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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

                 Ludwig von Mises

Como parte de um plano de divulgação da obra de Mises, escolhi algumas temáticas do livro "A Mentalidade Anticapitalista",  para ir publicando em LIBERTATUM.
Ivan Lima 


O Ressentimento dos “Primos”

No mercado não obstruído pela interferência de forças externas, o
processo que tende a transferir o controle dos fatores de produção para
as mãos das pessoas mais eficientes nunca termina. Assim que um homem
ou uma firma começa a moderar seus esforços no sentido de satisfazer,
da melhor maneira possível, as necessidades mais urgentes dos
consumidores ainda não devidamente satisfeitas, começa a se dissipar
a riqueza acumulada por sucessos anteriores desses mesmos esforços.

Quase sempre essa dispersão da fortuna já tem início no decurso da
vida do homem de negócios quando seu ânimo, energia e desenvoltura
enfraquecem sob o impacto da idade, cansaço e doença, e quando termina
sua habilidade para ajustar a condução dos negócios à estrutura
de mercado em contínua mutação. Frequentemente é a preguiça dos
herdeiros que dissipa a herança. Quando os descendentes lerdos e passivos
não afundam na insignificância e, apesar de sua incompetência,
permanecem ricos, devem a prosperidade às instituições e medidas políticas
que foram ditadas por tendências anticapitalistas. Retiram-se
do mercado, onde não existem meios de preservar as fortunas ganhas, a
não ser reconquistando-as a cada dia, na árdua competição com todos,
com as firmas já existentes bem como com outras novas que “operam
quase sem capital”. Se compram obrigações do tesouro, ficam nas mãos
do governo que promete salvaguardá-los dos riscos do mercado no qual
os prejuízos são o castigo da incompetência.3

Há, porém, famílias em
que as excepcionais capacidades necessárias ao sucesso empresarial se
propagam por várias gerações. Um ou dois filhos, ou netos, ou até bisnetos
têm capacidade igual ou maior do que seus antepassados. A riqueza
dos avós não é dissipada e cresce cada vez mais.

Tais casos não são frequentes. Chamam a atenção não só por serem
raros mas também devido ao fato de os homens que sabem aumentar
os negócios que herdaram gozarem de duplo prestígio: a estima dedicada
aos seus pais e a voltada para eles mesmos. Alguns “patriarcas”,
como são chamados pelas pessoas que ignoram a diferença entre a
sociedade de status e a sociedade capitalista, na maioria das vezes conjugam
na sua pessoa não só educação, bom gosto e boas-maneiras, mas
também aptidão e tenacidade próprias ao homem de negócios mais
trabalhador. E alguns deles pertencem ao grupo de empresários mais
ricos do país ou do mundo.

Convém analisar as condições destes poucos homens riquíssimos
das famílias chamadas patriarcais, a fim de explicar um fenômeno
que desempenha papel importante na moderna propaganda
e trama anticapitalista.

Mesmo nas famílias afortunadas, as qualidades necessárias à condução
bem-sucedida dos negócios não se transmitem a todos os filhos
e netos. Via de regra, apenas um, ou no máximo dois, em cada geração
tem os dotes para tal. Assim, torna-se indispensável para a manutenção
da riqueza e dos negócios da família que a condução dos negócios
seja confiada a esse, ou a esses, e que os demais membros fiquem reduzidos
à posição de meros recebedores de uma quota dos benefícios.

Os métodos adotados para esses acertos variam de país para país, de
acordo com as disposições das leis locais e nacionais. O efeito, porém,
é idêntico. Dividem a família em duas categorias — os que dirigem
os negócios e os que não fazem isso.

A segunda categoria consiste habitualmente em pessoas muito
próximas aos indivíduos da primeira categoria que propomos chamar
de patrões. São elas irmãos, primos, sobrinhos dos patrões, ou qua-

3 Até há pouco tempo, havia na Europa um outro meio de fazer fortuna com segurança contra a inexperiência
e extravagância do seu possuidor. A riqueza adquirida no mercado poderia ser investida em enormes
extensões de terra cujas taxas e disposições legais protegiam da competição de estranhos. Ordens de
transmissão por herança na Inglaterra e acordos semelhantes de sucessão existentes no resto da Europa impediam os proprietários de dispor das propriedades em prejuízo dos herdeiros.

