O governo, o ajuste fiscal e o socialismo.
Por V. Camorim
A palavra ajuste fiscal está na boca do povo, como se diz
popularmente. Tudo porque os que estão no governo, na ânsia de se manter no
comando gastaram o que podia e o que não podiam. Agora a conta alguém tem que
pagar. Se fosse uma empresa ela estaria declarando falência, o dono amargando o
prejuízo, seus diretores iriam responder de alguma forma por seus atos e seus
funcionários, inapelavelmente, iriam para o olho da rua sem esperança de receber
qualquer coisa. Iam ter que dar seu jeito.
Mas se tratando de governo, ele manda a conta adiante, mais
precisamente para seus eleitores e até aos não eleitores. Ou seja,
indistintamente todos pagam a conta. A diferença é que alguns pagam mais que outros
e nunca ocorre de uma vez ou atinge a todos simultaneamente, sendo um lento
processo e indolor. Aquele a quem cabe o maior peso da carga não a sente de
imediato e às vezes nem percebem que ficaram numa pior devido a sua causa
terminando por atribuir este efeito uma maldição dos céus.
Mas enquanto uns
perdem neste jogo, outros ganham. É que todo governo é constituído de grupos de
interesses particulares que lutam neste momento para manter seus privilégios e
ate aumentá-los. A tensão tende a subir e ninguém quer se ver fora desta lista.
Também nesta lista alguns perdem e outros ganham. Talvez seja por isso que com
certa parcimônia e até algum partidarismo, a imprensa, em geral, ou quem dela
goza os privilégios, sintam-se na obrigação de defender seu patrão, o governo,
escamoteando alguns dados, ou escondendo o que podem o significado dos fatos.
O ministro da economia que tem a tarefa de fazer dinheiro
para fechar o rombo está no centro deste furacão e não tem dito nada que possa
honrar o título de conhecedor de economia. Suas falas não refletem nada que
cheire a moderna ciência econômica, nada que se refira à economia sendo apenas
um disfarce com que trata o aspecto político da questão. Dizer que imposto é
investimento é o máximo do analfabetismo econômico. E ele disse isso. Também ignora
a história da economia.
Desde o período clássico em que nomes como Adam Smith,
Ricardo e tantos outros dão fama a esta fase, se sabe, ou pelo menos se deveria
ter sempre em mente, que a riqueza de uma nação, ou dos indivíduos que vivem
nesta nação, está na razão do montante do capital per capta, ou seja, no
montante do capital em relação ao numero de trabalhadores empregados.
Diga-se de passagem, que aquilo que se poupa, que se deixa
de consumir, tem a possibilidade de se tornar capital, e seu montante, a sua
acumulação se torna extremamente benéfico a todos indistintamente. Quanto maior
este montante maior será o progresso. Quanto maior este montante, maior a
chance do emprego de novas técnicas e tecnologias e conseqüentemente, maior a
taxas de produtividade do trabalho humano.
Isto vai se refletir na maior massa salarial. E não fica só nisso.
Como
aumenta a produtividade e aumenta o volume de bens produzido, o preço unitário
destes bens é reduzido resultando na chance de uma massa maior de consumidores satisfazerem
suas necessidades e alcançar um maior grau de felicidade. A nação como um todo
agradece e o padrão de riqueza e satisfação de seu povo servem até de exemplo e
estimulo a ser seguido. Costuma-se dizer neste caso que a nação ficou mais rica,
porque seguiu uma política saudável.
Mas os homens no comando do governo não pensam deste modo. Firmes
em suas intenções de aumentar os impostos não dão a mínima aos ensinamentos da
ciência econômica e de sua historia. O que vão fazer na verdade é impedir que
os cidadãos deste país tenham um aumento de suas satisfações e gozem a conseqüência
do progresso que será diminuído se não eliminado. Com sua atitude paternal
imaginam tudo, menos que estão diminuindo o consumo da população para que o
governo mantenha ou mesmo aumente o consumo daquele a quem protege. Aumentando
e cobrando mais imposto desviam recursos de sua função produtiva e os lançam na
orgia irresponsável do consumo improdutivo impedindo todas as conseqüências
acima descritas e provadas desde aquele período clássico da economia, matéria
que o ministro da economia parece não dominar.
Dever-se-ia ter em mente que os impostos não são em hipótese
alguma nenhuma fonte inesgotável de riqueza.
Significa além do que já disse aqui, que o individuo, na qualidade de
consumidor, deve diminuir seu consumo para favorecer o argumento do governo por
mais recuso para gastar, e o homem de negócio, além de ter perdido venda, e
auferir talvez um lucro menor, ainda vai ter que se haver com o governo que
exige a sua parte...
