O Primeiro Grande Saque
Amazônico (VIII)
Por Armando Soares
Situação Fundiária
Antes da Expansão da Economia Extrativa da Borracha
Voltamos a
descrever a situação fundiária no período da expansão da economia da borracha,
questão que interessa para poder melhor avaliar em nossos dias esse setor. No
decorrer da era da borracha, Barbara Weinstein, observou na sua pesquisa que a
região das ilhas tronou-se mais exposta às incursões de casas aviadoras e de
influentes funcionários locais. Há informações de que ali se intensificaram as
lutas por estradas seringueiras durante os anos da expansão da atividade
econômica da borracha, muito tempo depois dessa área ter deixado de ser uma
área de fronteira. Em 1910, Henry Pearson, editor do India Rubber Word, traçou
uma distinção entre o baixo e o alto Amazonas. Segundo ele na região das ilhas,
os seringais fossem eles grandes ou pequenos, eram habitualmente registrados e
fiscalizados, e “apenas bem no interior é que o indivíduo faz e executa suas
próprias leis”.
Em
1850 muitas das terras destinadas à extração de borracha não seriam ocupadas e
registradas no registro de posses. Pequenos posseiros não tinham condições de
arcar com as despesas do registro e havia estradas de borracha arrendadas por
comerciantes locais e seringueiros itinerantes que não apareciam nos registros.
Havia um velho costume de explorar terras devolutas para atividades extrativas
nas partes menos acessíveis da região das ilhas. Em bora a Lei Fundiária de
1850 repudiasse toda noção de direitos consuetudinários sobre as terras, a
tendência na Amazônia era ignorar a lei. Em 1862, o presidente Araújo Brusque
queixava-se à Assembleia paraense de que “os seringais mais produtivos
encontram-se em terras não reclamadas e em terras da nação”. “Advertia Brusque
que tal situação poderia ter sérias consequências para o Pará”, e insistia que
os seringais fossem entregues a pessoas responsáveis e inteligentes e não a
seringueiros nômades e pequenos comerciantes de origem estrangeira. Ferreira
Penna exigia que se processasse criminalmente todo seringueiro que extraísse
borracha em terras da nação, a menos que, construísse moradia permanente e
fizesse plantações de seringueiras, café, cacau.
Esses
comentários refletem a postura de grandes proprietários, burocratas e
comerciantes, a elite tradicional, em relação à crescente economia da borracha.
Essa elite considerava quem controlava terras de seringueiras, de pequena
importância social, não merecedores de confiança. Entretanto, muitos dos
grandes proprietários de terras nas áreas extrativas haviam recebido suas
propriedades como recompensa pelo serviço militar prestado durante a cabanagem.
Uma das detentoras de registro, Saturnina Thereza, fundamentava seu direito a
um seringal de duas léguas quadradas em uma sesmaria do século XVIII. Havia
também alguns comerciantes e funcionários locais que rapidamente colecionaram
seringais e contatos políticos de boas famílias de Belém, os grandes
seringalistas eram comumente novos-ricos com poder limitado fora da área de sua
influência imediata. E a maioria dos antigos posseiros da região das ilhas eram
produtores sem importância, muitos dos quais trabalhavam suas próprias terras e
pouca influência exerciam em nível provincial.
Poder Econômico e
Projeção Social
Dada sua
natureza do negócio da borracha, o controle e a propriedade de seringais não
era por si só, um ponto de partida seguro para alcançar o poder econômico e a
preeminência social. Era o negociante, atuando ao mesmo tempo como comprador e
fornecedor, que em última instância dominava a vida econômica das zonas de
extração, através do controle do crédito, do estabelecimento dos preços locais,
do fornecimento do transporte e do agenciamento de seringueiros suplementares. Porém,
o comerciante local pode apresentar-se soube muitas roupagens diferentes.
Poderia, por exemplo, ser um importante seringalista com vínculos comerciais em
Belém, que não apenas equipasse seus próprios seringueiros e vendesse sua
própria borracha, mas também oferecesse esse tipo de serviços a seus vizinhos
produtores de borracha. De modo geral, a grande propriedade fundiária e as
atividades comerciais eram compatíveis e complementares entre si; em muitos
casos, não fica claro qual delas terá surgido primeiro, mas a ordem importa
pouco.
