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domingo, 17 de maio de 2015

Confiscar dinheiro da poupança dos depósitos compulsórios: um péssimo precedente

porquinhoO jornal O Globo destaca hoje que o Governo estuda punir os bancos que não emprestarem dinheiro para que interessados possam financiar a compra de imóveis. Segundo o Banco Central, a maioria dos bancos privados não estaria cumprindo a determinação do órgão do governo de investir no setor imobiliário com os recursos liberados para esse fim. Esses recursos são provenientes dos chamados “depósitos compulsórios”. Vale abrir dois parágrafos para explicar isso, e depois voltamos com o problema principal.

Em sistemas financeiros operados por Bancos Centrais e sob a égide do Acordo de Basileia, o que ocorre na maioria esmagadora dos países (praticamente todos, de fato), os bancos comuns podem emprestar muito mais dinheiro do que eles efetivamente recebem em depósitos, alavancando suas reservas e operações muito além do que supostamente poderiam fazer, criando um sistema de insolvência constante do sistema bancário. Em última análise essa operação é um sistema em que bancos criam dinheiro do nada, com beneplácito dos Bancos Centrais, que em troca exigem que esses bancos transfiram uma pequena parte desses depósitos para a conta do Banco Central, como forma de garantir uma liquidez mínima dos bancos. Esse pequeno depósito se chama “depósito compulsório”, e é uma das poucas linhas de defesa contra a já citada insolvência generalizada de todo o sistema bancário.

O Governo Federal, na ânsia de injetar mais dinheiro na economia, dentro daquilo que já convencionamos chamar de “keynesianismo vulgar” (se a economia está mal, gaste dinheiro na economia nacional, e se a economia vai bem, gaste mais um pouco também), reduziu ainda mais o depósito compulsório, obrigando os bancos a emprestar esse novo excedente de recursos, ainda que na prática fazendo o nosso sistema bancário mais frágil.

Agora, voltando ao assunto principal, os bancos privados brasileiros têm se recusado a utilizar esse excedente de recursos, especialmente no setor imobiliário, o que é algo, a princípio, muito estranho, já que a atividade principal de um banco, e o meio onde ele efetivamente ganha mais dinheiro, é exatamente o ato de emprestar dinheiro. Se bancos não emprestam dinheiro, eles não têm retorno. E se não tem retorno, perdem rentabilidade, investidores e, por fim, perdem fatia de mercado e lucro. Então fica a pergunta: por que os bancos privados brasileiros não estão querendo emprestar dinheiro?

São várias as respostas, mas eu poderia resumir todas elas em uma frase: instinto de auto-preservação. Os principais pensadores econômicos ligados aos bancos já perceberam que o país não tem mais poupança interna suficiente para continuar com essa gastança desenfreada, e em uma tentativa até tola de confrontar a maluca política brasileira de deterioração dos recursos brasileiros, estão segurando esses recursos voluntariamente, lutando contra as ordens do Governo para fazer com que o nosso sistema não fique ainda mais desprotegido do que já está. Essa abundância de recursos cria o efeito de maus-investimentos, pois quando há dinheiro demais disponível para empréstimos, os critérios para concessão deles é relativizado pelos bancos, e isso normalmente gera alta inadimplência e péssimos retornos financeiros, além do desperdício de recursos de toda a sociedade. Os bancos estão indo contra os estímulos econômicos naturais do afluxo de recursos numa tentativa racional de tentar barrar a péssima gestão econômica do Banco Central.

Interessante notar que esse fenômeno não é exclusivamente brasileiro, ou como diz a piada, não é “jaboticaba”. Após a crise de 2007/2008, causada exatamente pela pressão do Governo dos EUA aos bancos para conceder ao cidadão americano uma linha de crédito imobiliário que o sistema não podia suportar, em conjunto com a prática de “malinvestments” gerada por uma taxa de juros reduzida artificialmente pelo Federal Reserve (BC americano), o Governo americano passou a expandir a base monetária do dólar de maneira tresloucada, através da política conhecida no Brasil como “afrouxamento monetário” (“quantitative easing” em inglês). Os bancos de lá, preocupados com a estabilidade do sistema, passaram a lutar contra o Governo, e também represaram os recursos, não emprestando esse excedente, o que impediu o completo colapso do dólar.

Mas há como barrar a vontade de um Governo que quer destruir a economia brasileira, e por conseguinte nosso sistema bancário, a qualquer custo? Afinal, o Brasil é historicamente menos garantidor de direitos individuais que os EUA, e normalmente quando particulares, por mais poderosos que sejam, batem de frente com o Governo, este último vence.

A medida que o Banco Central estuda agora é gerar “juros negativos” contra os bancos que não emprestarem os recursos liberados. “Juros negativos” é um nome bonito para expropriação de divisas, ou, melhor ainda, para CONFISCO da poupança retida via depósitos compulsórios. Esse é um precedente perigoso, visto nossa história recente já em período democrático. Achar normal um Banco Central expropriar unilateralmente recursos de depósitos bancários é o começo do fim da racionalidade de um sistema financeiro já meio irracional e ultra alavancado.

Nesse momento, estou realmente curioso para ver qual será o resultado prático da loucura administrativa em que nos encontramos, que está gerando reflexos em todos os setores da sociedade brasileira. E que, na medida do possível, a população aprenda de uma vez por todas, o erro que é votar em políticas e partidos comprometidos com o que há de pior em matéria de filosofia e economia política.



Sobre o autor

Bernardo Santoro
Diretor do Instituto Liberal
Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.
Fonte: Instituto Liberal

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