Achar que o imposto se pode lançar à mão assim, sem conseqüência,
é só lembrar a independência americana ou mesmo a derrama, que resultou na
inconfidência mineira. Em outros casos em que o povo que não teve forças para
se levantar só lhes restou amargar a miséria sem dar um pio.
Já o outro ministro, o tal do planejamento, ministério apelidado
no tempo da ditadura de Planejar Aumento, tem como tarefa efetuar o corte das
enormes tetas que o governo desenvolveu ao longo de décadas e em particular
nestes últimos anos do partido das boquinhas, (PT) como classificou certo político.
É uma tarefa mais que hercúlea, pois lutar contra privilégios estabelecidos é
pior que resolver todos os desafios daquele personagem da mitologia grega. Talvez
por isso seja o ar de desentendido do Ministro que pretende fazer alguns cortes
que não passa de trocar seis por meia dúzia... Cada corte corresponde se
tornar-se efetivo, em incontáveis grupos de interesses específicos que se
alçará em revolta. A dificuldade é enorme, pois ninguém quer perder privilégio.
O socialismo dá sua própria volta.
A função do governo só se
sustenta no plano da manutenção da lei da ordem, na defesa da propriedade
privada, na administração da justiça, na defesa dos seus cidadãos contra ataque
de bandidos de toda ordem, tantos os que vêm de fora quanto os que vêm de
dentro. Esta recomendação também foi expressa por aqueles economistas do
período clássico. Diziam ser um contra-senso o governo ir além deste limite e
interferir nos negócios. Esta recomendação que ganhou aceitação geral se tornou
predominante na opinião publica e ficou celebremente emoldurada na frase
laissez faire, laissez passe. Ela sintetiza até hoje o desejo e a vontade de
ver o governo, que até então interferia em tudo, longe dos negócios dos outros.
Este enunciado nunca foi contestado. Continua apenas ignorado.
Mas este lema, devidamente levado em conta, foi o
responsável pelo progresso que a humanidade jamais tivera. Só para se ter uma idéia
do que o distanciamento do governo dos negócios ocasionou podemos lembrar o
fato de que por milênios até o século 19, o período em que mais predominou este
ambiente sem intervencionismo, - era liberal - o mundo continuava sem qualquer
alteração fundamental que pudesse distinguir pelo nome de adiantado ou
atrasado. Progresso não era uma palavra que pudesse ser aplicado a nenhuma
nação ate então que os fizesse diferentes. Todas tinham o mesmo semblante e por
séculos assim se mantinham.
Dependíamos da tração animal tanto para se deslocar de um
ponto a outro do planeta como para produzir. E não éramos nem mais nem menos
velozes que nossos ancestrais; os navios se moviam a vela da mesma maneira que há
milênios faziam os vikings e os antigos fenícios. Napoleão dirigia suas
batalhas montado no cavalo como fizera os conquistadores da antiguidade mais
remota. Mais tão logo as falácias que abundam a econômica foram derrubadas por
esta nascente ciência e que por força e conseqüência desta os governos foram compelidos
a se afastarem dos negócios alheios, os homens puderam experimentar um ambiente
econômico onde a criatividade e o trabalho produtivo foram plenamente
recompensado. O mundo mergulhou em um oceano de riqueza e prosperidade jamais
visto em tão pouco tempo. A força animal foi ultrapassada pela máquina, a luz
da vela pela eletricidade e a energia do átomo, e até o deslocamento pelo ar se
tornou possível com os aviões rasgando os céus. O céu deixou de ser o limite.
Maravilhas nunca antes pensadas pelos monarcas do passado se
tornaram coisas do dia a dia do homem comum, como ter em casa fogão a gás,
geladeira, ar condicionado, carro, Shopping Center e supermercado. Com tanta
oportunidade que surgiu desde então até o próprio trabalhador se aburguesou.
Certamente o ministro do Planejamento, como o da economia, já devem ter ouvido falar destas proezas que o
homem criou quando não sentiu o governo tolhendo os seus passos. O problema é que
se sentem em outro mundo. Na contramão da realidade eles continuam pensando
como se o mundo nunca tivesse mudado, que estivéssemos ainda nos velhos tempos
em que os países eram propriedade dos monarcas, dos reis absolutos e de suas
famílias e o povo, meros objetos negociáveis, mero detalhe na paisagem. Quando
falam de economia eles só se referem à economia do rei, que se baseava na
pilhagem do dinheiro alheio, e não na economia dos cidadãos, estes sim os que
criam e inovam. Eles pensam ainda da velha maneira, da maneira do velho e
desgastado mercantilismo. Alguns preferem chamar isso de socialismo. Mas dá no
mesmo.
V. Camorim.
Camorim é articulista de LIBERTATUM
Ilustração internet
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