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terça-feira, 1 de setembro de 2015



/ OPINIÃO


           
        Roberto Fendt 

O fim do populismo latino-americano?

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O populismo, bolivariano ou não, está sofrendo rude golpe e poderemos vir a ter um efeito colateral positivo dessa crise
Após examinar com lupa as economias da China e do Brasil, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) concluiu que as duas economias estão passando por uma fase do ciclo econômico em que, nas palavras da Organização, “o crescimento perde força”.

Não se trata do fato óbvio, que sentimos na pele e no bolso, aqui, de um fenômeno passageiro; trata-se de algo estrutural, destinado a tomar tempo até que a atual fase do ciclo econômico seja revertida.
Já havia tratado do assunto, com base apenas em análises econômicas internas aqui mesmo, nesse espaço.
Naquela ocasião havia comentado análise do grupo que data a entrada e saída da atividade econômica brasileira das diversas fases do ciclo econômico. O último dos estudos desse grupo concluiu que estamos em um período de oito trimestres de recessão econômica.
O mesmo parece estar agora acontecendo na China, segunda economia do mundo e principal parceira econômica do Brasil. A se confirmarem os resultados do estudo da OCDE, a China estaria ainda mais abaixo de sua tendência de crescimento de longo prazo que o Brasil.
Não é refresco para o orgulho nacional que outra grande economia esteja passando por problemas ainda maiores que nós. Porque a expansão de nossas exportações – e muitos empregos na nossa economia – dependem da manutenção de um ambiente econômico saudável e vigoroso de nosso principal parceiro.
Os efeitos dessa desaceleração, observe-se, não vêm de hoje. Os preços de nossas commodities de exportação, como minério de ferro e soja, vêm caindo sistematicamente no mercado internacional em decorrência da desaceleração do crescimento chinês.
Para efeito da constatação desses efeitos, basta apontar que o valor médio das commodities no mercado internacional é o menor dos últimos dez anos e que o real está com o menor valor dos últimos 13 anos. A esses dados se junta a cada vez mais próxima data do início da elevação da taxa básica de juros norte-americana.
Esse conjunto de circunstâncias – prolongada recessão à frente, inflação ainda acima do centro da média pelo menos até 2016, crescente déficit das contas fiscais – coloca enormes desafios para a população brasileira. Tudo isso já antecipávamos.
O que talvez não tivéssemos antecipado são os mesmos efeitos do cenário internacional sobre nossos vizinhos sul-americanos. Deterioram-se os regimes populistas que haviam florescido na região nos últimos tempos.
A Venezuela sofre os efeitos da forte guinada no mercado internacional do petróleo. Nos últimos 12 meses encerrados em junho, a queda nos preços superou 60%; nos últimos dias temos assistido a uma nova rodada de deterioração dos preços, que agora se situam em um patamar inferior a US$ 50 por barril. Na Venezuela, o petróleo é responsável por cerca de 95% das receitas de exportação e mais de 40% do orçamento do governo.
Não é de surpreender que tenham se agravado os graves problemas de abastecimento no país. Não há estoque de produtos de toda natureza, incluindo comida. O governo Maduro caminha para seu desfecho, longe dos tempos em que os altos preços do petróleo permitiam ao regime bolivariano um protagonismo hoje a caminho de extinção.
A extinção não se resume a um particular regime ou sistema de governo inaugurado pelo populismo de Hugo Chávez e seu sonho de expansão em todo o continente.
A queda nas reservas de moeda estrangeira selará o destino de todos os sistemas econômicos que pretendiam ficar à margem da economia mundial e sustentavam a miríade de um desenvolvimento sustentado à margem dessa economia.
Fenômeno semelhante ocorre no também bolivariano Equador. Os protestos motivados pela situação econômica do país, também dependente do valor das exportações de petróleo, agora reúne segmentos da população que antes haviam apoiado Rafael Correa, como sindicatos e organizações indígenas. Na base dos protestos estão os cortes de despesas do governo, especialmente com subsídios e aposentadorias.
A reviravolta da economia chinesa e seus efeitos sobre os preços das commodities não se restringem à Venezuela e ao Equador. Os preços do gás boliviano mantêm relação com os preços do petróleo. A reação do governo de Evo Morales, de ajustes na política econômica e repúdio de promessas de campanha, isola seu governo das correntes de esquerda que o elegeram.
O que dizer da Argentina? A deterioração da economia é tão perceptível a olho nu que se reflete nas apreciações das assessorias dos principais candidatos às eleições presidenciais de outubro próximo. Quem vencer as eleições receberá uma “herança maldita” de Cristina Kirchner: um país sem reservas internacionais com a inflação superior a 25%. Os acontecimentos aqui já são sobejamente conhecidos para merecerem qualquer comentário adicional.
O que importa de tudo isso é a conclusão de que o populismo, bolivariano ou não, está sofrendo rude golpe e poderemos vir a ter um efeito colateral positivo dessa crise: o retorno à normalidade e à razão, de que há muito havíamos nos afastado.
Nota LIBERTATUM. Roberto Fendt um dos diretores do Instituto Liberal durante anos

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