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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Santo do pau oco

O famigerado bate-boca etílico no Leblon já serviu de enredo para inúmeras crônicas e comentários, dos dois lados do espectro ideológico, mas faltava a cereja do bolo, aquele que transformaria Chico Buarque em santo.  Custou, mas a canonização apareceu na pena do indefectível Gregório (peço que o estimado leitor me desculpe, eu sei que já escrevi sobre o indigitado humorista na semana passada, mas não consigo resistir diante de tanta profundidade intelectual).  Qual o milagre de São Chico?  Ora, são muitos: suas inúmeras letras e melodias são como curar doentes, fazer reviver os mortos, transformar água em vinho ou multiplicar os peixes.
Mas a principal qualidade do Chico para virar santo é ser de esquerda, afinal o grande Pelé, mesmo sendo consensualmente, pelo menos no Brasil, o maior jogador de futebol de todos os tempos, nunca mereceu o mesmo tratamento.  Ao contrário.  Não sendo ele esquerdista, ficou famosa a frase segundo a qual o “Pelé, calado, é um poeta” (cito de memória, mas parece que o autor é Romário).  Frank Sinatra talvez tenha sido o maior cantor de todos os tempos, venerado por fãs no mundo inteiro.  Suas opiniões políticas, no entanto, nunca foram toleradas.  É que Sinatra não era politicamente correto e, muito menos, rezava pela cartilha da esquerda, que o considerava um troglodita político, por ser identificado com o Partido Republicano.  Já Einstein era um intelectual acima de qualquer suspeita.  Mesmo tendo passado praticamente toda a sua vida imerso nos livros e em complexos cálculos matemáticos, seu artigo “why socialism”, de 1949, é venerado até hoje pelos “socialistas de iPhone”.  E ai daqueles pretensiosos que tiverem a petulância de discutir com o maior gênio que a humanidade já conheceu…
Assim, na cabecinha de seus fãs petistas, a obra do “grande” Chico deveria torná-lo imune às críticas, não apenas musicais, mas também políticas.  Para eles, Chico está acima do bem e do mal. Faça o que fizer, fale o que quiser, escreva o que lhe der na telha, o compositor deveria ser obrigatoriamente reverenciado como um autêntico oráculo pelos reles mortais.  O fato de defender e fazer campanha para um partido que institucionalizou a roubalheira não seria motivo suficiente para chamá-lo às falas, ainda que com certo comedimento, como ocorreu no Leblon.
Na verdade, como muito bem escreveu Sérgio Malberguer no último dia 24, “a turma do Chico não quer saber de fatos. A turma gosta da gostosa sensação de que apoiar partidos e ideais fossilizados da esquerda os redime dos seus pecados, os eleva. Dane-se a realidade, que para eles é confortável.” Não por acaso, já estão marcadas manifestações de desagravo ao santo para breve, em diversas cidades.
Não sou daqueles que apoiam o tipo de interpelação pública realizado no Leblon, ainda que entenda os motivos de quem o faz. Até porque isso acaba se transformando em arma na mão dos petistas, consagrados mestres na prática da vitimização.  Mas Chico Buarque é uma figura pública e, justamente por isso, suas opiniões e atitudes têm um peso muito maior que as dos demais.  Assim como não pode reclamar do assédio dos fãs – que bancam seu apartamento em Paris ou seus campos de futebol no Recreio – sempre ávidos por autógrafos e selfies, também não pode impedir o desabafo de gente indignada com as suas posturas políticas, as quais, afinal, influenciam a opinião pública e, de quebra, os destinos de cada um dos brasileiros.

SOBRE O AUTOR

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ, profissional liberal (consultor de empresas) e diretor do Instituto Liberal. Escreve para vários periódicos como os jornais O Globo, Zero Hora e Gazeta do Povo.

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