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sábado, 6 de junho de 2015

Entre Kogos e Rochamonte

kogos e catarina

É com grande satisfação que vejo o movimento liberal-libertário brasileiro conseguindo não apenas levar ao público as ideias de intelectuais consagrados como Hayek, Mises, Bastiat, Friedman, Hoppe, Rothbard e Ayn Rand mas também criar ambiente e plataformas para que novos autores, pensadores e articulistas surjam e se manifestem. E esses novos são muitos! Novos também em idade, a maioria recém saídos da faculdade, vindos de setores da sociedade que outrora não ofereciam vozes alinhadas às ideias que defendemos.

Eu poderia citar muitos desses novos, assim como alguns que pavimentaram o caminho deles, mas correria o risco de ser injusto ao esquecer um ou outro. O que nos importa, hoje, nesse raro momento de transição ideológica pelo qual passa a sociedade brasileira, é saber que existem novos cérebros oferecendo abordagens diferentes sobre um mesmo e sempre pertinente tema: Liberdade.
Aponto dois jovens pensadores como ótimos exemplos: Paulo Kogos e Catarina Rochamonte. Apesar de abordagens completamente diferentes entre si, ambos se completam − ele, sendo o grito em nossas almas inconscientemente subservientes; ela, o sussurro profundo que nos lembra de onde viemos.
Alguns veem Kogos como o pequeno Rothbard desse rebolante paraíso tropical, mas eu prefiro vê-lo como uma versão contextualizada de Nietzsche, atacando corajosamente o consenso atual de ordem e liberdade.

“Quanto mais politicamente ativo é um povo, mais vulnerável ele se torna ao avanço do estado, pois o ativismo político deixa de ser um fator de resistência contra a tirania e se torna um catalizador da própria escravidão”, escreveu em seu bombástico ártico publicado no Instituto Mises Brasil, logo após as manifestações do dia 15 de março. Quieto em meu ateliê, li e me consumi em vergonha.
Senti vergonha ao lembrar que fiz parte daquela massa de gente que realizou o desejo  de todo tirano maquiavelicamente mais desenvolvido – “deixe o povo crer que tem liberdade para reclamar de sua escravidão”, consegui ouvir do governo. Senti vergonha ao lembrar que fui um daqueles que viu beleza em cidadãos aplaudindo policiais. Senti vergonha ao lembrar que me emocionei vendo tantas pessoas pedindo mais democracia, sem sequer saber seu significado e sua razão.
Muitas vezes não basta que as verdades sejam ditas, é preciso que alguém as grite bem alto em nossos ouvidos, o que Kogos sabe fazer muito bem.

“Democracia! Estado de direito! Representação! Igualdade! – Essas são as palavras de ordem comuns a todas as manifestações. Quimeras pelas quais a turba é capaz de sacrificar a própria liberdade. Seja um black bloc quebrando propriedade privada, seja um coxinha batendo panela na sacada do apartamento, nenhum deles sabe definir pelo que está protestando. A massa se torna cada vez mais homogênea e indistinguível. Fácil de controlar. Ao gosto do establishment”, escreveu Kogos, expondo o quanto a sociedade se acorrenta até na hora em que se sente farta da escravidão por ela mesma sofrida.
Kogos está certo.

Kogos aponta o horizonte que deveríamos perseguir: um mundo livre, ou seja, um mundo sem Estado. Mesmo que saibamos que nós, enquanto sociedade, não alcançaremos a liberdade “amanhã de manhã” por meio de meia dúzia de assinaturas, nem através de revoluções carnavalescas ou sangrentas, é na direção dessa liberdade apontada por Kogos que precisamos caminhar. Seus textos espantam os covardes, mas também estimulam a  vontade da potência de muitos indivíduos, para que cada um descubra em si mesmo a coragem necessária para se libertar da cultura e da política.
Hoje, não cabe mais a desculpa de que não temos alternativas, de que não temos referências, de que não temos pessoas nos mostrando as verdades. Kogos, catalizando o que tantos outros autores já enxergaram e escreveram, esclarece que não há liberdade enquanto houver um Estado que tenta nos dizer como devemos cuidar de nossos filhos, que nos diz que a vida é um direito de todos, mas que ninguém tem o direito de defender por si mesmo sua própria vida.

Entre os “gritos n’alma” de Kogos, precisamos ouvir os sussurros de Rochamonte.
Seguindo a linguagem própria de sua formação em filosofia, Catarina Rochamonte, que também escreve para o Instituto Liberal, correlaciona nossos dramas atuais com as reflexões já feitas por outros autores, especialmente os da Grécia clássica, levando-nos a reflexões mais profundas sobre o percurso da liberdade ao longo da história, expondo a escravidão física e intelectual sustentada pelas distorções do conceito de democracia – “A democracia não reparte as demandas de uma população como se houvesse entre pessoas uma distinção de cor, de credo ou de classe social; a democracia não consiste em delegar poderes, mas em limitá-los”, define.

Duas abordagens chamam a atenção em seus textos: as correlações críticas entre autores e correntes – Locke Vs Rousseau, por exemplo – e algumas inserções em primeira pessoa, como a que enriquece o artigo de título Gramsci Para Crianças, no qual relata um trágico-cômico conselho dado por seu professor de história, ainda no 2° grau: “…que eu deveria usar minha capoeira para lutar nas FARC”, em suas palavras. Honesta, Rochamonte confessa a inocência que quase todos nós hospedamos um dia ao vislumbrar poesia e coerência nas invocações socialistas, mas cá está ela, assim como nós, liberais e libertários, prontos para minimizar a ingenuidade humana diante dos senhores contemporâneos.

A profundidade de suas reflexões nos puxa para dentro de nós mesmos num exercício kantiano de autoexame para o entendimento de nossa própria consciência e existência diante do espelho, diante dos outros, mas também e principalmente em relação às intenções governamentais.
Enquanto Kogos corrói nossa ignorância com sua acidez, rejeitando negociações, Rochamonte nos envolve sutilmente, nos fazendo reler frases e parágrafos inteiros como tentativa de fazê-las penetrar mais profundamente em nossas almas… “Não há como separar um indivíduo subordinado ao apadrinhamento estatal de um indivíduo subordinado a outro poder qualquer, pois, a verdadeira autonomia só se conquista no esforço da própria conquista e a liberdade só pode ser obtida na tentativa de adquiri-la e tornar-se digno dela”, escreve a filósofa cearense.

O Brasil está em ebulição. Uma ebulição intelectual. Pela primeira vez, a palavra Liberdade está ecoando com honestidade. A despeito dos faniquitos de lá e de cá, o fato é que não estamos parados; e na ponta oposta da corda agora há um punhado de gente puxando-a, mas não apenas para a direita simplória e muitas vezes totalitária, mas, com especial esforço, para cima e com cada vez mais vontade e propriedade.

Sobre o autor

João Cesar de Melo
Arquiteto, artista plástico e escritor. Escreveu o livro “Natureza Capital”.

Fonte: Instituto Liberal

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