O Corvo – e que venha 2016
MARCIA ROZENTHAL*
Odeio futurologia!
Fujo de tarólogos, astrólogos, cartomantes, quiromantes. Não é um preconceito, e na verdade nem me refiro a pessoas, mas sim às atividades exercidas por elas. Até por que tenho bons amigos que atuam ou se simpatizam com essas áreas. Explico melhor o que quis dizer: eu nunca quis saber antecipadamente o que vai acontecer, porque isso me condenaria a conviver com um “barulho no ouvido” que só passaria quando a profecia se realizar. E, no pior dos cenários, se ela estiver errada, ainda corro um risco de padecer desta perturbação pelo o resto dos meus dias.
Brincadeiras à parte, os finais de ano classicamente são parques temáticos para os profetas, onde estão incluídas celebridades que sempre têm “opiniões interessantes” sobre quase tudo. Mas neste momento, no Brasil, contamos com um coro de várias e novas vozes, incluindo economistas, cientistas políticos, filósofos, jornalistas e mais 90% do povo brasileiro. E, posso dizer que pelo que tenho lido ou ouvido sobre os prognósticos para o ano de 2016, que ele já está condenado. Morto. Ninguém mais pode ou deve desejar “feliz ano novo” sem embutir uma entonação de pêsames. Estamos assistindo a um parto de um natimorto, provavelmente vítima de microcefalia (por favor, não maldem nem relacionem a ninguém essa hipótese).
Particularmente, me sinto transportada para o universo sombrio de Edgar Alan Poe, onde o corvo repete insistentemente “nevermore, nevermore”.
Escrevo, no fundo, para pensar melhor. Recuso-me a usar o cinismo, no seu sentido filosófico, como recurso de sobrevivência. Prefiro fincar meu centro de gravidade no presente, onde o futuro está sendo construído e as possibilidades ainda são infinitas.
Como psiquiatra, ouso fazer um diagnóstico, mesmo que grosseiro, do que há com a nossa sociedade. Exaurida e frustrada, ela vive um processo de loucura compartilhada, que se retroalimenta como um moto perpétuo. Ressoam em nossos ouvidos, como um mantra, as palavras do corvo “nevermore, nevermore”. Só estamos permeáveis ao lado negativos dos fatos, e com isso rumamos para um estado invasivo de depressão: desânimo, desesperança, desconfiança e sentimento de impotência ante a realidade que percebemos. Assim, vencidos, ficamos inertes. Não nos manifestamos, não nos planejamos mais. Parece que a derrocada do país é inexorável.
Volto aos meus alfarrábios, às sábias palavras de meu avô. Dizia ele que forte não é aquele que consegue conquistar cidades ou países. Forte é aquele que é capaz de conquistar as suas paixões. E, se pensarmos bem, somos hoje governados por pessoas dominadas pela vaidade, pela cobiça, pela ganância e pela soberba. Ou seja, por pessoas fracas, vulneráveis, expostas ao ridículo em noticiários policiais. Essa é a realidade que parece não mais nos sensibilizar. Mas, dizia Montainge que a covardia é a mãe da maldade. De fato, entendo que para manterem o controle criaram a voz do corvo, e se apoderaram de grande parte dos meios de comunicação existentes para difundi-la. Criaram uma câmara de eco ubíqua, onde este som ricocheteia, se amplifica, repete e penetra em nossos ouvidos e mentes. “Nevermore, nevermore”.
Considerando o contexto atual, e o final-de-ano que se aproxima, queria ter a oportunidade de dizer algo de diferente àqueles que acreditam na democracia e na liberdade. Somos pessoas bem formadas eticamente, sabemos controlar nossos instintos e paixões. Temos clareza de que temos direitos e deveres. Sabemos amar, lutar, ganhar e perder sem enlouquecer. Sabemos que a vida continua.
Para esta virada de ano desejo clarividência para enxergar que o futuro ainda não chegou. Desejo força e perspicácia para dominar este gás paralisante que, de forma insidiosa, vem substituindo o oxigênio do ar que respiramos. Somos fortes e somos a maioria.
E, que venha 2016!
*Marcia Rozenthal é neuropsiquiatria, e professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
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