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segunda-feira, 23 de maio de 2016


Sapientiam Autem Non Vincit Malitia - Foto da águia: Donald Mathis
Eram longas aquelas tardes

Gustavo Nogy 

ERAM LONGAS aquelas tardes de sábado na Vila Mariana. Eram curtas, aquelas tardes. Estudei com o professor e filósofo Olavo de Carvalho entre os anos de 2002 e 2005, pouco antes de sua partida – creio que definitiva, feliz e infelizmente – para os EUA. 

Reuníamo-nos na sede de sua então editora, e ali assistíamos às palestras de quatro, cinco horas, com breve interrupção para o café e para as conversas. A propósito: não eram palestras. Eram aulas. E os alunos não eram tratados como estúpidos.

Estávamos no primeiro mandato do apedeuta da silva e Olavo, entre digressões mais ou menos abruptas para comentar o descalabro intelectual a que nos metíamos imprudentemente, ensinava a teoria discursiva de Aristóteles, a fenomenologia de Edmund Husserl, a filosofia política de Eric Voegelin e Eric Weil, a ontologia de Louis Lavelle e a metafísica de Bernard Lonergan. Vi nascer ali, como texto base para estudo, a tradução das ‘Reflexões Autobiográficas’, de Voegelin, assinada pela Maria Inês, sua filha.

Quatro, cinco horas de aula, quase sempre sem qualquer anotação de apoio, e sem perder a ordem na exposição nem por um único momento. Era impressionante. Tão impressionante quanto sua humildade para responder, a depender da pergunta que lhe fosse feita, com um simples “Não sei. Não estudei o assunto. Prometo prestar atenção nisso e voltamos ao tema em tempo oportuno”. 

Enquanto todos, ou quase todos os intelectuais ‘profissionais’ davam de ombros e comemoravam as benesses do sistema democrático brasileiro, Olavo de Carvalho, sem peias e sem meias palavras respondia: “É o começo do fim”. E hoje sabemos quem estava certo e quem estava errado.

E o fato é que nunca fui de fazer alarde acerca desses dois anos e meio de estudo e dessas generosas conversas com o Olavo. Que, por sua vez, nunca gostou muito de ser chamado de ‘mestre’, nem admitia ser visto como ‘guru’ ou guia de qualquer coisa. Eu digo por que eu sei, por que eu estive lá. É dos sujeitos mais generosos e engraçados que conheci. Mas, sobretudo: de uma honestidade intelectual rara. Nada ali soa falso. Mesmo seus erros ou seus exageros eventuais não pecam por falsidade, coisa encontradiça nos meios intelectuais hodiernos. Ser falso e cínico, na academia, é certeza de longa e brilhante carreira.

Nunca fiz em público o que já fiz em privado, mas faço-o, desta vez, aqui: muito obrigado, Olavo de Carvalho.

Fiquem com a entrevista do ótimo cientista político – e, se ele me permite, amigo – Bruno Garschagen. Nem tudo está perdido nesta pocilga.

Eram longas aquelas tardes de sábado na Vila Mariana. Eram curtas, aquelas tardes.

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