mas que não conseguem emprego por causa das rígidas legislações trabalhistas e da obrigatoriedade dos vínculos empregatícios, imposições essas que encarecem artificialmente o preço de sua mão-de-obra.

Talvez (ênfase no "talvez") o PL seja ruim pra você que tem um emprego estabelecido e a proteção de sindicatos.  Mas o que sindicatos fazem — sobretudo quanto maior for seu poder — é elevar salários à força, criando barreiras à entrada de novos trabalhadores cuja produtividade é baixa (isto é, os menos favorecidos) e não vale o piso salarial estabelecido. 

Ou seja: prejudicam os mais vulneráveis em favor de um grupo seleto, poderoso e protegido. Prejudicam os mais vulneráveis em detrimento dos mais abastados.

A livre associação de indivíduos em sindicatos pode ser benéfica na luta por direitos livremente acordados, mas o sindicalismo compulsório é uma afronta a essa liberdade. Sindicatos que buscam controle monopolístico sobre a força de trabalho, muitas vezes impedindo indivíduos de trabalhar de acordo com seus próprio termos, são nocivos. Contornar esse poder significa permitir que mais indivíduos possam sair do desemprego.

Se o PL for capaz de reduzir tal poder dos sindicatos — e as manifestações contrárias destes indicam que de fato ele é  —, então ele é muito bem-vindo.

Algumas respostas às críticas
Passando da defesa da causa para trazer algumas respostas às críticas, comecemos pelos argumentos mais recorrentes: os de que a terceirização irá gerar precarização da mão-de-obra e redução salarial.
Alega-se que a terceirização fatalmente reduzirá salários e colocará os trabalhadores em piores condições de trabalho, sujeitos a mais acidentes etc.

Esses argumentos geralmente utilizam estatísticas levantadas por alguma fonte interessada no assunto.  O mais famoso até o momento é o documento da CUT intitulado "Terceirização e Desenvolvimento: uma conta que não fecha".   Tal documento foi repercutido estrondosamente pela Folha, pela Carta Capital e pelo Estadão.  O problema é que tal documento é intelectualmente grosseiro.

O economista Roberto Ellery, professor da Universidade de Brasília (UnB), decidiu ir às fontes e demonstrou em seu blog que uma análise simples da pesquisa seria suficiente para atestar a fragilidade das afirmações que ganharam manchetes. São muitas as barbeiragens estatísticas.
Um exemplo: a pesquisa financiada por CUT e DIEESE simplesmente comparava o salário médio de trabalhadores terceirizados e não-terceirizados sem utilizar controles estatísticos que restringissem a comparação aos trabalhadores que desempenham a mesma função. Ou seja, o salário de trabalhadores com cargos e funções inteiramente distintas está sendo comparado sem o menor cuidado.
E existem algumas razões para acreditar que os funcionários terceirizados tendem a ganhar menos justamente porque exercem funções que teriam um salário menor de qualquer forma, fossem terceirizadas ou não.
No Brasil, a terceirização é restrita às atividades-meio de uma empresa e não pode chegar ao que se chama de "atividades-fim". Atividade-meio é aquela que dá suporte à atividade central de uma empresa, que é sua atividade-fim. Numa escola, a atividade-fim é exercida pelo professor.  Num hospital, a atividade-fim é a do médico. Elas não podem ser terceirizadas.
As atividades-meio são aquelas que dão suporte à atividade-fim: é o trabalho dos funcionários de limpeza, segurança e auxílio administrativo das escolas e hospitais. O problema é que a atividade-fim, por motivos diversos, tende a render salários maiores para quem a desempenha. Comparar o salário de um médico com o de um porteiro terceirizado do hospital, e concluir a partir desta comparação que o trabalhador terceirizado ganha menos por ser terceirizado é, no mínimo, uma barbeiragem estatística.
Alguém poderia me dizer que a comparação entre médico e porteiro do hospital é extrema, e que a diferença entre a função de terceirizados e não-terceirizados costuma ser menos evidente na maior parte das empresas, mas me parece mais perfeitamente razoável supor que o salário do funcionário que exerce uma atividade-fim seja, na maioria dos casos, maior do que o de quem exerce uma atividade-meio, e que isso nada tem a ver com o fato de ele seu contrato ser — ou não — terceirizável.
A tortura estatística ganha requintes ainda mais assustadores quando o professor nota que, no próprio estudo da CUT e do DIEESE, há a afirmação de que 22,7% dos funcionários contratados diretamente possuem nível superior completo, enquanto apenas 8,7% dos funcionários terceirizados terminaram um curso universitário. A maioria das pessoas veria nisso um ótimo motivo para afirmar que a diferença salarial tem relação direta com a diferença de formação entre os grupos. 
Outro argumento comumente utilizado é a antiga e surrada variação da teoria marxista da exploração: a terceirização seria apenas a busca das empresas por mais lucros à custa dos trabalhadores; empresas estão apenas interessadas em contratar trabalhadores por salários de miséria etc.
Conquanto seja verdade que as empresas estão obviamente interessadas em reduzir custos — e, em um ambiente concorrencial, tem necessariamente de ser assim —, e que uma fonte dos custos sejam os salários, a questão a ser respondida é: por que elas não deveriam tentar reduzir seus custos?
Por trás desta crítica, há vários preconceitos. 

Em primeiro lugar, a ideia de que custos menores para empresas é algo ruim.  Além do fato de que custos baixos permitem maior acúmulo de capital — o que possibilita mais investimentos e mais contratações —, falta explicar como que custos de contratação menores podem ser ruins para pessoas à procura de emprego.

