Qual o problema com as continências dos atletas no Pan?
Em meio a toda a confusão que permeia o nosso ambiente político e institucional, aos péssimos resultados na economia e ao clima revoltante de insegurança que reina em nossas grandes cidades, o desempenho de alguns de nossos atletas nos Jogos Panamericanos de Toronto, no Canadá, tem sido um dos poucos motivos de refrigério nos noticiários brasileiros. O nadador Thiago Pereira se tornou o maior medalhista da história da competição até o momento, marca que já o consagra na história, e estamos figurando muito bem no quadro de medalhas. Quando assistimos aos jogos, podemos esquecer um pouco a tensão política e social – e ninguém são vive de remoer um mesmo assunto, por mais importante que seja, 24 horas por dia – e desfrutar de empolgantes exibições. Estava tudo bem, até que resolveram colocar, de um jeito torpe, a discussão política para dentro dos jogos.
Quem tem assistido às provas das diferentes modalidades já reparou que uma grande parte dos atletas brasileiros que sobem ao pódio – naquele momento ímpar que é ver a bandeira nacional se elevar e, em caso de medalha de ouro, o hino nacional ressoar em terra estrangeira pela vitória conquistada – presta uma continência ao pavilhão. O comportamento, que, não por acaso, chama a atenção, é explicável: são militares. Os atletas que permanecem nessa posição no pódio fazem parte do Programa de Atletas de Alto Rendimento do Ministério da Defesa e do Esporte, um projeto em curso junto às Forças Armadas desde 2008. Entrevistados, os campeões explicaram que a continência e a posição de sentido são recomendações tradicionais do Exército Brasileiro, que eles obedecem em sinal de respeito pela bandeira e o país. Por alguma razão, eles parecem ter incomodado…
O blog Esporte Final, parceiro da Carta Capital – por que não estou surpreso? – canalizou em um artigo as críticas levantadas por certos setores da esquerda, alegando que a entrada dos militares no esporte é legal e não é exclusividade do Brasil, embora seja “eticamente discutível” – afirmação que eu considero, ressalve-se, bastante “discutível”! Segundo o complexado texto de Rodrigo Borges, a continência é uma “manifestação ideológica”, o que de fato é proibido pelo Comitê Olímpico Internacional, e que faz “parecer que o Brasil é um Estado militar – e isso em um país que ainda tem chagas abertas de uma ditadura militar que acabou há 30 anos”(!!!). Defendeu que, “em respeito a um passado trágico”, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) deveria recomendar que a continência fosse abolida. O incômodo com um regime que terminou, como bem diz o próprio autor, há 30 anos, não cessa de perturbar as consciências dos esquerdistas, a ponto de implicarem com as menores coisas e confundirem regime militar com patriotismo e com Forças Armadas – injustificadamente agredidas e menosprezadas, como se verifica nesse episódio. Compararam manifestações religiosas, ou o vídeo de Joana Maranhão combatendo a redução da maioridade penal, com o gesto dos militares, como se fossem rigorosamente a mesma coisa.
Felizmente, o COB respondeu, sustentando que os atletas apenas estão obedecendo a legislação militar, posto que são militares a todo o momento e não apenas ao usarem farda, e que as continências são apenas uma forma de “demonstração de patriotismo, sem qualquer conotação política, perfeitamente compatível com a emoção do atleta ao subir no pódio e se saber vencedor”. Está de parabéns o COB pela postura correta e precisa.
É sabido que a questão do patriotismo é um debate entre libertários, liberais e conservadores, em que uns acham tudo que o envolve uma “exaltação estatólatra”, ou simplesmente uma perda de tempo, e outros o valorizam. Ao analisar o livro mais recente de Bruno Garschagen, que abordou a história brasileira, externei com clareza minha posição, que é a de valorizar o patriotismo saudável, o apreço saudável a uma identificação simbólica pela nação, como um amor regrado por aquilo que se quer melhorar. Na minha visão, isso é um combustível digno naqueles que desejam combater os males a serem desafiados. O que realmente ameaça o equilíbrio e o bom senso necessários à manutenção do respeito pelas instituições e pelas liberdades individuais não é o patriotismo, mas sim, como diria o escritor católico Gustavo Corção, o nacionalismo. É este último que coloca a pátria acima de quaisquer outros valores que possam ser considerados relevantes pelas pessoas, desde os valores morais transcendentes, os valores religiosos, os valores do grupo ou da família, até os valores e direitos individuais. A esse fascínio cego é que nós, pessoalmente, nos opomos, assim como patriotas verdadeiros – como era, na minha opinião, por exemplo, o tribuno de oposição Carlos Lacerda, e como eram alguns dos revoltosos paulistas de 1932 – se opõem a nacionalistas autoritários, como foi Getúlio Vargas.
Por essa razão, não temos reserva alguma em relação ao gesto dos atletas militares, que mais não fizeram que cumprir a lei e demonstrar sua deferência aos símbolos nacionais. Se isso é tão horroroso e fere tanto a dignidade das nossas esquerdas, que respeito podemos esperar, por parte delas, pelas instituições e pelo povo dessa mesma pátria? Francamente, creio que temos muitos problemas com que nos preocuparmos para estarmos querendo interferir no que está dando certo. Ficam registrados, portanto, a nossa homenagem e o nosso respeito a esses jovens esportistas brasileiros, que nos enchem de orgulho, a despeito do que os invejosos e rancorosos possam inventar para lançar os grilhões da politização fanática sobre as esferas da vida mais refratárias e distantes de suas amarras.
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