As Características Sociais do Capitalismo e as Causas Psicológicas de seu Descrédito 29
se sempre irmãs, cunhadas viúvas, primas, sobrinhas etc. Propomos
chamar os membros dessa segunda categoria de “primos”.
Os “primos” recebem seus rendimentos da firma ou empresa. Mas
são estranhos à vida de negócios e nada sabem sobre os problemas que o
empresário deve enfrentar. Foram educados em modernas escolas e faculdades,
cujo ambiente é marcado por um desprezo arrogante referente
ao mecânico enriquecimento. Alguns deles passam o tempo em clubes,
boates, apostam e jogam, divertem-se e farreiam, chegando à devassidão.

Outros, amadoristicamente, ocupam-se com pintura, literatura ou outras
artes. Por isso, a maioria é de pessoas desocupadas e inúteis.

É verdade que existiram e existem exceções, e que os feitos de parte
do grupos de “primos” ultrapassam em valor os escândalos provocados
pelo comportamento devasso dos playboys e esbanjadores. Muitos
dentre famosos autores, acadêmicos e homens de estado foram “homens
sem ocupação”. Liberados da necessidade de ganhar o sustento
através de uma ocupação remunerada e independentes dos favores dos
fanáticos, tornaram-se pioneiros de novas ideias. Outros, carentes de
inspiração própria, tornaram-se mecenas de artistas que, sem a ajuda
financeira e o apoio recebido, não teriam conseguido realizar o seu trabalho
criativo. O papel que os homens ricos desempenharam na evolução
intelectual e política na Inglaterra tem sido salientado por muitos
historiadores. O meio no qual os autores e artistas da França no século
XIX viveram e encontraram apoio foi Le monde, a “sociedade”.

Entretanto, não se trata aqui dos pecados dos playboys nem das virtudes
de outros grupos de pessoas ricas. O ponto que nos interessa é a
participação que um grupo especial de “primos” teve na disseminação
de doutrinas visando à destruição da economia de mercado.

Muitos “primos” se consideram prejudicados pelos acertos que
regulam sua relação financeira com os patrões e com a empresa da
família. Mesmo que esses acertos tenham sido feitos por decisão
do pai ou do avô, ou através de um acordo firmado por eles mesmos,
acham que estão recebendo muito pouco e que os patrões
recebem demais. Pouco familiarizados com a natureza da empresa
e do mercado, estão convencidos — como Marx — de que o capital
automaticamente “gera lucros”, não veem motivo para que
os membros da família encarregados da condução dos negócios
ganhem mais do que eles. Totalmente incapazes de apreciar corretamente
a significação dos balancetes e dos extratos de lucros e
perdas, veem em cada atitude dos patrões uma sinistra tentativa
de enganá-los e despojá-los do patrimônio herdado. Brigam constantemente
com eles.

Não é de admirar que os patrões percam a calma. Sentem-se orgulhosos
do seu sucesso em superar todos os obstáculos que os governos
e sindicatos colocam no caminho das grandes empresas. Estão
plenamente cientes de que, se não fosse sua eficiência e zelo, a firma
há muito já teria acabado ou a família seria forçada a vendê-la. Acreditam
que os “primos” deveriam reconhecer-lhes os méritos e acham
suas queixas simplesmente vergonhosas e sem cabimento.

A briga familiar entre patrões e “primos” diz respeito apenas
aos membros do clã. Mas assume maior importância quando os
“primos”, para irritar os patrões, juntam-se aos anticapitalistas
e financiam todo tipo de aventuras “progressistas”. Os “primos”
dispõem-se a apoiar greves até mesmo nas fábricas de onde provêm
seus próprios rendimentos.4 É sabido que a maior parte das revistas
“progressistas” e dos jornais “progressistas” depende totalmente
dos subsídios que eles fornecem. Esses “primos” sustentam universidades
progressistas, colégios e institutos destinados à “pesquisa
social” e patrocinam todo tipo de atividades do partido comunista.

Na condição de “parlatórios socialistas” e de “tribunas bolchevistas”,
desempenham papel importante no “exército proletário” em
luta contra o “funesto sistema do capitalismo”.

Paginas 27 a 30 de A Mentalidade Anticapitalista - de Ludwig von Mises

2ª edição conjunta Instituto Liberal e Instituto Ludwig von Mises Brasil

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