Um
bom exemplo da relação íntima entre a posse da terra e atividades comerciais
nas zonas de seringueiras é a história da família Gonçalves de Lemos, de
Breves. O primeiro vestígio desse clã encontra-se nos registros de terra de
1855, em que pelo menos três inscrições levam o nome de João Gonçalves de
Lemos, provavelmente negociante ou funcionário público na cidade de Breves, entrou
com os pedidos de posse em nome de três posseiros analfabetos. Um ano mais
tarde, José Gonçalves de Lemos registrou uma posse de dimensão indeterminada no
rio Jacaré, também no município de Breves. Não se encontra muita informação
sobre as atividades da família pelos quinze anos seguintes, mas sabemos que,
entre 1872 e 1887, José Gonçalves de Lemos, através de sua firma José Gonçalves
de Lemos e Filhos, começou a comprar algumas das maiores fazendas de Breves.
Durante esses anos o negócio da família adquiriu cinco propriedades diferentes,
com um total de quatro barracões, e nos anos 90 José passara a ser reconhecido
por todos como um dos homens mais poderosos do principal município produtor de
borracha do Pará.
Ainda
que a propriedade original fosse excepcionalmente produtiva e bem localizada,
não poderia, por si só, ser a responsável pela acentuada ascensão econômica da
família; pode-se presumir que o clã Gonçalves Lemos tenha, desde o início,
associado à extração da borracha com atividades comerciais, o que lhe permitiu
ultrapassar seus vizinhos em poder econômico e político. José, o patriarca da
família, foi também intendente de Breves, posição que, sem dúvida, ajudou a
fazer progredir os interesses da família. O inventário do seu patrimônio, por
ocasião de sua morte, revela a forte relação entre a propriedade da terra e o
comércio. Entre as propriedades de Lemos e Filhos estava uma casa comercial em
Breves, barracões menores por toda a região das ilhas, e doze diferentes
seringais avaliados em 66 contos de reis. O inventário de Lemos ilustra também
a cadeia de relações de endividamento característica de rede de aviamento.
Enquanto seus fregueses em Breves e Anajás lhe deviam um total de 17 contos,
ele próprio devia a Thomé de Vilhena & Cia., de Belém, cerca de 40 contos.
E a julgar pelo fraseado desses registros, tais débitos constituíam rotinas e
provavelmente seriam não seriam saldados.
Nem
todos os antigos comerciantes de borracha começaram como posseiros e
funcionários públicos nos municípios do interior. Havia também inúmeros
comerciantes itinerantes, os regatões, que se abasteciam em Belém e depois
viajavam de barco por todas as regiões do interior, até mesmo as mais isoladas,
comprando borracha e vendendo farinha de mandioca, sal, roupas, cerâmicas,
armas, querosene e tudo mais quanto fosse necessário ao seringueiro e sua
família. Era esse mascate anfíbio (...) comprando por 5 o que valia 20 e
vendendo 20 o que valia 5 que recebia o maior desprezo por parte dos
funcionários do governo e de todos os críticos da economia da borracha.
Acusavam-no de tirar vantagens ilícitas do seringueiro isolado e do índio
inocente que, aborrecidos e solitários comprariam coisas demais e venderiam sua
borracha barata demais, afundando-se assim, cada vez mais em dívidas.
Paradoxalmente, esses mesmos atravessadores eram acusados também de prejudicar
o monopólio do grande seringalista ou do comerciante estabelecido, e de
permitir que o seringueiro vendesse ou comprasse mercadorias a preços mais em
conta.
Destaque Necessário
Volto a
destacar que, devido a total falta de memória no Pará, na Amazônia e no Brasil na
fase de expansão da economia da borracha extrativa, lapso que me obrigou a transmitir
trechos do belíssimo trabalho de Barbara Weinstein para melhor avaliação da
sociedade desse período, o qual mostra a origem dos muitos problemas que
determinaram a estagnação econômica da Amazônia, a origem da deformação da
questão fundiária e como surgiram alguns supermercados de hoje. Ainda vou
continuar a transcrever alguns trechos desse trabalho, para depois ingressar em
outros grandes saques amazônicos.
Não esquecer
que a razão dessa série de artigos é para mostrar à sociedade amazônica e brasileira
as verdadeiras causas do processo de estagnação da economia e da crescente
pobreza amazônica. É inadmissível que uma região rica como é a Amazônia esteja
ainda atrasada séculos em ralação as sociedades modernas. É difícil explicar a
inoperância do amazônida que admite ser transformado em cobaia de experiências
insanas e de saques permanentes de sua riqueza que criaram em outras regiões do
mundo desenvolvimento, qualidade de vida e eliminação da pobreza. O amazônida
passa por dificuldades de toda ordem vivendo em cima de riquezas
incomensuráveis rogando aos céus milagres, quando o milagre está em suas mãos,
na sua capacidade de realizar desenvolvimento e não em milagres caídos do céu.
Armando Soares – economista
e-mail: armandoteixeirasoares@gmail.com
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