Em segundo lugar, tal crítica parte do princípio de que um empreendedor optar voluntariamente por um modelo que reduz seus custos é algo moralmente repreensível.
Em terceiro lugar, tal crítica parte do princípio de que um arranjo de custos altos poderia ser mantido sem qualquer resultado negativo para as empresas, independentemente do cenário econômico.  Ora, isso não existe no mundo real.  Ou o empreendedor mantém o mesmo quadro de funcionários a um custo menor; ou ele mantém os salários altos, mas reduz o quadro de funcionários.

O que várias pessoas simplesmente não aceitam é que, no Brasil, a terceirização foi justamente o oxigênio inventado para que várias empresas pudessem se manter vivas em meio à asfixiante legislação tributária e trabalhista.  Ou elas terceirizavam ou quebravam.  A terceirização não foi um mero capricho de empresários ou uma conspiração maquiavélica para empobrecer a classe operária. Foi simplesmente uma saída para se manterem vivos.

Adicionalmente, muitas pessoas tratam o tema como se, da noite para o dia, todas as empresas fossem trocar seus empregados por terceirizados.  Só que há uma lógica de mercado que explica por que, em muitos casos (talvez na maioria dos casos), não faz sentido econômico uma empresa terceirizar sua atividade-fim: tal terceirização implicaria, por definição, que a empresa contratada para realizar tal atividade possui a capacidade de realizar exatamente o negócio da contratante, e, portanto, poderia ela própria operar em tal ramo.

Só que, ironicamente, isso tende a ser menos verdade em setores em que não há livre entrada de novas empresas, isto é, naqueles setores mais regulados pelo governo.  Nestes setores — por exemplo, empresas telefônicas —, justamente por estarem blindados da concorrência e por serem protegidos por agências reguladoras, a qualidade das atividades-fim tende a ser baixa, de modo que sua terceirização — que também não exigirá muita qualidade — se torna perfeitamente viável.
Ou seja: talvez a terceirização de atividades-fim se dê de maneira mais intensa em setores muito regulados ou controlados pelo governo. Portanto, se você eventualmente perder seu emprego em uma atividade-fim para um trabalhador terceirizado, tenha o cuidado de observar se, por trás disso, não está justamente o fato de que você trabalhava em um setor protegido das leis de mercado pela mão visível do governo. 

Conclusão
É evidente que o coro dos descontentes com os argumentos expostos acredite que tudo não passa de um mero festival de achismos, e que, assim como o documento da CUT, não há respaldo factual para tais afirmações.
Já antecipando isso, eis uma lista de trabalhos científicos que abordam o tema e fornecem um suporte adicional ao debate.  Como esperado, é possível encontrar vários trabalhos que dão amparo aos argumentos acima, como o fato de que a terceirização promove maior especialização e um incremento na capacidade de inovação das empresas[1] [2], e que, ainda que o que irá acontecer com os salários não seja exatamente certo[3], a terceirização pode sim causar um incremento nos mesmos [4] [5].

Também é possível observar que a terceirização não está necessariamente relacionada ao aumento do desemprego como alguns acreditam[6], e que nem sempre ela traz aumento de lucros para a empresa[7].

Além disso, é necessário ter sempre em mente o conflito entre efeitos pontuais e de curto prazo e os impactos mais amplos e de longo prazo. É perfeitamente compreensível que algumas pessoas fiquem insatisfeitas porque talvez seus postos de trabalho possam ser substituídos por postos terceirizados, ou porque talvez seus salários sejam reduzidos.  Difícil é reconhecer que quaisquer alterações abrangentes do tecido social — como a promulgação ou revogação de uma lei, ou o surgimento de uma nova tecnologia — naturalmente irão afetar os indivíduos e grupos de maneiras e intensidades diferentes.

Tais alterações potencialmente afetarão grupos de interesse que, acreditando estarem sendo ameaçados pela mudança, farão resistência à mesma, julgando que — e tentando vender a ideia de que — sua posição busca o bem comum, quando na verdade estão pouco interessados nos efeitos mais amplos.

Mais ainda: buscarão usar do poder do estado para impor a manutenção de sua estabilidade em detrimento do restante da população.

Um exemplo: os sindicatos dos datilógrafos e dos trabalhadores de fábricas de máquinas de escrever poderiam ficar bastante descontentes com o surgimento dos computadores e fariam de tudo para, por meio do estado, impedir a difusão dessa nova tecnologia. Naturalmente, eles estariam interessados apenas em seus benefícios de curto prazo, ignorando os benefícios evidentes e disseminados por toda a sociedade que seriam cada vez mais visíveis com o passar dos anos.
É natural que nos indignemos contra o que talvez nos prejudique diretamente, e é muito mais fácil ver e atacar aquilo que pode retirar nosso emprego amanhã.  Entretanto, raramente reconhecemos aquilo que fez com que obtivéssemos um emprego em primeiro lugar.  Caímos frequentemente em um raciocínio de dois pesos e duas medidas, do tipo "se consegui um emprego foi por mérito meu; se perdi o emprego foi por culpa da empresa".

É necessário reconhecer que, por maiores que sejam nossas habilidades, não teremos empregos se as empresas não os ofertarem ou se essas habilidades não forem demandadas pelo mercado.
E existem inúmeras condições necessárias para que isso aconteça, mas que podem ser resumidas na necessidade de garantir um ambiente que incentive a livre iniciativa e a concorrência.
É imperativo diminuir as amarras que sufocam os negócios no Brasil.  Somos um dos piores países em termos de ambientes de negócio graças ao emaranhado burocrático e ao excesso de espoliação estatal.  Nesse cenário, o PL 4330 pode ser um passo ainda muito pequeno, mas é um primeiro passo para tentar melhorar a situação.
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Leandro Roque contribuiu para este artigo. 



Cassiano Ricardo Dalberto é mestre em Economia pela Universidade Federal de Viçosa e doutorando em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Fonte: Instituto Luduwig von Mises Brasil

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