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sexta-feira, 24 de julho de 2015

República Pelega

O Brasil é um país estranho, cheio de contradições, onde direitos e deveres frequentemente se confundem – vejam, por exemplo, a instituição do voto obrigatório, recentemente ratificada pelo Congresso Nacional no último arremedo de reforma política ali negociada.
Nossos legisladores gostam de editar leis dizendo que somos livres, que temos liberdade de escolha, mas logo em seguida nos brindam com alguma obrigação totalmente cerceadora dessa liberdade.  Peguemos o exemplo da organização sindical no país.  O artigo 8º da Constituição, em seu inciso V, estabelece que“ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”. Tal dispositivo, evidentemente, conta com apoio total e irrestrita aprovação dos liberais.
Entretanto, a Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, estabelece, em seu artigo 579, que será devida, anualmente uma contribuição sindical por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão.  Resumindo: ainda que você opte, de acordo com dispositivo constitucional, a não filiar-se a um sindicato, você estará obrigado a pagar um dia do seu salário ao sistema.  Ou seja, existem associações às quais você só se associa se quiser, porém, em qualquer hipótese, você é obrigado a contribuir para a sua manutenção – e para a boa vida dos seus mandatários.
E não pensem que o descalabro para por aí.  Além do imposto sindical anual, muitos trabalhadores têm sido recorrentemente obrigados a dar parte de seus salários, mensalmente, aos sindicalistas de suas respectivas categorias.  Tais “contribuições”, descontadas diretamente em folha, em alguns casos superam em muito o próprio imposto sindical.  Vejam esta matéria, publicada hoje, no jornal O Globo, sobre a cobrança da “contribuição assistencial” pelo Sindicato da Construção Civil do RJ:
Além do chamado Imposto Sindical, que equivale a um dia de salário no ano, um profissional da construção civil do Rio deixa o equivalente a outros dez dias de trabalho para seu sindicato. Isso graças à Contribuição Assistencial. Na prática, o operário que ganha R$ 2 mil por mês, pagará R$ 714 por ano à entidade que o representa, ou algo próximo a um salário mínimo. A defesa da cobrança compulsória dessa taxa é o ponto principal de uma luta internacional das centrais sindicais brasileiras na Organização Internacional do Trabalho (OIT). 
O desconto de 11 dias de trabalho é a realidade de 183 mil trabalhadores dos setores da construção civil, montagem industrial, mármores e granitos, produtos de cimento, reformas e manutenção do município do Rio. O Sintraconst-Rio aprovou cobrar o equivalente a 2,7% do salário mensal de toda a categoria como contribuição assistencial.
O país tem três formas de financiamento a sindicatos: mensalidade dos associados, o Imposto Sindical (…) e as Contribuições Assistenciais. Ninguém no país tem ideia do tamanho dos recursos gerados por esta última. Não há nenhuma fiscalização, a não ser interna. Mas especialistas alertam que deve superar o Imposto Sindical, que ano passado ficou em R$ 3,18 bilhões.
Em tese, essa “contribuição” não é obrigatória, mas, na prática, dadas as dificuldades impostas pelos sindicatos para que os trabalhadores livrem-se dela, acaba sendo, tanto que a própria OIT, como indicado acima, vem questionando a estrovenga.
Tais cobranças, normalmente, são instituídas na Convenção Coletiva dos trabalhadores, da qual participa uma quantidade ínfima dos trabalhadores alcançados por elas.  Para “facilitar a cobrança”, a famigerada taxa é descontada dos salários pelas empresas, que a repassa aos respectivos sindicatos.
Pela norma, se o pobre trabalhador não manifestar vontade expressa em contrário, ele estará, tácita e automaticamente, de acordo com o desconto.  No passado, bastava que o empregado comunicasse à empresa sua decisão de não contribuir para ficar isento.  Muitas empresas mantinham inclusive formulários próprios para esta eventualidade, bastando preenchê-los e assiná-los, na hora da contratação, caso os interessados assim desejassem.
A partir de determinado momento, entretanto, os sindicatos, espertamente, passaram a exigir a presença pessoal do trabalhador na sede da entidade, onde ele deve fazer uma declaração de próprio punho manifestando o desejo de não ser tungado pelos pelegos.  O leitor já pode imaginar as inúmeras dificuldades impostas pelas secretarias dos sindicatos para a formalização desse procedimento, sem contar que, além do tempo perdido, para muitos trabalhadores analfabetos, ou semianalfabetos, tal exigência pode transformar-se num grande constrangimento.

SOBRE O AUTOR

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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